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A arte de contar

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Carros e meio ambiente em São Paulo

 

Por João Vitor Oliveira

perfil writersFlavio Ulhoa Coelho

 

Com três décadas completas no IME e, atualmente, diretor do instituto, ele transita entre a vida acadêmica e o mundo da literatura e publicou, no final do ano passado, seu quarto livro de contos

 

A lousa de Flavio Ulhoa Coelho, em sua sala no Instituto de Matemática e Estatística (IME), está recheada de símbolos indecifráveis. É a linguagem dos matemáticos. As setas, letras e números revelam um significado que só quem está acostumado a esse tipo de notação pode entender. Questionado se existiria uma maneira simples de explicar o que estava ali representado, ele diz que não e, rindo, completa: “Foi uma discussão que eu tive com uma aluna de doutorado”. Sobre sua mesa, no entanto, um item destoa do cenário. Trata-se do livro Contos e vinténs, de sua autoria, lançado pela editora A Girafa em novembro de 2012.

Professor do Departamento de Matemática do IME e diretor do mesmo instituto, Coelho há muito se aventura pelo campo da literatura. O matemático mostra ser hábil não só com os números, mas também com as palavras. Esta já é sua quarta obra publicada.

“Encaro a matemática e a literatura de maneira separada”, declara. “É claro que às vezes é difícil fugir do que a gente é. Tenho toda uma experiência de vida e inclusive de escrita com a matemática. Mesmo assim, o foco dos contos é outro.”

Nascido em São Paulo (SP), em 1960, o professor e escritor cumpre agora seu último ano de mandato na direção e, paralelamente, trabalha para publicar novas obras em um futuro próximo.

O matemático

Dos tempos de colégio na Escola Estadual Ministro Costa Manso, no Itaim Bibi, Coelho se recorda especialmente dos bons professores de matemática que teve. “Foram eles que me puxaram para essa área, que desenvolveram meu interesse”, comenta.

Flavio Ulhoa Coelho conta números e histórias

  Flavio Ulhoa Coelho conta números e histórias

A inclinação de seus estudos sempre pendeu para o lado das ciências exatas. Inicialmente, passou em Engenharia na Escola Politécnica (Poli), em 1978. Como na época a USP permitia que se cursasse duas faculdades simultaneamente, entrou um ano mais tarde no IME, para fazer matemática. Percebeu que era o que queria, abandonou a Poli e, em 1982, formou-se no instituto.

A área das pesquisas de pós-graduação foi sempre Álgebra, principalmente Representações de Álgebra. O mestrado foi realizado aqui mesmo, no Brasil, e concluído em 1985, mas para o doutorado teve que sair. Ele explica que na época era bastante comum fazê-lo fora, pois, em nosso país, o doutorado ainda não estava muito bem organizado. Foi assim, em 1986, para a Universidade de Liverpool, na Inglaterra, onde ficou até 1990. “Achei uma experiência muito boa, pois era um lugar onde havia bastante gente trabalhando na minha área de especialização”, relembra.

A experiência como professor universitário começou logo após o mestrado, já que naqueles anos ainda não era necessário ter doutorado para ser contratado. “Comecei a me direcionar para a vida acadêmica. É assim mesmo, uma coisa vai puxando a outra”, declara. Coelho obteve ainda a livre-docência em 1993 e virou professor titular dez anos mais tarde. Continua lecionando até hoje.

E o cargo de diretor do IME coroa uma carreira acadêmica dedicada ao instituto. O professor foi nomeado em 2010 e ocupa a posição até o final de março do ano que vem. “No começo deu um friozinho na barriga”, admite. “Mas eu já tinha um grande conhecimento do IME. Havia sido chefe de departamento por dois mandatos e vice-diretor antes. Senti que estava preparado para assumir a função. É uma grande responsabilidade.”

O escritor

O que fez, então, com que alguém que foi tão fundo no mundo das exatas decidisse começar a contar não só números, mas também histórias? O próprio Coelho comenta que, na época do colégio, a literatura não era algo que estava no seu cotidiano a ponto dele ter pensado em estudar algo para o lado das humanas.

“É que eu sempre gostei de ler”, conta. “Na minha juventude li muitas obras de autores latino-americanos, por exemplo. Gostava de Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez.” Hoje, sua mesa de cabeceira está sempre ocupada por três ou quatro livros de temas diferentes, lidos simultaneamente. “Dependendo do dia pego um, mas no dia seguinte escolho outro. Quando termino algum deles, naturalmente já pego um novo para substitui-lo.”

O professor no lançamento de Contos e Vinténs em novembro do ano passado na Livraria da Vila

O professor no lançamento de Contos e Vinténs em novembro do ano passado na Livraria da Vila

Ele explica que o contato maior com nossa literatura viria, curiosamente, somente quando estava na Inglaterra, onde frequentava um centro de estudos da literatura brasileira. “Li muito mais autores nacionais naquela época do que antes. Peguei todos os clássicos: Machado de Assis, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, entre outros tantos.”

Foi justamente nos anos fora do País que Coelho começou a escrever a sério. Em 1991, foi premiado na 5ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, tendo sua obra, Contos que conto, publicada. Grandes nomes da literatura nacional já haviam vencido o prêmio em edições anteriores, como Jorge Amado e Mario Quintana.

“Foi um grande incentivo para eu continuar escrevendo”, declara o professor. Cinco anos mais tarde, ele publicaria Ledos enganos, outro livro de contos.

Mas é claro que é difícil conciliar a dedicação à escrita com tão bem construída carreira acadêmica. Coelho explica que sua trajetória no IME começou a tomar-lhe muito mais tempo e ele teve que se distanciar um pouco da literatura. O próximo livro demorou mais uma década inteira para sair, Gambiarra e outros paliativos emocionais.

O professor explica de onde tira as ideias para suas histórias: “O que me inspira são coisas muito variadas. Às vezes é uma frase que eu vejo em algum lugar, que me motiva a escrever um parágrafo em torno dela, às vezes são experiências pessoais. Mas não vejo nada que escrevo como autobiográfico.”

E mesmo que ele tente separar bem a matemática de suas histórias, confessa que por vezes as duas coisas se misturam. Prova disso são os títulos de alguns de seus contos, como O entusiasta do sistema decimal e Simetria.

Contos e Vinténs

Screen Shot 2013-05-02 at 5.24.41 PMSeu último lançamento segue a linha das publicações passadas, sendo uma reunião de vários contos. O título é uma brincadeira, um trocadilho. A palavra conto traz consigo a ideia de conto de réis e vintém a de um trocado, quantia mínima de dinheiro.

Isso porque a obra possui, entre seus cinquenta textos, contos mais longos, que ocupam algumas páginas, e dizeres que são apenas um parágrafo ou uma simples frase, aos quais o professor deu o nome de vintém.

Ele explica: “Às vezes eu tinha algo anotado há tempos como ideia para um conto futuro que ainda não sabia como desenvolver, mas fui percebendo que eles já tinham um certo sentido em si. Eles eram, daquele jeito, aquilo que eu queria dizer. Não precisavam ser desenvolvidos em algo maior, mas sim apenas de uma lapidada”. A partir do momento que o professor passou a considerá-los dessa maneira, a obra ganhou fôlego.

Após seu quarto livro de contos, Coelho pensa em explorar outros campos da literatura. Ele possui uma obra infantojuvenil já terminada, para a qual está procurando editora para lançar. Está trabalhando, ainda, em dois romances. “A história inteira está na minha cabeça”, declara. “Mas para escrever um romance é necessário um fôlego que, em termos de tempo, eu ainda não tenho mesmo.”

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