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Um vírus ainda sem cura

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Por Aldrin Jonathan

 

Resistência à droga e ignorância são as principais causas de morte por Aids no Brasil, segundo Edecio Neto

Resistência à droga e ignorância são as principais causas de morte por Aids no Brasil, segundo Edecio Neto

Transmissão não está controlada: 33 mil pessoas se infectam com o HIV todo ano no País

Por Aldrin Jonathan

O Brasil já convive com a Aids por três décadas. Por ano, 33 mil novos casos de Aids são notificados. Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) revelaram que em 2012 existiam 35,2 milhões de pessoas convivendo com a doença em todo o mundo. Soma-se a isso a dificuldade em controlar a transmissão do HIV: apenas metade dos soropositivos sabe que é portador do vírus.

De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, aproximadamente 718 mil pessoas vivem com HIV/Aids no Brasil. Somente em 2012, foram declarados 11.896 óbitos por Aids. Para o infectologista Edecio Cunha Neto do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), a taxa de mortalidade devido à Aids ainda é alta no País por dois motivos: apenas metade dos soropositivos tem conhecimento da infecção, o que contribui para a transmissão do HIV. Além disso, o diagnóstico tardio da doença promove a multirresistência do vírus aos antirretrovirais, tornando a medicação praticamente inútil. “São essas as duas grandes razões: a ignorância e a resistência à droga”, conclui.

O diagnóstico tardio é uma das principais causas de morte por Aids.  Para o pesquisador Esper Kallás, da Faculdade de Medicina, é importante que se faça o teste regularmente. “Somente o conhecimento propiciado por debates e formas de inclusão proporcionarão um maior controle da doença e da transmissão”, considera. Pessoas infectadas podem conviver anos com o vírus antes que a doença propriamente dita se manifeste. Quanto mais cedo o diagnóstico, maiores são as possibilidades de tratamento.

Apenas no ano de 2012, foram notificados no Brasil 39.185 novos casos de Aids. No Município de São Paulo, prevalece a via sexual como forma de transmissão prioritária, sendo 93% para homens e 95,2% para mulheres. É o que comprova pesquisa de mestrado de Breno Souza de Aguiar, junto à Faculdade de Saúde Pública, que analisou os casos de Aids na cidade entre 2001 e 2010. Para a pesquisadora Susan Ribeiro, pesquisadora do Incor, o impacto ocasionado pelo antirretroviral no aumento da qualidade de vida dos soropositivos tem influência na prevenção da transmissão do vírus. “Estão negligenciando a questão de usar preservativo e se prevenir, e isso acaba permitindo a perpetuação da doença”, analisa.

“Estão negligenciando a questão de usar preservativo e se prevenir, isso acaba permitindo a perpetuação da doença”, analisa Susan Ribeiro

“Estão negligenciando a questão de usar preservativo e se prevenir, isso acaba permitindo a perpetuação da doença”, analisa Susan Ribeiro

Segundo a pesquisa de Aguiar, dos casos de Aids no Brasil desde 1981, 14% ocorreram só no Município de São Paulo, o que significa que de cada sete portadores da doença no País, um era paulistano. Homens brancos com alta escolaridade homossexuais/ bissexuais e mulheres negras heterossexuais com baixa escolaridade caracterizaram-se como populações com maior taxa de incidência de transmissão do vírus. O estudo também revelou que a pauperização está relacionada aos casos em mulheres, especialmente na região central da cidade.

A faixa etária em que a Aids mais incide é de 30 a 59 anos, desde a série histórica, com taxas apresentando relativa diminuição em ambos os sexos, excetuando a população masculina de 13 a 29 anos e a população em geral  com 60 ou mais, cujas taxas permanecem estáveis.   Para o professor Edecio Neto, do Incor, a estabilidade na incidência dos casos para maiores de 60 anos está diretamente ligada ao aumento da expectativa de vida da população e ao acesso a estimulantes sexuais. “Se atribui esse número ao aumento da atividade sexual da população de mais de 60 anos com o acesso a medicamentos como Viagra”, avalia.

Passados 32 anos desde o primeiro caso de Aids notificado no Brasil, ainda não há uma cura para a doença. Mas ela pode estar mais próxima. Pesquisadores em parceria com o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, Instituto Butantan e Faculdade de Medicina estão desenvolvendo vacina contra o HIV a partir da identificação de 18 fragmentos do vírus que podem desencadear resposta imune no corpo humano. A vacina já foi testada em animais e teve resultados promissores.

