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De São Carlos para o Vaticano

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Escolha sem peso

 

perfil 1Vanderlei Bagnato

Professor do Instituto de Física de São Carlos é o novo membro da Pontifícia Academia de Ciências

Há quem diga que ciência e religião são temas inconciliáveis, impossíveis de conviver harmoniosamente. De fato, se olharmos para trás, vemos na história dessa relação uma série de conflitos, desde as perseguições praticadas pela Santa Inquisição na Idade Média até as mudanças que levaram ao estabelecimento dos estados laicos. Hoje em dia, discussões polêmicas, como a questão do aborto, alimentam as divergências.

Mas há quem pense diferente. Vanderlei Bagnato é professor e pesquisador do Departamento de Física e Ciência dos Materiais do Instituto de Física de São Carlos (IFSC). São mais de três décadas dedicadas ao ensino da física em nível acadêmico e a estudos e projetos no campo que resultaram em trabalhos inovadores com aplicação, por exemplo, na área da saúde. É, ainda assim, católico praticante. “Nunca senti nenhum conflito entre ciência e religião”, declara. “Jamais discuto e não gosto de usar este tema como fator decisório em nada. Tenho claro em minha mente que, enquanto a primeira se ocupa das leis da matéria, a outra se preocupa com o comportamento do espírito, algo além do material.”

O professor com o papa Bento XVI, tomando posse de seu cargo em novembro de 2012

O professor com o papa Bento XVI, tomando posse de seu cargo em novembro de 2012

O que o experiente professor não imaginava é que seria convocado para fazer parte da Academia de Ciências do Vaticano, uma das mais antigas sociedades científicas do mundo, por onde já passaram nomes como Galileu Galilei, Ernest Rutherford, Niels Bohr e Werner Heisenberg. A indicação foi feita diretamente pelo papa Bento XVI e o convite, que chegou em setembro do ano passado através de uma carta, foi recebido com alegria e surpresa. “Não me considero na mesma altura dos atuais membros”, confessa – e não à toa, já que quase metade dos 80 integrantes do grupo tem em seu currículo um Prêmio Nobel. “Mas isso não é um obstáculo para mim. Se não for merecedor, farei todo o esforço para o ser a partir de agora.” As reuniões acontecem trimestralmente no próprio Vaticano. A primeira, na qual o professor tomou posse do cargo e recebeu uma medalha das mãos de Bento XVI, foi em novembro.

A opção religiosa, importante frisar, nada teve a ver com a escolha por Bagnato. Na Academia convivem pessoas de diversas crenças e mesmo alguns agnósticos. O cartão de entrada foram suas contribuições científicas.

Uma das mais importantes delas é o desenvolvimento do primeiro relógio atômico da América Latina. No final dos anos 1990, no Laboratório de Óptica do IFSC, ele e sua equipe construíram, baseando-se em certas propriedades dos átomos, um relógio capaz de medir o tempo com extrema precisão que demorará uma infinidade de anos para registrar um atraso de um segundo. “Foi um trabalho que me deixou muito satisfeito. Acho importante podermos demonstrar nossa capacidade nessa área”, comenta. Este tipo de tecnologia, utilizada em situações que exigem extrema precisão de dados – no Sistema de Posicionamento Global (GPS) que guia aviões via satélite, por exemplo – já era comum em países mais desenvolvidos há algumas décadas.

Bagnato e a equipe de pesquisadores de seu laboratório em agosto de 2006

Bagnato e a equipe de pesquisadores de seu laboratório em agosto de 2006

Destaca-se também a produção, em 1997, de uma versão do condensado de Bose-Einstein utilizando átomos de rubídio, feito que, segundo Bagnato, colocou seu Laboratório em São Carlos em evidência internacional. Trata-se de um novo estado da matéria, atingido quando um conjunto de átomos, resfriado a temperaturas excepcionalmente baixas, está com um grau de energia tão baixo que se comporta e age como se fosse um único átomo gigante.

O professor trabalha ainda na fronteira entre a óptica e a medicina. Seus estudos tornaram a terapia fotodinâmica para tratamento de câncer – método que evita os efeitos indesejáveis de quimioterapia, radioterapia e cirurgias – e controle microbiológico uma realidade clínica no Brasil. Ele declara: “Tenho tentado dar um grande teor de responsabilidade social aos meus projetos de biofotônica. Agora, estamos aperfeiçoando as técnicas e pretendemos desenvolver novas tecnologias para alimentar o parque de empresas brasileiras”.

