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São Paulo, a terra da seca

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São Paulo, a terra da seca

 

Por Ana Luiza Tieghi
Tércio Ambrizzi, professor do Departamento de Meteorologia do IAG, afirma que não deveremos ter chuvas acima da média na primavera e verão, o que pode agravar a crise hídrica no Estado

Tércio Ambrizzi, professor do Departamento de Meteorologia do IAG, afirma que não deveremos ter chuvas acima da média na primavera e verão, o que pode agravar a crise hídrica no Estado

A estiagem que atingiu com força o Estado neste ano secou reservatórios e trouxe uma enxurrada de dúvidas sobre o futuro

 

Chão de terra craquelada sob um céu quase sem nuvens. Uma ou outra poça é distinguível ao fundo do cenário, assim como a vegetação rasteira que prolifera pelo terreno seco. Essa é uma imagem que apareceu inúmeras vezes no noticiário em 2014. Fenômeno climático, aumento da população, uso excessivo, má administração, azar. Foram muitas as explicações dadas à estiagem que atinge boa parte do País e que afetou o Estado de São Paulo com especial gravidade, mas, afinal, por que os reservatórios estão secando?

“Havia, sim, uma previsão de chuvas abaixo do normal para essa região”, afirma o professor do Departamento de Meteorologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) Tércio Ambrizzi, sobre a região onde estão os reservatórios do sistema Cantareira, o mais atingido pela seca. Ambrizzi explica que, embora a diminuição do volume pluviométrico estivesse prevista, com as tecnologias atuais ainda não é possível saber com qual intensidade isso viria a ocorrer. “O que efetivamente ocorreu foi acima do que todos esperavam. Houve a tendência de seca, mas foi muito mais seco do que se previa”, conta.

Em termos meteorológicos, o que motivou a diminuição no volume de chuvas foi um padrão de alta tensão sobre a região, que durante o verão impossibilitou a entrada de frentes frias, fundamentais para gerar a chamada zona de convergência do Atlântico Sul, uma banda de nebulosidade que vem da Amazônia até o Sudeste trazendo umidade.  “Quando vem a frente fria, a umidade se intensifica e chove, é a chuva de verão. E isso não se formou durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro”, explica o professor.

Com um verão seco, os reservatórios não conseguiram recuperar seu volume e só continuaram a perder água ao longo de 2014, até chegar à situação crítica em que estão hoje. “Eu diria que nós temos um problema aí. Porque se só chover de forma normal no verão, não conseguiremos repor o que nós já perdemos. Veja que nós estamos no negativo”, afirma Ambrizzi, se referindo à utilização do volume morto (ou reserva técnica) do sistema Cantareira, os 400 milhões de metros cúbicos de água que estavam abaixo do nível de captação das bombas. “É quase como se você estivesse com o cheque especial negativo e esperando que entre o seu salário. Quando o dinheiro entra, ele primeiro compensa o negativo para depois sair do zero”, compara. “Se não chover acima da média, você não vai conseguir recuperar os níveis necessários para ter segurança durante os períodos de estiagem do ano que vem”, conta, adicionando que as previsões não indicam que teremos uma primavera e verão excepcionalmente chuvosos.

Além da falta de chuva

Para a professora do Instituto de Geociências Alexandra Suhogussoff, não há motivos para temer a qualidade da água retirada do volume morto do Cantareira

Para a professora do Instituto de Geociências Alexandra Suhogussoff, não há motivos para temer a qualidade da água retirada do volume morto do Cantareira

A qualidade da água retirada do fundo dos reservatórios do Cantareira despertou a preocupação de milhões de paulistas que são abastecidos pelo sistema.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) fornece na conta de água de seus usuários apenas o número de amostras analisadas para cinco parâmetros de qualidade. Alexandra Suhogussoff, professora do Instituto de Geociências que trabalha com hidrogeologia, afirma que seria importante que os resultados dessas análises também fossem disponibilizados aos consumidores, que assim poderiam saber qual a qualidade da água pela qual estão pagando. “Em agosto, a entidade Proteste Associação de Consumidores não verificou contaminação na água distribuída pela Sabesp. Mas as amostras foram analisadas em um número restrito de residências e no início do mês de julho, quando apenas se começava a bombear o volume morto do sistema Cantareira”, conta.

