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O preconceito em números

Em estudo pioneiro no campo da diversidade da educação, pesquisa aponta os elevados índices de discriminação no ambiente escolar

Por Maria Clara Matos

Tentar esconder atitudes e comportamentos preconceituosos com discursos politicamente corretos faz parte da rotina de diversas pessoas, o que não torna a ação menos condenável. Com o objetivo de não mascarar, mas enfrentar os preconceitos com políticas públicas incisivas, a pesquisa realizada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), ligada ao MEC,executada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), revela os índices de preconceito no ambiente escolar e aponta que 99,3% dos funcionários, professores e alunos apresentam algum tipo de preconceito.

O estudo foi desenvolvido em 501 escolas públicas de todo o país e baseou-se em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários. Segundo o coordenador do trabalho, José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, os dados são de extrema importância já que servirão de base para aprofundar a reflexão sobre os temas relacionados ao preconceito e à discriminação, bem como auxiliar nas políticas educacionais do MEC.

De acordo com o estudo, realizado a pedido do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), as atitudes preconceituosas relacionadas aos portadores de deficiências especiais são as mais frequentes, citadas por 96,5% dos entrevistados, enquanto 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5%, de gênero, 91%, de geração, 87,5%, socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. Diante da alta porcentagem revelada a todos os tipos de preconceitos avaliados, Mazzon esclarece: “Não existe ninguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação à outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O fato de todo indivíduo ser preconceituoso é generalizado e preocupante”.

Apesar das dificuldades de se dimensionar a intensidade de preconceito, a análise não deixou de lado esse quesito. O questionário apresentado aos participantes trouxe uma escala de comportamentos e da análise desses resultados se pode retirar algumas conclusões. A intensidade da atitude preconceituosa é maior em três casos. Chega a 38,2% quando se trata do preconceito em relação ao gênero, partindo do homem com relação à mulher; 37,9% tem preconceito perante os idosos e 32,4% quando se trata de portadores de necessidades especiais.

José Afonso Mazzon

José Afonso Mazzon

Francisco Albuquerque, professor de Psicologia Social da UNB, destaca o caráter inovador da avaliação que é alicerçada em dados obtidos de estudos pautados por enfoques científicos: “Deixa-se de lado o achismo que tem prevalecido em muitas ações governamentais para entrar em um novo modelo de ações pautado por estudos prévios que seguramente permitirão maior eficácia das políticas traçadas”.

Outro ponto que o estudo engloba é a questão da distância que cada indivíduo deseja manter de determinados grupos sociais. Maria das Graças Rua, professora da Universidade de Brasília (UNB), especialista em políticas públicas e gestão governamental, explica que as medidas de distância social são uma maneira de cada um avaliar na prática o seu preconceito e exemplifica: “Alguém pode ser um defensor do tratamento igual para negros, mas, no momento em que pensa na possibilidade concreta de ter um negro como companheiro/a do seu filho/a pode achar que não é o que considera desejável. Ou seja, as medidas de distância social permitem que cada um diga o seu real limite de tolerância à diversidade”.

Segundo os dados obtidos, 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum grupo social. Sendo que 98,9% deles citaram que os deficientes mentais são do grupo o qual mais se quer distância, seguidos pelos homossexuais (98,9%), ciganos (97,3%), deficientes físicos (96,2%), índios (95,3%), pobres (94,9%), moradores da periferia ou de favelas (94,6%), moradores da área rural (91,1%) e negros (90,9%).

Daniel Chimenez, diretor de Estudos e Acompanhamentos da Secad do MEC, revela que todos os resultados serão analisados detalhadamente tendo em vista a preocupação de melhorar o ambiente escolar e de ampliar ações de respeito à diversidade. Nesse âmbito estaria inclusa a atenção não só aos alunos, mas à comunidade e à família a que cada um deles pertence. Mazzon cita que 83,8% do preconceito escolar pode ser explicado por características dos alunos, observando que a questão é intramuros, vem de fora para dentro da escola: “O preconceito não é apenas questão para uma política educacional, mas para uma política do estado”.

Roberto Silva

Roberto Silva

“O que ainda está no âmbito das competências da família fazer é proporcionar um ambiente protegido no qual as relações sejam pautadas pelo respeito, atenção, amor, carinho e, principalmente, coerência entre o que se faz e o que se cobra da criança”, afirma Roberto Silva, professor do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da USP. O especialista avalia que por mais que a família tenha cada vez menos poder institucionalizador sobre seus próprios filhos, isso não quer dizer que ela tenha perdido completamente a atribuição e a capacidade de forjar a estrutura mental necessária tanto ao desenvolvimento cognitivo quanto ao comportamento social da criança.

Saiba como o preconceito pode influenciar no desenvolvimento dos alunos em Bullying e desempenho escolar .

6 comentários sobre “O preconceito em números”

  1. Silvia disse:

    Meus caros, boa noite!

    O mundo está carente de amor e cada vez menos ouvimos se falar de amor. Há orgulho e competitividade entre colegas de trabalho, os quais estão cada vez mais individualistas e solitários. Sem união não há força. Esse é o real cenário das faculdades, escolas e lares em geral. Lamentavelmente não temos expectativas quanto ao término dos preconceitos, pelo fato das pessoas terem medo, insegurança e até vergonha de expressar o sentimento mais sublime e cada vez mais está extinto entre os seres humanos… A M O R

  2. neusa disse:

    Essa pesquisa sobre o preconceito é muito interessante, tentei encontrá-la na íntegra, mas não consegui. Alguém poderia informar-me se em relação a homossexualidade a pesquisa separou a masculina da feminina? quais os índices? Muito obrigada

  3. Eu enviei um comentário, foi retirado? Que tipo de mídia ém essa?

  4. Tá bom…já entendi tudo!!!

  5. Johnny Notariano

    Diferenças existem em todas as esferas administrativas nas relações de trabalho e é justamente essa diferença que causa os mais atormentados conflitos interpessoais dentro de uma instituição privada ou pública. Conviver com as diferenças tem sido o maior de todos os desafios administrativos e trabalhistas devido aos afluentes que emergem dessa relação ao envolver toda a cultura de gestão da instituição.

