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Justiça e gerontologia unidas em prol dos idosos

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Dificuldades de uma Brasil quase-leitor

 

Por Ana Luiza Tieghi

ReproduçãoIniciativa inédita permite que idosos que procuram a Defensoria Pública do Estado também recebam atendimento gerontológico

 

O Manual de Enfrentamento à Violência Contra a Pessoa Idosa, produzido em 2014 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), informa que todos os anos 600 mil pessoas cruzam a barreira dos 60 anos no Brasil. São novos idosos que irão se somar aos mais de 24 milhões já existentes no País. Eles são uma faixa da população que está em plena fase de crescimento: a previsão é que entre 1980 e 2025 a população idosa aumente 412%.

Essa é uma população que está exposta a diversas formas de violência, muitas vezes dentro da própria casa. Casos de violação dos direitos humanos dos idosos, como maus-tratos, negligência e abandono, infelizmente são comuns. O número para denúncia da SDH/PR registrou 77.059 queixas entre 2011 e o primeiro trimestre do ano passado. Cresce também o número de denúncias sobre abuso financeiro de pessoas idosas: foram 16.785 casos registrados só em 2013. A maior parcela das vítimas desse tipo de abuso são as senhoras, que representam 69% das vítimas.

Os idosos que sentirem que estão tendo seus direitos violados podem e devem procurar por ajuda legal. Para aqueles que não têm recursos para arcar com os custos de um advogado particular, existem as Defensorias Públicas. São instituições que possuem como função oferecer aos cidadãos necessitados orientação jurídica, promover os direitos humanos e defender os direitos individuais e coletivos, tudo gratuitamente.

É tão importante zelar pela população idosa que existe uma profissão dedicada apenas a estudar e trabalhar para promover o bem-estar daqueles que passaram dos 60 anos. São os gerontólogos, profissionais que estudam as dimensões biológica, social e psicológica do envelhecimento.

A professora do curso de Gerontologia e supervisora do estágio na Defensoria Pública, Bibiana Graeff, acredita que “o aluno sai com uma visão muito mais complexa” da experiência

A professora do curso de Gerontologia e supervisora do estágio na Defensoria Pública, Bibiana Graeff, acredita que “o aluno sai com uma visão muito mais complexa” da experiência

O campo de atuação é variado, indo desde hospitais até centros culturais e órgãos governamentais. A USP possui o curso de bacharelado nessa ciência, localizado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Parte fundamental da formação dos gerontólogos são os estágios supervisionados, que inserem os alunos no dia a dia da profissão que escolheram seguir. Os estágios se dividem em sociais ou de saúde, com trabalhos em casas de acolhimento de idosos e hospitais. Mas em 2014 uma nova possibilidade foi criada.

Acordo EACH-Defensoria

Fruto de um acordo entre a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a EACH, desde o dia 10 de outubro os alunos podem participar do estágio no atendimento da instituição. O gerontólogo é um profissional generalista, portanto, precisa ter noções de várias áreas do conhecimento que se apliquem às necessidades dos idosos, e o Direito é uma delas. “Ele não vai ser um especialista em questões jurídicas, mas precisa ter noções, porque a ideia é que o gerontólogo trabalhe em equipes multiprofissionais, que faça a integração entre as equipes e os serviços”, aponta Bibiana Graeff, professora e supervisora do estágio.

Renata Flores Tibyriçá, coordenadora do Núcleo Especializado de Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência da Defensoria, explica que os idosos buscam a instituição para solicitar medicamentos e tratamentos médicos que não conseguem obter pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de questões relacionadas à violência doméstica, exploração financeira por parte de familiares e problemas com inquilinos e imóveis.

“O olhar do gerontólogo contribui para que a gente possa pensar em uma solução para a questão do idoso de forma interdisciplinar”, conta Renata. Isso acontece porque as situações que levam os idosos a procurar a Defensoria Pública envolvem relações familiares e não podem ser analisadas apenas sob o ponto de vista jurídico. Assim, ter um profissional que se preocupe com o bem-estar do idoso de uma maneira geral enriquece o atendimento oferecido pela instituição.

Outra contribuição importante que os gerontólogos podem oferecer é o trabalho com gestão de informação, um dos focos da graduação oferecida pela USP Leste. A Defensoria Pública não tinha estatísticas sobre os atendimentos, e a coleta de dados sobre os atendimentos era realizada de forma esparsa. Ter esses dados poderia ajudar a melhorar o atendimento oferecido à sociedade, pois seria possível conhecer o perfil daqueles que procuram a Defensoria. “Precisamos ter essas informações organizadas para poder pensar no atendimento de forma mais particularizada”, explica a defensora.