E mesmo diante de tantas inovações, o maior legado de Bagnato, do qual o físico mais se orgulha, são seus alunos. “Sem dúvida, os trabalhos que publiquei são menos importantes do que as pessoas que formei”, comenta. O físico é professor na USP desde o começo da década de 1980. Ao longo dos anos, foram mais de 60 mestres e doutores orientados. O mesmo orgulho ele sente por suas contribuições na formação de diversas empresas na área de óptica. “Quando alunos que formamos estão determinados a serem geradores de emprego, temos que ajudar com todas as forças.”

 

Trajetória

“Não devo, na Academia, mostrar apenas a minha ciência, mas as diversas contribuições brasileiras de uma forma geral” – Vanderlei Bagnato

“Não devo, na Academia, mostrar apenas a minha ciência, mas as diversas contribuições brasileiras de uma forma geral” – Vanderlei Bagnato

Bagnato nasceu na própria cidade de São Carlos em setembro de 1958. É casado com Silvia Mara, com quem está desde os 16 anos de idade, pai de dois filhos já adultos.

O interesse pelas ciências naturais acompanhou-o por toda a vida e nasceu, como ele mesmo fala, na escola da experiência. “Meu pai tinha uma oficina de galvanoplastia bastante rudimentar, de modo que passei a infância dentro de um laboratório rudimentar de química.”

O professor cursou sempre escolas públicas da cidade. “Sou parte daqueles brasileiros sortudos que estudaram e trabalham no mesmo local, convivendo com familiares e cruzando com amigos de infância a toda hora na rua.” Nunca demonstrou dificuldade nos estudos, e as matérias de maior interesse eram química fundamental, biologia, matemática e, evidentemente, física.

Graduou-se em Engenharia de Materiais na Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e em Física pela USP entre o final da década de 1970 e o começo da de 1980. Em 1983, já concluía o mestrado em Física também pela USP e partia para os Estados Unidos para fazer doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde trabalhou com o tema em que se tornou especialista: física atômica. “Na época, recebi críticas de colegas brasileiros, pois essa não era uma área muito popular por aqui. Investia-se mais em áreas aplicadas”, conta Bagnato. “Um grande erro. Ninguém investe em ciência básica porque é rico. Eles são ricos porque investem em ciência básica.” A física atômica, segundo o professor, é a base da tecnologia moderna. Quando ele voltou para o País encontrou uma área ainda virgem a ser explorada e foi pioneiro no tema.

Sobre o novo cargo no Vaticano, Bagnato diz não considerá-lo uma nova etapa na carreira, mas sim a simples continuidade de seu trabalho. Ele encara a oportunidade com ares de responsabilidade e como uma oportunidade de aprender. “Cada brasileiro que se mostra no exterior é um tipo de emissário da ciência brasileira. É o que nos torna internacionalizados”, explica, completando: “Como todos os membros, espero poder dar contribuições e melhorar meu senso de ciência de forma geral”.

Academia de Ciências do Vaticano

ReproduçãoA Academia de Ciências do Vaticano foi fundada em 1603 com o nome de Academia dos Linces pelo cientista italiano Frederico Cesi.
Conta, hoje, com 80 membros nomeados diretamente pelo papa sem nenhum tipo de discriminação. Um novo membro só é escolhido quando um morre.
Seu trabalho compreende seis grandes áreas: ciência fundamental, ciência e tecnologia de problemas globais, ciência para os problemas do mundo em desenvolvimento, política científica, bioética e epistemologia. O objetivo é promover a pesquisa e examinar questões científicas de interesse da Igreja.

Um comentário sobre “De São Carlos para o Vaticano”

  1. Laura Cãndida disse:

    Parabenizo o Prof. Vanderlei por uma vida dedicada à ciência e agora por essa nova fase, como integrande da Pontifícia Academia de Ciências. Tenho certeza que a ciência e a Igreja Católica ganharão muito com sua contribuição. Parabéns Prof. Dr. vanderlei!

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