    A Constituição Federal de 1988 assegura o direito de igualdade para todos ao mesmo tempo em que torna legal algumas diferenças. Como exemplo o menor que só pode trabalhar como aprendiz, assistido e com restrições e aí se torna lícita essa diferença o que dificulta o trabalho de advogados ao se conciliar a igualdade e as diferenças. Segue também as dificuldades com relação ao trabalho da mulher somadas a algumas restrições consideradas legais, ao mesmo tempo, em que todos somos iguais perante a lei e em dignidade. Concluem-se então as dificuldades para se lidar com as diferenças e o melhor é aprender a se conviver com elas, evitam-se assim os constrangimentos dos processos trabalhistas fundamentados na discriminação e preconceito.

    O Preconceito geralmente antecede a discriminação, o funcionário na empresa é julgado pelas suas limitações e não pelas suas habilidades. Inúmeros casos desse tipo já foram alvo de discussões e muitos outros casos semelhantes passam sem ser percebidos. O notável no comportamento preconceituoso é a ignorância no momento de não respeitar a diferença do outro. Coloca-se um rótulo no diferenciado e dificilmente essa marca se solta, é a idéia pré-concebida do outro com relação a diferença. Portanto as diferenças devem ser superadas do contrário geram polêmicas que criam desigualdades passíveis de uma discussão processual. O que é lamentável, a nossa cultura administrativa separa as diferenças quando deveria ser exemplo a nos enriquecer ao invés de abismar o diferente em exclusão.

    A discriminação vem logo em seguida, também acompanhada de ignorância ao ofender o princípio de igualdade, respeito à diferença do outro no momento de violar os critérios fundamentados no erro, julga-se o funcionário diferenciado equivocadamente. O que mais se nota e se acentua na discriminação é a maneira pejorativa e disfarçada de ver o diferenciado, coloca-o em posição humilhante, desarma-o de todos os modos, marginaliza sua condição humana e afeta sem piedade a sua capacidade de trabalho.

    Contudo deve-se ficar atento para os desgastes de relacionamento involuntários provocados pelos bajuladores ou puxa-sacos; administradores e chefes mal intencionados.

    Ainda na seqüência do Preconceito e Discriminação temos a pior de todas as condições enfrentadas pelas vítimas, o conhecido ASSÉDIO MORAL. Última tacada daqueles covardes que promovem sem que o funcionário perceba uma verdadeira guerra emocional dentro da instituição, o terror psicológico.

    Quando a política da instituição favorece o terror psicológico, todos os funcionários são afetados e à luz da verdade, correm o risco de sofrer esses ataques e com certeza sempre terá um dia seguinte e a surpresa revelará a próxima vítima.

    Se há culpa fundada na vítima, é fácil para colegas e liderança, condená-la e descartá-la sem problemas com a Lei, mas quando não há culpa, aí começa o processo maligno do Assédio Moral. Os malditos algozes não têm piedade, atacam até o fim. Por todos os lugares que pisam colocam minas poderosas e o funcionário tem que tomar todas as precauções, sob pena de sucumbir à pressão.

    Os pontos fracos são os alvos. As diferenças já citadas revelam sempre as causas do assédio promovido pelos canalhas.

    Interessante, quando se fala em diferença no assédio moral, pensamos logo em deficiências físicas ou emocionais, mas tem uma conhecida e não lembrada: – A HABILIDADE DO TRABALHADOR NO DESEMPENHO DA FUNÇÃO COM RELAÇÃO AOS DEMAIS COLEGAS, E, A SUPERAÇÃO DOS CONHECIMENTOS SOBRE AS LIDERANÇAS. Essa diferença é aquela atacada covardemente em silêncio pela casta inferior da instituição travestida de líderes, pois já ficou provado, ninguém é assediado por capacidade a menos, com toda a certeza, por capacidade a mais.

  6. Ises Abrahamsohn disse:

    Prezada Maria Clara Matos

    Fiquei surpresa pelas altissimas percentagens de vários tipos de preconceitos, expressos por entre 80 e 94 % das pessoas questionadas, relatadas na pesquisa feita pela FIPE. Segundo informado na matéria, a pesquisa analisou o universo de alunos, pais e mães, professores e funcionários de 501 Escolas Públicas do país. Fui aluna de escola pública e acompanhei crianças que foram alunos de escolas públicas na cidade de São Paulo e a impressão que tenho, é que os percentuais são muito menores.

    Também é intrigante que os indices mais intensos de rejeição neste estudo foram encontrados contra mulheres, idosos e portadores de necessidades especiais, quando a percepção das atitudes discriminatórias mais frequentes apontaria orientação sexual e deficiencia mental (se considerados fora do grupo de portadores de necessidades especiais).

    Portanto, gostaria de conhecer a integra do estudo bem como as perguntas que foram feitas no questionário aplicado para poder fazer uma avaliação. Como é possivel acessar o estudo ?

    Ises de Almeida Abrahamsohn

    Prof. titular aposentada do ICB/USP

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