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Reforma política é possível?

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Reforma política é possível?

 

capaLíderes y el poderDe acordo com docentes, modificações no Código Eleitoral dependem de pressão da sociedade civil

Por Aldrin Jonathan

As eleições de outubro se aproximam e já convivemos com os tradicionais debates políticos. Por um lado, diminui o número de pessoas interessadas em eleger seus candidatos, bem como a satisfação nos partidos políticos. Por outro lado, aumenta a pressão da sociedade civil por uma reforma política. Como reflexo, é esperado para este mês que mais de 400 organizações saiam às ruas para alertar e consultar a população sobre a importância da reforma. Contudo, o tema ainda não tem encaminhamento na agenda de discussão do Congresso ou do Senado.

Na primeira semana de setembro é prevista a Semana Nacional de Luta pela Reforma Política, que ocorrerá por todo o País. Duas ações populares devem ser apresentadas à população: a primeira é o projeto de lei da coalizão pela Reforma Política e Eleições Limpas. Oriunda do mesmo grupo que propôs o projeto Ficha Limpa, em 2010, a proposta apresenta alterações no sistema político e eleitoral brasileiro.

reforma política

Semana de Luta pela Reforma Política chama a atenção da sociedade civil para a importância da renovação do Código Eleitoral

As principais reivindicações são o fim do poder econômico nas candidaturas e financiamento democrático, eleições proporcionais, paridade de gênero nas candidaturas e fortalecimento dos mecanismos de participação popular direta. Por outro lado, organizações sociais pretendem recolher votos para a instauração de uma Assembleia Constituinte para implantar a reforma. A meta é recolher 10 milhões de votos em cédula.

Um conjunto de propostas de emendas constitucionais ou alterações no Código Eleitoral, a fim de equacionar a participação do eleitor e criar maior correspondência entre a vontade da sociedade civil e o resultado das eleições, este é o princípio da reforma política. A primeira proposta implementada data do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, contudo, sai candidatura, entra candidatura e uma discussão ampla sobre o assunto não ocorre.

Entraves
De acordo com o professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) José Álvaro Moisés, a principal barreira à reforma é o (não) interesse dos parlamentares.  “Não é do seu interesse reformar as partes que vão atingir as suas prerrogativas”, entende.  Nesse sentido, é importante que a sociedade civil banque a pauta, principalmente nesse período de eleições, como é o caso da Semana Nacional de Luta pela Reforma Política. “É por meio da pressão da sociedade civil e principalmente da pressão dos cidadãos e dos partidos políticos que temos a oportunidade de uma reforma política”, acredita.

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Rubens Beçak vê no que se convencionou chamar de “vontade política” a razão pelo adiamento do debate – André Susek/ Estadão

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Para Beçak, passamos pela crise da democracia representativa em si/ Divulgação USP

Do mesmo modo, o docente da Faculdade de Direito e doutor em Direito Constitucional Rubens Beçak vê no que se convencionou chamar de “vontade política” a razão pelo adiamento do debate. “Reequacionar a democracia representativa muitas vezes provoca o redimensionamento de um locus de interesse do qual os representantes não querem abrir mão.” Isso porque “implica discutir financiamento de campanhas políticas, significa discutir voto proporcional, significa discutir voto em lista e, por isso, legislatura após legislatura, o debate vai sendo arquivado”, acrescenta.

Crise de representatividade
Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Ibope, de julho deste ano, 26% da população não tem interesse nas eleições de outubro. De acordo com os dados, a maior parte dos jovens e das pessoas com 45 a 54 anos não está interessada na eleição. Para Beçak, isso é um reflexo do grande problema político que estamos enfrentando: a “deficiência da democracia representativa em si”. “O povo não se sente mais representado”, aponta. Para ele a democracia precisa se reinventar e somar outros elementos que proporcionem o envolvimento de maiores parcelas da sociedade em debates deliberativos e decisórios. “Nós precisamos aumentar o espectro das pessoas que participam”, ressalta.

partidos políticos

“Os partidos estão cada vez mais distantes do interesse da população”, afirma Moisés – arte/Uol