No entanto, ela não tem aplicação terapêutica, isto é, não é destinada a portadores do vírus. De acordo com a pesquisadora Susan Ribeiro, que coordenou os testes pré-clínicos em animais, a vacina está sendo projetada para aplicação em indivíduos saudáveis. “A princípio, ela está sendo desenhada para ser uma vacina profilática, ou seja, para ser utilizada em

Pesquisador Breno de Aguiar apresenta análise espacial dos casos de Aids no município de São Paulo

Pesquisador Breno de Aguiar apresenta análise espacial dos casos de Aids no município de São Paulo

indivíduos saudáveis, que não são infectados pelo HIV”, explica.

O esperado é que ela induza uma resposta imune que controle a carga viral, de maneira a preservar o sistema imunológico do indivíduo, evitando que o quadro de infecção progrida para a Aids propriamente dita e, ao mesmo tempo, que dificulte a transmissão do vírus para outras pessoas. Caso um indivíduo saudável vacinado seja infectado com o vírus, os pesquisadores acreditam que seu sistema imune não será tão danificado quanto aquele que não a tomou.

A maioria das vacinas do mercado tenta estimular anticorpos neutralizantes, mas nenhuma delas obteve resposta satisfatória e uma questão relacionada a isso é a variabilidade absurda que o vírus HIV possui. A ideia dos pesquisadores ligados à USP é estimular respostas imunes de células específicas capazes de combater as infectadas. “A vacina vai atuar lesando as células infectadas ou bloqueando a infecção”, avalia Susan.

Diferentemente da vacina que está sendo desenvolvida, o antirretroviral, popularizado como coquetel, não consegue destruir as células infectadas com o vírus. Ele atua em várias partes do ciclo viral, bloqueando a transcrição do RNA ou a entrada do vírus na célula, por exemplo. Introduzidos na década de 90 no Brasil, os antirretrovirais aumentaram de forma considerável a expectativa de vida da população soropositiva.

 

Em 1996, quando o Brasil instituiu lei que estabelecia oferta universal de antirretrovirais a portadores do HIV, o Município de São Paulo teve o maior pico de epidemia de Aids, chegando a 67 casos por 100 mil habitantes, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde. Desde então, houve diminuição de 53% de incidência da doença, chegando a 21,3 casos por 100 mil habitantes, em 2010.

Embora os medicamentos inibidores do vírus HIV tenham amenizado os problemas relacionados à infecção crônica da doença, a medicação pesada ligada ao uso do coquetel causa efeitos colaterais fortes tanto metabólicos, quanto de alteração da gordura facial, da gordura corporal e problemas cardiovasculares, é o que afirma o pesquisador Edecio Neto.

“Existem muita gente que não está mais morrendo por conta das infecções oportunistas do HIV, porque está tomando antirretroviral, mas está morrendo por doença cardiovascular, pois o próprio HIV, acelerado por conta dos remédios antirretrovirais, impulsiona a doença cardíaca”, explica. Para o pesquisador Esper Kallás, da Faculdade de Medicina, alguns poucos remédios antirretrovirais podem aumentar o índice de colesterol e triglicéride, sendo preciso exames clínicos laboratoriais frequentes para diagnosticar tais problemas.

Além de enfrentar barreiras relacionadas à saúde, portadores do HIV são vistos com maus olhos pela população brasileira. Para o pesquisador Edecio Neto, ainda há preconceito por parte da nossa sociedade em relação aos soropositivos, mesmo após três décadas da doença. “Os pacientes com HIV sofrem preconceito porque detém o estigma da promiscuidade, do comportamento associado ao risco que o levou ao contágio. Isso é uma coisa que existe e vai continuar existindo”, completa.

A associação da Aids com a promiscuidade  contribui para o número de pessoas infectadas que desconhecem sua sorologia, visto que nunca passaram por teste de diagnóstico. Vale ressaltar que apenas metade das pessoas que vivem com HIV sabe que é soropositiva.  Portadores do vírus possuem vida normal e estão inseridos na sociedade, no entanto ainda estamos longe de ter doença e transmissão controladas.

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