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Cinusp realiza mostra sobre o golpe civil-militar brasileiro

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Por Giovanna Gheller

No mês em que a implantação do regime autoritário completa cinco décadas, grupos se reúnem para relembrar a importância do período

 

Eles Não Usam Black-Tie tem exibição no MPF e é seguido de debate com Luciano Castro Lima e Gustavo Seferian

Eles Não Usam Black-Tie tem exibição no MPF e é seguido de debate com Luciano Castro Lima e Gustavo Seferian

O ano 2014 não é feito só de Copa do Mundo e eleição. É uma data significativa especialmente quando o golpe militar brasileiro cumpre cinco décadas de seu acontecimento, que duraria longos e turbulentos 21 anos. Para reiterar a importância do marco histórico e refletir sobre seus acontecidos da maneira que mais entende, o Cinusp Paulo Emílio promove, de 30 de março a 13 de abril, a mostra “50 Anos do Golpe: o regime militar no cinema brasileiro”. As sessões acontecem nas salas do Cinusp, do Centro Universitário Maria Antonia e no auditório do edifício da Procuradoria Regional da República da 3ª Região do Ministério Público Federal, sendo algumas seguidas por debates com figuras como Lúcio de Castro, Plínio de Arruda Sampaio, Ivan Seixas, Igor Fuser e Carlos Gianazzi.
Com a reprodução de filmes, documentais ou ficcionais, como Hoje, Repare Bem, Dossiê Jango e O Dia que Durou 21 Anos, serão relembradas importantes figuras brasileiras que lutaram veementemente em combate ao autoritarismo dos dirigentes militares da época. Também estão na lista Cidadão Boilesen, Memórias do Chumbo: o futebol nos tempos do Condor, Vlado: 30 anos depois, Lamarca, Verdade 12.528, Que Bom Te Ver Viva, Marighella, Quase Dois Irmãos, A Memória Que Me Contam, Cabra-Cega, dentre outros.
A realização do evento é uma parceria do Cinusp com o grupo de pesquisa Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com a Comissão da Verdade Marcos Lindenberg e com a Procuradoria Regional da República da 3ª Região, do Ministério Público Federal. Os responsáveis pela curadoria são o professor Rodrigo Medina Zagni, doutor em Práticas Políticas e Relações Internacionais pelo Prolam (Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina) e coordenador do grupo de pesquisa Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea, e Marlon Alberto Weichert, procurador- regional da República e coordenador do grupo de trabalho Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal.

Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964. Para Zagni, sua reedição em 2014 revela muitos dos resquícios da época do regime ditatorial na sociedade de hoje

Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964. Para Zagni, sua reedição em 2014 revela muitos dos resquícios da época do regime ditatorial na sociedade de hoje

O período inaugurado com a tomada do poder pelo golpe civil-militar em 1º de abril de 1964 foi um dos mais tempestuosos já vividos no Brasil. Até hoje a rigidez, as desavenças, as parcerias e os mistérios daquele tempo são lembrados, com lamento por parte de uns e com saudosismo por parte de outros.

Como explica Zagni, na seleção dos arquivos a serem exibidos para ilustrar esse contexto foram trabalhados os antecedentes do golpe, os movimentos de luta armada (ligas camponesas e guerrilha urbana), os movimentos de luta política (operária e estudantil), a oposição crítica de artistas e intelectuais, o aparato de censura e a reação da imprensa, o contexto internacional, as práticas de tortura, a atuação dos esquadrões da morte, os exilados e, por fim, algumas biografias imprescindíveis, como a de João Goulart, de Vladimir Herzog e de Carlos Lamarca.
Um segundo momento da montagem da grade foi dedicado a privilegiar produções de diferentes períodos e de distintas linguagens. Foram selecionados documentários, curtas e longas-metragens e dramas ficcionais que retrocedem de 2014 até a década de 1970, a qual o curador considera um dos momentos mais importantes de toda essa história.
Na opinião de Zagni, o documento histórico mais precioso de toda a seleção é um filme de 1971 chamado Você Também Pode Dar um Presunto Legal, um curta-metragem-denúncia que foi feito no “olho do furacão” e que delata as práticas dos esquadrões da morte e, sobretudo, da ação do delegado Sérgio Fleury. Esse filme, como explica, foi resgatado somente em 2006 por Sérgio Muniz, o diretor, e agora está restaurado, pronto para ser exibido na mostra.