As alunas Mayara Cebrian e Isabel Landim em apresentação dos resultados do estágio, no 3 º Seminário Anual dos Estágios da Gerontologia, na EACH

As alunas Mayara Cebrian e Isabel Landim em apresentação dos resultados do estágio, no 3 º Seminário Anual dos Estágios da Gerontologia, na EACH

Os alunos participantes do estágio em parceria com a Defensoria se concentraram nessa tarefa, aplicando formulários chamados de Page (Planos de Atenção Gerontológica) aos idosos que aguardavam atendimento. O formulário continha diversas perguntas sobre o que levou o idoso a estar na Defensoria, além de questões gerais sobre sua vida. A aplicação levava entre 40 minutos e uma hora, mesmo período médio de espera enfrentado por aqueles que procuram o aconselhamento dos defensores públicos.

Uma preocupação tanto da EACH quando da Defensoria foi deixar claro aos idosos que as perguntas feitas pelos alunos não eram o próprio atendimento jurídico, nem o substituía. Sempre que um idoso era abordado pelos alunos, eles explicavam o que estavam fazendo, como era o curso de Gerontologia e que os dados coletados no Page seriam utilizados para pesquisa.

O sentimento de acolhimento que a atenção dispensada pelos estudantes transmitiu aos idosos é muito importante até mesmo para facilitar a comunicação destes com os defensores públicos. “Se ele se sentir mais acolhido, vai acabar falando algumas coisas que talvez não falaria”, explica Renata. Em casos de violência, conquistar a empatia e confiança do idoso é ainda mais fundamental. Se ele não se sentir acolhido, pode pensar que na Defensoria não vão dar atenção para o seu problema e assim deixar de procurar orientação.

A aluna Isabel Landim conta que a terceira maior causa apontada nos Pages para a busca por atendimento da Defensoria são maus-tratos, cerca de 9% dos casos, número que impressionou os estudantes. “Nós consideramos 9% uma porcentagem muito elevada, porque a literatura aponta que esses casos não são ditos”, explica a professora Bibiana. Não era esperado que tantos idosos chegassem a relatar maus-tratos cometidos por familiares, muito menos logo no primeiro encontro com a Defensoria.

Outra situação inesperada revelada pelos alunos que participaram do estágio foi sobre a demanda dos idosos que buscam atendimento. A Defensoria acreditava que a maior parte da procura fosse por questões médicas, como os medicamentos não oferecidos pela rede pública. Porém, dos 35 casos analisados pelos estagiários da EACH, nenhum se referia a essa queixa. “De repente, nós estamos nos preparando para atender o idoso que viria por uma questão de saúde, mas ele está vindo por uma questão patrimonial, o que é totalmente diferente”, aponta Renata. A amostragem analisada pelos alunos é pequena, e não tem valor estatístico. Porém, é uma pista de que a situação pode ser diferente do que pensava a Defensoria.

A própria Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi beneficiada com a iniciativa, pois passou a conhecer melhor a demanda dos idosos e como lidar com suas necessidades

A própria Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi beneficiada com a iniciativa, pois passou a conhecer melhor a demanda dos idosos e como lidar com suas necessidades

Além dos questionários aplicados aos idosos, os alunos de Gerontologia também trabalham com o banco de dados da ouvidoria da instituição. Mais de 300 casos foram lidos. “Um recorte muito interessante foi perceber quais os casos em que o idoso se sente ofendido por um comentário durante o atendimento”, conta Bibiana. Saber o que faz com que o idoso se sinta ofendido durante o atendimento é importante para evitar que essas situações aconteçam novamente.

Em março um novo grupo de alunos deve voltar a integrar o time da Defensoria, e as atividades de pesquisa serão retomadas. Além de um folder com informações sobre o atendimento gerontológico, outra proposta da EACH é apoiar o Núcleo Especializado de Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência em datas-chave, eventos ou ações de conscientização. Um exemplo é o Dia Internacional de Enfrentamento à Violência Contra a Pessoa Idosa, comemorado em 15 de junho. “Nós podemos pensar juntos em uma maneira de levar essa informação até as pessoas que chegam à Defensoria, trabalhar com questões de conscientização voltadas não só para o idoso, mas para todas as idades”, explica a professora. Conscientizar os cidadãos de todas as faixas etárias sobre os direitos dos idosos é fundamental e também é um papel do gerontólogo.

Resultados para os alunos

Participar do estágio na Defensoria Pública do Estado foi uma experiência marcante para os alunos de Gerontologia da EACH. “Eu me senti muito pertencente ao lugar, foi brilhante”, afirma a estudante Thalita Ornella. A falta de competição com profissionais de saúde e de assistência social foi um ponto positivo destacado pelos alunos. “Na Defensoria o papel de cada profissional ficou bem dividido, não gerou uma competição entre a gente”, explica Mayara Stefanny, que também foi estagiária.

Por envolver diversas áreas, o trabalho realizado pelos estudantes na Defensoria permitiu um contato mais aprofundado com os problemas que atingem as pessoas dessa faixa etária. “O aluno sai com uma visão muito mais complexa de rede, não restrita somente à área da saúde ou do social, como era antes”, aponta Bibiana. O estudante Antonio Crisomar resume a impressão deixada nos alunos pela experiência: “Valeria mais seis meses”.

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