Alexandra, porém, não acredita que haja motivos para preocupação. “Não creio na possibilidade de que a Sabesp, uma das maiores companhias de saneamento do mundo, seria descuidada em fornecer água com qualidade comprometida”, afirma. “Quando o volume morto é bombeado, são remobilizadas partículas sólidas com presença de metais, que podem trazer prejuízo à saúde”, conta. “Todavia, essas águas bombeadas do volume morto são misturadas às águas de outros reservatórios, onde é possível que o material antes em suspensão possa decantar”, pondera. Esse processo, somado ao próprio sistema de tratamento da companhia, possibilitaria que a água esteja de acordo com os padrões de potabilidade atuais. “Ainda mais porque existe uma forte pressão pública sobre a Sabesp”, afirma a professora.

“Os sistemas de abastecimento de água são projetados e construídos para aguentar as variações de precipitação que ocorrem ao longo do tempo”, informa o professor aposentado de Engenharia Hidráulica da Escola Politécnica (Poli) Julio Cerqueira Cesar. Porém, segundo ele, o Cantareira não possui mais essa qualidade. O principal problema seria a falta de investimentos no sistema, que permaneceu com a mesma capacidade desde que foi construído, ainda nas décadas de 70 e 80, enquanto a população atendida por ele aumentou exponencialmente. “A população da Grande São Paulo, que era de 12 milhões de habitantes, passou para 22 milhões. Entraram 10 milhões de pessoas a mais, com os mesmos mananciais”, afirma.

Maior sistema administrado pela Sabesp, abastecendo 8,8 milhões de pessoas, o Cantareira começou outubro com apenas 7% de sua capacidade

Maior sistema administrado pela Sabesp, abastecendo 8,8 milhões de pessoas, o Cantareira começou outubro com apenas 7% de sua capacidade

Por causa do aumento da população, parte da água armazenada pelo sistema, que deveria permanecer nas represas para ser utilizada em situações de seca como a atual, passou a ser utilizada normalmente para o abastecimento, deixando o sistema sem grandes reservas.

A perda de água entre sua captação nos reservatórios e o destino final também é apontada pelo professor da Poli como uma das causas da crise hídrica. Em agosto deste ano, o Instituto Trata Brasil divulgou uma pesquisa feita com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Segundo ela, em 2012 a cidade de São Paulo perdeu 36,3% da água tratada pela companhia. A CPI da Sabesp, instaurada pela Câmara Municipal de São Paulo para investigar o contrato da empresa com a prefeitura paulistana, vai questionar a companhia sobre seu método de calcular as perdas de água. Segundo a própria Sabesp, as perdas físicas (vazamentos) estão hoje em 19,8%, com outros 11% de perdas causadas por “gatos”.

Enquanto isso, represas próximas à cidade de São Paulo, como a Billings e a Guarapiranga, sofrem com a ocupação de suas margens e a poluição das águas. O Plano Diretor Estratégico (PED) da prefeitura tenta resolver essa situação ao estabelecer a zona rural em grande parte das duas bacias, “o que impede o parcelamento do solo para uso urbano”, afirma Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e atual vereador da cidade. Bonduki conta que o PED também incentiva atividades sustentáveis nos entornos dos mananciais, como a agricultura orgânica e o ecoturismo, além de criar o Pagamento por Serviços Ambientais, que remunera a existência de florestas e nascentes em áreas particulares, e parques para preservar remanescentes da vegetação florestal nas bacias.