Zuzu Angel, estrelado por Patrícia Pillar, conta a história da estilista mineira cujo único filho, Stuart (Daniel de Oliveira), desapareceu durante a ditadura militar nos anos 70

Zuzu Angel, estrelado por Patrícia Pillar, conta a história da estilista mineira cujo único filho, Stuart (Daniel de Oliveira), desapareceu durante a ditadura militar nos anos 70

“Para falar sobre o assunto, achamos imprescindível chamar gente que foi testemunha histórica, que participou efetivamente desses processos”, diz o curador sobre a escolha do grupo de debatedores. Também foram convidados pesquisadores que, ainda que não tenham vivido a época, realizam ou realizaram estudos sobre esses temas, e ainda há uma terceira categoria de debatedores, formada pelas pessoas envolvidas na produção dos filmes.
Um fato curioso é que, mesmo passado algum tempo dos eventos, continua-se fazendo produções sobre eles.  Em Busca de Iara, por exemplo, é de 2014 e terá sua pré-estreia nessa mostra. O documentário relata a trajetória da professora de psicologia Iara Iavelberg, que decidiu abandonar a família, que lhe oferecia uma vida um tanto quanto confortável, e investir na luta armada durante a ditadura militar. Teve uma relação amorosa com Carlos Lamarca, o capitão desertor do Exército que participou da guerrilha armada da extrema-esquerda, e morreu em 1971, no meio da efervescência ditatorial, aos famigerados 27 anos de idade.

O tratamento desses temas no dia de hoje é importante, primeiramente, porque são relativos a memórias sobre disputa. “Temos os setores mais antagônicos da sociedade reivindicando esse período a fim de significá-lo de distintas maneiras”, afirma o curador. “Teremos a reedição da Marcha da Família com Deus para a Liberdade, que àquela época manifestava apoio civil ao golpe militar, demonstrando que os setores reacionários da sociedade brasileira estão vivamente acesos.” Segundo ele, ainda, há também uma questão elementar de se promover justiça não apenas em termos de reparação material, mas em termos simbólicos – o resgate da memória é imprescindível para a construção de uma identidade nacional, e resgata o passado de violência vivido no Brasil, em que foram organizados importantes movimentos de resistência.

Fachada da antiga Faculdade de Filosofia e atual Centro Universitário Maria Antonia, que recebe sessões da mostra com o Cinusp e a Procuradoria Regional da República

Fachada da antiga Faculdade de Filosofia e atual Centro Universitário Maria Antonia, que recebe sessões da mostra com o Cinusp e a Procuradoria Regional da República

Conhecer esses processos permite repensar problemas da atualidade, porque muitos dos processos históricos que estão mapeados nesse período estão presentes hoje na nossa realidade. Ao analisá-los, podemos identificar permanências e rasuras, “e lamentavelmente muitas são as permanências desse período”. Exemplifica Zagni: “Convivemos hoje com a violência policial, sobretudo movida contra as juventudes pobres e negras da periferia, que encarnam o contexto da luta de classes”. A vigência ainda hoje dos esquadrões da morte, em plena atuação e cujo modus operandi remonta diretamente ao período da ditadura militar, em que eram utilizados para a manutenção de um regime de violência e de terror é, para ele, outro exemplo. “Nós temos uma instituição gravemente antidemocrática num país cuja democracia ainda está por ser construída.” A crescente criminalização dos movimentos sociais é outro problema.
Tudo isso tem que ser repensado sob a luz da experiência histórica. A mostra propõe exatamente isto, rever essas situações sem cair no maniqueísmo de um mal militar versus um bem civil, “mesmo porque a ditadura só durou 21 anos por ter contado com um forte apoio da sociedade civil, sobretudo do empresariado”.

Endereços e telefones
Cidade Universitária: rua do Anfiteatro, 181 – Colmeia, Favo 4 – Cidade Universitária, São Paulo / (11) 3091-3540
Centro Universitário Maria Antonia – Sala Carlos Reichenbach: rua Maria Antonia, 294 (1º andar) – Consolação, São Paulo / (11) 3123-5200
Procuradoria Regional da República da 3ª Região – auditório: av. Brigadeiro Luís Antônio, 2.020 (térreo) – Bela Vista, São Paulo / (11) 2192-8723

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