A tradução de Grande sertão: veredas para o inglês, feita por Harriet de Onís e o Professor James Taylor e publicada no início da década de 1960, é em geral considerada insuficiente, não fazendo jus ao original de Guimarães Rosa. A parte mais conhecida da história dessa tradução é apresentada em trabalhos que têm como fonte principal as cartas trocadas entre Guimarães Rosa e Harriet de Onís, que estão no acervo JGR do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo. Com base em trabalhos já publicados sobre o assunto e na análise de cartas trocadas entre a tradutora Harriet de Onís e os editores da Alfred A. Knopf, o objetivo deste trabalho é esclarecer melhor alguns fatos que parecem ter ficado em segundo plano, principalmente a atuação de Harriet de Onís para “defender” sua tradução e a escrita singular de João Guimarães Rosa. Como apoio para a discussão, recorreremos às autoras Pascale Casanova e Emily Apter e suas visões sobre a “Literatura Mundial”.
Este trabalho analisa perspectivas de linguagem e sentido que se esboçam em 59 cartas trocadas entre Guimarães Rosa e sua tradutora norte-americana, Harriet de Onís. Partindo de um ponto de vista pós-estruturalista, segundo o qual a linguagem é não instrumento de representação, mas antes uma multiplicidade de práticas históricas, voláteis, descontínuas e, portanto, refratárias a teorias gerais de ambição essencializante, busca-se reconhecer no espaço extra-teórico das cartas a fecundidade dos diferentes estilos de ver a linguagem que se oferecem nesse ponto particular do corpus roseano. Mostra-se a irreducibilidade dessas visões a qualquer filosofia geral, as marcadas diferenças de atitude perceptíveis entre Guimarães Rosa e Harriet de Onís no que se refere à linguagem (diferenças que enfatizam por contraste as posições roseanas), e, sobretudo, a forma particular como o Rosa das cartas promove performativamente o abalo de expectativas reducionistas e culturalmente arraigadas sobre a linguagem. Especial atenção é dada ao modo como em Rosa o paradoxo emerge como força criadora e não como embaraço, aporia: pela produtividade do paradoxo, abrem-se ângulos fecundos pelos quais se logra reconhecer, ou, nos termos de Rosa, pensar-sentir, diferentes aspectos da linguagem, notadamente a língua comum; a dinâmica vital que enlaça texto, autor, tradutor e leitor; a racionalidade e o mistério irredutível da língua; e o estatuto do poético no idioma.
O objetivo deste trabalho, num primeiro momento, foi extrair das 65 cartas que João Guimarães Rosa remeteu à sua tradutora para o inglês, Harriet de Onís, durante a tradução de Sagarana, as linhas gerais que configuram sua poética. Um breve panorama da gênese e da recepção deste livro, seguidos pelos comentários às mencionadas cartas, abriu nossa pesquisa. Depois disso realizamos uma análise do conto Conversa de bois, oitava narrativa de Sagarana, enriquecida pelas declarações do escritor na referida correspondência em torno do seu processo de criação. Para complementar a análise e esclarecer certas questões relativas à técnica compositiva do autor não tratadas especificamente em sua poética, recorremos a alguns conceitos-chave de pensadores de diferentes tradições que, embora desenvolvidos em épocas distintas, encontram seu lugar nesse estudo do universo heteróclito criado por JGR. Uma atenção especial foi dada ao Formalismo Russo (Roman Jakobson (1896-1982), Viktor Chklóvski (1896- 1984), Iuri Tyniánov (1894-1943) e Ossip Brik (1888-1945)) cujos preceitos muitos deles em consonância com a poética rosiana foram uma referência válida para a metodologia de nossa análise.
Esta dissertação é um estudo da correspondência de Guimarães Rosa com seus tradutores - Curt Meyer-Clason, Edoardo Bizzarri e Harriet de Onís, que verteram suas obras respectivamente para o alemão, o italiano e o inglês - buscando inicialmente destacar nas cartas as peculiaridades específicas do discurso epistolar, para investigar em seguida aspectos da vida e obra do escritor. Tal investigação privilegia a análise e interpretação dos enunciados das cartas com o objetivo de mostrar a manifestação e encenação da subjetividade do escritor, e os conceitos estéticos que elabora e explica aos seus tradutores, explorando as aproximações e tensões sob as quais essa subjetividade do escritor, e os conceitos estéticos que elabora e explica aos seus tradutores, explorando as aproximações e tensões sob as quais essa subjetividade e essa estética se organizam e se relacionam.
João Guimarães Rosa, um dos maiores autores brasileiros, não obteve o mesmo
reconhecimento de seu país de origem nos Estados Unidos. Como integrante de um sistema
periférico dentro do polissistema literário americano, Rosa em inglês foi homogeneizado e
simplificado para atender às necessidades de enquadre em um cânone tradutório e não atendeu
às expectativas de latinidade e da imagem de brasilidade que circulavam nos Estados Unidos.
Este trabalho analisa dois elementos que contribuíram para esse resultado: o contexto cultural e
o processo tradutório, o último a partir de cartas trocadas com a tradutora.