“Temos que tentar criar uma dependência menor da água, de alguma forma”, afirma Ambrizzi, que acredita que a crise da falta de água continuará em 2015

“Temos que tentar criar uma dependência menor da água, de alguma forma”, afirma Ambrizzi, que acredita que a crise da falta de água continuará em 2015

“O PDE visa a conservar a capacidade de produção de água das bacias Billings, Guarapiranga e Capivari-Monos, responsáveis pelo abastecimento de cerca de 20% dos paulistanos”, explica o professor, embora deixe claro que não há nada que a prefeitura possa fazer sobre os sistemas Cantareira e Alto Tietê, que estão fora do território municipal.

O que esperar de 2015

O professor do IAG Tércio Ambrizzi conta que setembro terminou com chuvas abaixo da média, e que o início da estação chuvosa, que geralmente ocorre por volta da segunda semana de outubro, pode atrasar. “O solo já está tão seco que as primeiras chuvas não devem encharcá-lo, e isso é muito importante para que a água comece a evaporar e gerar nuvens. Então é possível que a estação chuvosa atrase um pouco e aí em novembro se estabeleça”, explica.

“As chances de nós realmente passarmos por um rodízio muito forte, se não ainda este ano, que está sendo retardado por causa das eleições, mas no ano que vem, é muito grande”, alerta Ambrizzi. “A crise deste momento é apenas um aperitivo do que vem pela frente”, acredita Julio Cerqueira Cesar. Segundo o professor aposentado da Poli, a cidade vai entrar em uma espécie de colapso porque irá dispor de menos da metade da água que precisa. “Vai demorar no mínimo três anos para recuperar isso tudo.”

Controle de danos

A atual crise de falta de água, sejam quais forem as razões que a causaram, mostra que a sociedade precisa repensar sua relação com a água. “Tem uma palavra bonita que todos estão usando hoje: adaptação. Estamos passando por uma fase de vulnerabilidade. Nós temos que nos adaptar a isso, tentar criar uma dependência menor da água, de alguma forma”, afirma Ambrizzi. Economizar não só água, mas também energia e matérias-primas, por meio da reciclagem, são formas de proteger o meio ambiente e contribuir para que crises de falta de recursos aconteçam com menos frequência e intensidade. É a velha história da sustentabilidade.

O projeto Campus Sustentável, que tem entre suas ações o uso racional da água, pretende tornar a Cuaso símbolo de sustentabilidade em até 20 anos

O projeto Campus Sustentável, que tem entre suas ações o uso racional da água, pretende tornar a Cuaso símbolo de sustentabilidade em até 20 anos

A USP possui iniciativas nesse sentido. Ambrizzi, que também é vice-prefeito da Cuaso, conta que está envolvido no projeto Campus Sustentável, que inclui ações para fazer com que a Cidade Universitária se torne um ambiente sustentável, com programas de uso racional de água e energia, coleta seletiva, revitalização de áreas verdes e calçamentos e até a futura implantação de uma ciclovia no campus. “A USP tem que ser um exemplo, porque o campus da Cidade Universitária é uma cidade de médio porte, passam por aqui cerca de 80 mil pessoas por dia”, afirma. O professor do IAG também destaca o papel educativo na Universidade: “Se os nossos alunos puderem sair daqui com um viés de sustentabilidade, vão transmitir isso de uma forma mais intensa para a sociedade”.

Ele afirma, todavia, que os programas ainda estão em fase inicial ou funcionando de forma isolada, fato que deve mudar nos próximos anos. “Em quatro anos queremos ter os projetos em andamento. Em 12 anos começa-se a trabalhar na parte de remodelação dos prédios. E em 20 anos esperamos ser considerados uma universidade de classe mundial em termos de sustentabilidade”, planeja. O prazo de 20 anos não é à toa. Em 2034 a USP completa 100 anos, um momento simbólico para a instituição. E Ambrizzi é otimista: “Nós esperamos ser uma referência não só no Brasil, mas também na América Latina”.

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