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As histórias de ontem no mundo de hoje

Comportamento – Com a chegada de novas tecnologias e das grandes mudanças socioculturais, como tem se comportado a literatura para crianças?

Por Maria Clara Matos

Para dar conta dos conhecimentos adquiridos e da sabedoria acumulada, sempre existiram os mitos, lendas e fábulas. Estes também funcionavam como um baú em que se organizavam visões de mundo e explicações para as perguntas que não podiam ser respondidas. Será que ainda hoje essas histórias do passado podem ser lidas à luz de nosso tempo? Quais as transformações estéticas e ideológicas pelas quais essas narrativas passaram e ainda passam?

Maria dos Prazeres, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), destaca que a literatura trabalha no sentido de dar respostas a questões de cunho social, psicológico e cultural que perpassam o imaginário da humanidade. “Se explorados esses relatos como literatura e como matéria de tradição, matéria essa atemporal e universal, acreditamos que se perpetuem esses contos como clássicos”, afirma.

No entanto, ela chama a atenção para as características próprias de uma época em que se somam os valores universais. No caso do Brasil, as histórias infantis a partir de Monteiro Lobato ganharam, além da base tradicional e atemporal do imaginário popular, as nuances do presente, do aqui e agora, do contexto sociocultural do escritor e do leitor.

Ainda abordando a literatura de Lobato, José Nicolau Gregorin Filho, também professor de Literatura Infantil da FFLCH, comenta que é nas histórias do escritor que pela primeira vez se apresenta a voz da criança, ainda que por uma boneca. Ele enfatiza que nesse momento se inicia um processo em que a criança não é mais vista como um indivíduo sem vontades, destinado apenas a ler uma literatura para enquadrar, modelar.

“Hoje você tem muito mais histórias que apresentam caminhos para a criança viver. Para que, com essas possibilidades, ela possa refletir e se fortalecer” e Gregorin ainda completa: “Como você pode apresentar às crianças só histórias com o núcleo familiar tradicional da década de 50?”.

Nelly Novaes Coelho

Nelly Novaes Coelho

Para exemplificar a situação, o professor comenta a fábula da cigarra e da formiga. Na época em que foi escrita, ela apresentava um tipo de espelhamento social em que o trabalho braçal da formiga era mais valorizado que o da cigarra, que cantava e por isso levou uma punição. “Essa fábula deve ser vista de uma maneira diferente hoje, porque a nossa concepção de trabalho é outra.”

Maria dos Prazeres aponta que na releitura de contos e fábulas muitos autores contemporâneos reinventam, recuperam, adicionam ou reduzem, camuflam ou revelam os assuntos do cotidiano, mesclados ou modificados pelo imaginário, pela invenção.

Outro tipo de alteração na composição das histórias produzidas hoje é o valor antigamente dado às ilustrações. Se antes ganhavam um pequeno espaço, hoje muitos livros exploram as diversas possibilidades visuais visando a atender a um leitor plural capacitado para ler não apenas o texto verbal, mas sim os diversos tipos de linguagens apresentados a ele na atualidade.

A crítica literária Nelly Novaes Coelho aponta a década de 70 como o momento do boom da literatura infantil, em que surgiram nomes como Ruth Rocha, Ana Maria Machado e com eles visões críticas dos tempos que estavam sendo vividos. “Quando eu percebi a problemática que estava por baixo da literatura contemporânea nova, a pós-moderna, ela já estava de maneira lúdica, fácil nos textos para as crianças. Com eles a criança se divertia lendo sem nem perceber que estava absorvendo uma visão de mundo nova, que é a consciência do eu em relação ao outro, é a ligação do eu com a natureza, a responsabilidade do eu em fazer as coisas.”

Nelly opina que atualmente a única certeza do homem no mundo em que está inserido é que a ele cabe um novo mundo, daí a importância da palavra, que tem por objetivo renomeá-lo. “A literatura tendo como matéria-prima a palavra apresenta grande importância e por isso é a arte mais defendida para estar na base dos currículos desde o ensino fundamental como diz o psicanalista Jacques Lacan, ‘o que não é nomeado não existe’”, declara.

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