Na mesma linha, pesquisa do Datafolha, também do mês de julho, reafirma a insatisfação popular com o modelo de representação. Os dados apontam os partidos políticos e o Congresso Nacional como as instituições menos confiáveis para a sociedade brasileira. “Os partidos estão cada vez mais distantes do interesse da população”, afirma Moisés. O docente explica que a partir do período de democratização, ocorrido nos anos 80, houve uma progressiva tendência de afastamento dos partidos dos eleitores, por um lado; por outro, uma espécie de migração daqueles para o centro. Dessa forma, tanto partidos ditos de esquerda como de direita se conduziram ao centro, o que promoveu uma equalização dos programas e mensagens partidárias. Tal migração causou a aproximação das propostas partidárias, o que ocasionou confusão no eleitorado, que já não enxerga propostas alternativas para as suas reivindicações.

Marcos Santos-USP Imagens

Para Moisés, os partidos políticos se distanciaram da sociedade civil/ Marcos Santos – USP

De acordo com Moisés, o Brasil apresenta uma cultura política de pouca capacidade de mobilização. Em países europeus e nos EUA, a pressão dos eleitores sobre os partidos e o governo é muito maior. “Os partidos políticos no Brasil se distanciaram muito da sociedade civil, estão cada vez mais preocupados exclusivamente em alcançar o poder e mantê-lo. Cabe à sociedade civil e aos eleitores reverter essa tendência e de alguma maneira condicionar os interesses dos partidos às suas exigências, e para que isso ocorra é preciso mais participação popular”, ressalta.

Essa pressão poderia ocorrer tanto em forma de manifestações, como as de junho de 2013 contra o aumento das passagens, encabeçadas pelo Movimento Passe Livre, como também por meio da comunicação direta dos eleitores com seus representantes e partidos.Segundo o docente, há dois caminhos para superar culturas políticas que têm como característica a passividade ou a inatividade dos cidadãos. O primeiro caminho é a educação. O País apresenta um déficit educacional grave, por não formar jovens cidadãos conhecedores de seus direitos e capazes de formular alternativas para o futuro. O segundo é o exemplo de lideranças, aqueles que expressam por meio da sua vida e atuação comprometimento com o serviço público.

Sandra Codo-Divulgação USP

Renato Janine não vê reforma política como prioritária no país – Sandra Codo – USP

Embora muitos encarem a reforma política como necessária ao País, como Moisés e Beçak, outros se mostram mais céticos em relação a ela. Para o docente de Filosofia Política da FFLCH Renato Janine, a reforma do sistema político “não é a melhor coisa a ser feita”. “Nós temos outras prioridades além disso. A grande prioridade é o que as manifestações do ano passado mostraram: a questão principal hoje é ter serviço público de qualidade: saúde, educação, transporte e segurança. Isso é prioridade”, enxerga. Janine não se mostra contrário à reforma, mas duvida de sua concretização. O docente cita a dificuldade de se estabelecer consenso em relação ao tema. “Como a reforma política não tem consenso, são várias pessoas de partidos diferentes que defendem propostas diferentes; as chances de não sair nada é muito grande”, completa.

Com a dificuldade de existência de um debate do sistema político proposto pelo Legislativo, é importante que a sociedade civil reclame suas reivindicações. Não enxergando uma reforma tão imediata, Beçak acredita na importância de forçar essa discussão na pauta brasileira. “A discussão nunca é um problema, é uma solução, é sempre algo bom e que acrescenta”, explica. No entanto, avalia o Brasil como conservador culturalmente: “A grande maioria das pessoas no nosso país acha que uma discussão de qualquer coisa é um retrocesso”. Para ele, além dos sistemas políticos, é essencial que se discuta a forma da democracia em si, da forma como está posta, uma vez que é imprescindível debater as formas de representação na sociedade brasileira.

O tão citado caso das manifestações de junho, atrelado ao hit “o gigante acordou”, ainda se mostra como um parêntese na atual forma de reivindicação e mobilização da sociedade brasileira. No entanto, é um bom exemplo em que a sociedade civil pode se debruçar. De fato, a insatisfação popular está posta, falta a sociedade também assumir responsabilidade por uma mudança.

 

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