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O cérebro como fonte de estudo

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Dificuldades de uma Brasil quase-leitor

 

Por André Meirelles
Após receber o diploma Huésped Distinguido, um reconhecimento pelos seus estudos sobre epilepsia

Após receber o diploma Huésped Distinguido, um reconhecimento pelos seus estudos sobre epilepsia

O professor da FMRP Norberto Garcia-Cairasco recebe o título Huésped Distinguido, um reconhecimento pela sua dedicação aos estudos sobre epilepsia

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 50 milhões de pessoas no mundo com epilepsia. A doença é um transtorno neurológico que afeta pessoas de todas as idades e que pode levar o paciente a ter crises convulsivas. O professor de neurofisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) Norberto Garcia-Cairasco é um dos líderes em pesquisas sobre epilepsia. Recentemente recebeu o título Huésped Distinguido, um reconhecimento pelos avanços nos estudos sobre o distúrbio. O pesquisador resume o que sentiu quando o recebeu: “Senti muita emoção. Percebi o que a profissão de professor e pesquisador significa: ser humano antes de tudo”.

O prêmio foi entregue pela prefeitura da cidade de Salamanca, Espanha, em setembro de 2014 e coroou o trabalho que Garcia-Cairasco produz junto com a Universidade de Salamanca. No laboratório da FMRP, desenvolvem uma cepa de ratos denominados Wistar Audiogenic Rats (WAR) que responde com crises epilépticas quando exposta a um estímulo sonoro de alta intensidade.

Ao lado da vice-prefeita de Salamanca, Cristina Klimowitz, e da professora Dolores López, da Universidade de Salamanca

Ao lado da vice-prefeita de Salamanca, Cristina Klimowitz, e da professora Dolores López, da Universidade de Salamanca

“Desde 2001 até 2014, temos trabalhado intensamente em conjunto, particularmente comparando nossos animais da cepa WAR com outra cepa que os pesquisadores de Salamanca possuem: os GASH-Sal, cepa de hamsters que também apresenta esta síndrome”, diz Garcia-Cairasco. Depois de muitos anos de trabalho em parceria, as pesquisas dos dois grupos contribuíram para o conhecimento dos mecanismos básicos das epilepsias, na medida em que os dois modelos tratam de crises de origem genética.

O professor conquistou vários prêmios durante sua trajetória como acadêmico. Um dos mais importantes, em sua opinião, foi o segundo lugar no II Prêmio Iberoamericano de Epilepsia (1985), em que apresentou uma parte de sua tese de doutorado. Outro de grande destaque foi o de Neurociências-Epilepsia do 8º Congresso Mundial de Neurociência da Ibro (International Brain Research Organization). Já escreveu várias artigos para revistas especializadas na área, como a Neuroscience e a Epilepsy & Behavior.

 

Duplo cidadão

 

Garcia-Cairasco nasceu em Cali, localizada no Vale do Rio Cauca, na Colômbia. Morou no morro do Siloé, um bairro da cidade, e estudou na escola San Juan Bosco dos Salesianos, da qual tem boas lembranças: “Lembro dos estudos primários, da entrega mensal de boletins aos domingos, em alguns deles com prova oral e competição pública de matemática na presença de pais e mestres”.

Perto dos 12 anos de idade, mudou-se para La Ceja, um vilarejo localizado a noroeste do país. Frequentou durante cinco anos o colégio Seminário dos Salesianos. Além das matérias convencionais de ensino médio, estudou latim, francês e inglês. Segundo Garcia-Cairasco, foi lá que aprendeu a estudar com muita disciplina: “Olhando hoje, vejo o quanto nossa vida acadêmica da Universidade, da docência e da pesquisa, se ela é regrada e disciplinada, se assemelha em enormes proporções àquela do Seminário. Posso dizer que esses foram cinco anos tremendamente ricos e felizes de minha vida”. Ainda completa: “Obviamente eles influenciaram fortemente meu caráter e ajudaram a forjar minha personalidade”.

Conversando com o professor Steven C. Schachter da Universidade Harvard, em 2013

Conversando com o professor Steven C. Schachter da Universidade Harvard, em 2013

Em 1971, iniciou em Cali o curso de Biologia na Divisão de Ciências da Universidade del Valle. O ambiente da graduação foi muito estimulante: “Fomos aos poucos descobrindo as maravilhas da vida, muitas vezes em disciplinas excepcionais, outras vezes em saídas de campo, sobretudo em Ecologia e Botânica Sistemática, sem deixar de ter quentíssimas discussões de cunho político nas assembleias estudantis”.

Logo após se formar, foi contratado como professor auxiliar de Biologia e Genética no Departamento de Biologia da Divisão de Ciências da Universidade  Industrial de Santander (UIS). Aos 23 anos, era tão jovem quanto a grande maioria de seus alunos. Ministrou aulas de biologia e genética para alunos de Medicina, Biologia, Fonoaudiologia, Bacteriologia, Fisioterapia. Aos 27 anos, passou em primeiro lugar no concurso público para professor na Faculdade de Medicina da mesma universidade. Em 1980, Garcia-Cairasco foi aceito para iniciar seus estudos de pós-graduação no Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Chegou ao Brasil sem falar uma palavra em português. Contudo, o aprendizado da língua se tornou um exercício desafiador. O professor Miguel Rolando Covian, fundador do Departamento de Fisiologia da FMRP, sempre foi sua maior referência pelas qualidades humanas e científicas. “Através dele tive acesso, seja por conhecimento pessoal, comentários ou referências da literatura especializada, a ilustres nomes das neurociências contemporâneas”, diz. Escolheu a área de Neurofisiologia e seguiu seus estudos sobre sistema nervoso e o entendimento de funções e disfunções cerebrais, dentre estas o estudo do comportamento associado a quadros compulsivos e de epilepsia. Seu orientador foi o professor Renato Marcos Endrizzi Sabbatini.

