Cinema

A história de Heleno de Freitas

  • Facebook facebook
  • Twitter twitter
  • AddThis mais
Machucou de novo?

 

João Vitor Oliveira

Filme retrata a vida do futebolista que foi de ídolo da seleção à morte precoce em hospício aos 39 anos

Heleno. Bastou o nome da personagem para dar título ao novo filme do diretor José Henrique Fonseca, que traz para as telas do cinema brasileiro a história do mitológico jogador do Botafogo Heleno de Freitas, ídolo do futebol sul-americano na década de 40. O longa, que começou a ser produzido em 2003, é estrelado por Rodrigo Santoro, Alinne Moraes e Maurício Tizumba.

Dono de um gênio intempestivo, Heleno é considerado o primeiro craque-problema do futebol de nosso país. Titular absoluto e artilheiro da seleção vice-campeã do Sul-Americano de 1945, era a maior esperança brasileira para a Copa de 1950, mas a agitada vida extra campo – marcada pelo álcool, cigarro, drogas e inúmeros casos amorosos –, aliada a seu temperamento explosivo e arrogância, acabaram por afastá-lo cedo dos gramados. Por problemas de saúde ou por não conseguir se relacionar com os outros jogadores, se achar superior e brigar com todos, chegou ao ponto de, ao final da carreira, ser rejeitado em equipes até quando oferecia jogar de graça. Terminou a vida internado em um hospício na cidade de Barbacena, Minas Gerais, sozinho, maltratado pela sífilis e sem nenhuma saúde mental.

O filme tem um apelo poético do começo ao fim. Todo em preto-e-branco, com uma trilha sonora suave composta principalmente por jazz e blues, a personalidade de Heleno está sempre em destaque. “Não é um filme sobre futebol”, declara o próprio diretor, “é sobre um personagem em uma situação limite, em um beco sem saída”. O longa começa com cenas do jogador já beirando a morte no hospício e depois as alterna, através de flash-backs, com seus tempos áureos no Botafogo, Boca Juniors (ARG) e Junior Barranquilla (COL), contando como ele foi enlouquecendo ao longo do tempo até chegar a um estado em que, internado, não falava ou sequer reconhecia mais seus amigos e a ex-esposa.

Rodrigo Santoro (acima) teve de encarnar a forte personalidade de Heleno (abaixo) no filme

A opção pelo preto-e-branco, além de um fetiche confessado por Fonseca, traz a ideia do imaginário ao longa. A história pessoal de Heleno de Freitas é quase uma lenda. Não há registros que tornem possível um retrato exato da vida do jogador. Para o diretor, as cores dariam um tom de plena realidade ao filme, mas a ausência delas refletem os próprios mitos que foram criados em torno dos episódios vividos pelo atleta. “É a cor perfeita”, acredita. “A cor é o real, e o preto-e-branco o sonho.”

Santoro, que interpreta Heleno, afirma que o longa “se concentra muito mais nos sentimentos das pessoas do que nos acontecimentos”. Exemplo disso é uma das cenas finais, em que o jogador, já em estado avançado da doença mental, firma contrato com o América Futebol Clube e finalmente realiza seu sonho de jogar no Maracanã, o último jogo do qual participaria. Este é um dos grandes mitos que cercam sua história: alguns dizem que ele foi expulso após poucos minutos de partida, outros acreditam que ele entrou em campo, ficou parado observando as arquibancadas e saiu. No filme, a cena mostra as arquibancadas girando sob uma mistura de sons da torcida, vozes e diversos barulhos que refletem uma situação de loucura estampada na expressão da personagem. E só. O que aconteceu cabe ao público imaginar.

Para encarnar a personalidade do craque, Santoro foi à cidade natal do jogador, São João Nepomuceno (MG), e conversou com amigos e parentes que conviveram com ele para conhecer histórias, ouvir relatos de seu comportamento. “Minha geração não conheceu o Heleno. Ele tinha um gênio muito complexo, era uma pessoa de muita atitude”, declara o ator. Além disso, fez aulas de fundamentos do futebol com o ex-atleta Cláudio Adão para cenas como a famosa “matada no peito”, marca registrada do ídolo botafoguense. Teve ainda que emagrecer 12 kg em um mês para filmar as cenas do hospício. Ao longo dos oito anos de produção, Santoro envolveu-se de tal maneira com o projeto que virou coprodutor do filme.

A história dá bastante espaço para o romance entre Heleno e Sílvia, vivida por Alinne Moraes, que se casaram e tiveram um filho. Para apimentar o enredo, foram colocados dois triângulos amorosos que trazem ao filme elementos como ódio e ciúme: o primeiro envolve um caso entre o jogador e uma cantora argentina que ele conhece em um cassino, Diamantina, interpretada pela colombiana Angie Cepeda. O segundo é entre Sílvia e um ex-parceiro de equipe e melhor amigo de Heleno, com o qual a mulher acaba se casando após a internação do jogador.

A participação de Maurício Tizumba, que interpreta o enfermeiro que cuida de Heleno no hospício, também merece destaque. Sua personagem aparece como a última pessoa que tinha, de fato, algum contato pessoal com o jogador enlouquecido. A química da parceria entre os dois atores é tão forte que as cenas protagonizadas por eles, como comentado pelo próprio Santoro, são talvez as mais emocionantes do filme.

E a mensagem que fica é a tragédia de um jogador apaixonado pelo futebol e pelo Botafogo, mas sobretudo por si mesmo, que não soube conciliar a fama com a carreira de sucesso. A obra nos faz refletir sobre o quão atual é o tema, apesar de contar algo que aconteceu há mais de meio século: casos como o de Heleno estampam capas de jornais até hoje, revelando jogadores extremamente talentosos que desperdiçam suas oportunidades de fazer história no futebol por não resistirem às tentações que vêm com a fama e a fortuna.

 

 

 

 

 

 

Deixe um Comentário

Fique de Olho

Enquetes

As questões nas reuniões do Conselho Municipal de Política Urbana envolvem, indiretamente, transporte e mobilidade. Em sua opinião, qual item seria prioridade para melhorar o transporte público?

Carregando ... Carregando ...

Dicas de Leitura

A história do jornalismo brasileiro

O livro aborda a imprensa no período colonial, estende-se pela época da independência e termina com a ascensão de D. Pedro II ao poder, na década de 1840
Clique e confira


Video

A evolução do parto

O programa “Linha do Tempo”, da TV USP de...

Áudio

Energia eólica e o meio ambiente

O programa de rádio “Ambiente é o Meio” foi...

/Expediente

/Arquivo

/Edições Anteriores