Sua linha de pesquisa na pós-graduação foi sempre pautada por abordagens biológicas, evolutivas e etológicas. Em seu mestrado, preocupou-se em construir um dicionário em que listava todos os comportamentos emitidos pelos animais antes, durante ou depois de crises epiléticas. “Meu projeto evoluiu, então, dessa visão puramente etológica para uma mais agressiva, invasiva, onde eram necessárias outras ferramentas para indagar sobre as relações causais do comportamento. Essa visão é neuroetológica”, afirma. Todos os estudos comparativos entre animais normais do Biotério Central que respondiam ou não aos estímulos acústicos renderam os primeiros resultados inéditos sobre a caracterização da suscetibilidade audiogênica numa fração pequena de ratos Wistar. Um  ano depois, durante o doutorado, sairia sua primeira publicação dos estudos no Brazilian Journal of Medical and Biological Research.

Garcia-Cairasco com palestrantes internacionais do Simpósio Internacional NEWroscience, em 2013

Garcia-Cairasco com palestrantes internacionais do Simpósio Internacional NEWroscience, em 2013

Em 1984, obteve o título de Doutor em Ciências, Área de Concentração Fisiologia (Neurofisiologia). No doutorado, aprofundou seus estudos nos mecanismos neurais do comportamento epiléptico audiogênico, adotando tanto os métodos de análise sequencial quantitativa assim como avaliações eletrofisiológicas da via auditiva utilizando a técnica de potenciais evocados acústicos do tronco cerebral.  Desde novembro de 2013, Garcia-Cairasco é professor titular do Departamento de Fisiologia da FMRP.

Um cérebro a serviço da sociedade

 

Atualmente, sua maior atividade se concentra em pesquisa, que inclui elaboração de projetos, geração de colaborações, orientação de iniciação científica, mestrado, doutorado e supervisão de pós-doutorado. Desempenha algumas atividades administrativas, como coordenador do Programa de Pós-Graduação de Fisiologia da FMRP, o mais antigo e pioneiro na formação de outras escolas no Brasil.

Um dos mais recentes estudos do qual Garcia-Cairasco participou foi o da descoberta da caramboxina, uma toxina presente na carambola que deixa de ser filtrada pelos rins. O trabalho de isolamento da toxina não foi fácil e exigiu a união de esforços de uma equipe multidisciplinar, com nefrologistas clínicos, neurocientistas básicos e químicos. A pesquisa concluiu que, quando ingerida por pessoas com insuficiência renal, a caramboxina pode induzir crises de soluço, confusão mental, convulsões prolongadas e até a morte. “[O trabalho conjunto] ilustra muito bem a importância dessas interações para a ciência, a USP e o País”, diz. O estudo teve apoio da FMRP e grande investimento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Garcia-Cairasco participa de várias atividades, além das convencionais acadêmicas. Coordena, por exemplo, a convite do Instituto de Estudos Avançados (IEA), o grupo de estudos Reflexões em Neurociência Contemporânea, que já organizou diversas atividades na fronteira do conhecimento. Faz parte da comissão organizadora da Semana Nacional do Cérebro (SNC), com o suporte da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento (SBNeC). As atividades da Semana transcendem os cenários típicos universitários e se estendem aos espaços da sociedade. No ano passado, por exemplo, ocorreu em Ribeirão Preto a terceira edição do evento S.O.S: O Cérebro na Praça, que pretendeu mostrar conceitos neurocientíficos desconhecidos do público.

Durante a III Semana Nacional do Cérebro, no evento S.O.S: O Cérebro na Praça, realizado em Ribeirão Preto em 2014

Durante a III Semana Nacional do Cérebro, no evento S.O.S: O Cérebro na Praça, realizado em Ribeirão Preto em 2014

Somando todas essas atividades, o tempo que sobra para o lazer e as atividades familiares é bem curto, mas tenta aproveitá-lo ao máximo. Um de seus maiores hobbies atuais é a dança: “Gosto muito de dançar e durante mais de 16 anos, junto com minha esposa, Cássia Maria, fundamos, coordenamos e demos aulas de salsa, mambo, merengue e cúmbia na Oficina de Danças Caribenhas”. Também não esconde seu gosto por gatos. A convivência começou há quase 20 anos com a matriarca Mama Lola e hoje possui três em casa.

Após tantos anos dentro da Universidade, o sentimento que prevalece é que ela é sua casa. Apesar de ter se formado e iniciado sua carreira como professor na Colômbia, foi na FMRP que se formou como pesquisador e solidificou sua estrutura e personalidade de docente universitário. “Me sinto profundamente ligado à faculdade nestes 34 anos de presença aqui e, luto, junto com muita gente, para que as qualidades e sonhos que nortearam a sua criação perdurem e sejam melhorados pelas novas gerações”, diz.

Amante das artes, Garcia-Cairasco acredita que sua carreira representa a possibilidade de comunicar aquilo que aprendeu ao longo de seus anos na USP, permeados pelas experiências adquiridas pela profissão. Como costuma dizer aos seus alunos, está apenas devolvendo à sociedade aquilo que ela investiu nele e termina: “Peço aos meus alunos que considerem como seu melhor aliado o tempo, porque é através dele que medimos progresso, qualidade, respeito, confiabilidade, realização de sonhos e execução de tarefas importantes na ciência e na vida”.

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