Histórias da USP

Testemunho dos tempos

Engenho do Erasmo

Engenho São Jorge dos Erasmos

Eis a história das Ruínas São Jorge dos Erasmos, parte do território brasileiro que já foi um dia de Martim Afonso de Souza e hoje é patrimônio uspiano

Por Maria Clara Matos

A Revista Espaço Aberto apresenta um novo espaço que batizamos de “Histórias da USP”. Aqui serão desveladas curiosidades, histórias peculiares de lugares e de pessoas que guardam estreita relação com a universidade. Além disso, mais do que apenas contar uma história, desejamos valorizar, dar voz ao passado que funda nosso presente e que tem papel essencial na formação de nossa identidade individual e coletiva.

Para preencher as linhas de nossa primeira história escolhemos as Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, que fica em Santos – no sopé do morro da Caneleira – e é atualmente o mais antigo patrimônio histórico do Brasil. A visita ao local foi guiada por Rodrigo Christofoletti, historiador e educador, que acompanha os visitantes a uma viagem ao passado, mas precisamente até 1534 quando provavelmente foram construídas as instalações.


O Engenho São Jorge dos Erasmos é apontado como um dos três primeiros construídos em solo tupiniquim, na então Capitania de São Vicente. A discussão sobre se foi o primeiro, o segundo ou o terceiro é vasta. Na opinião de alguns estudiosos, os engenhos de Madre de Deus e o de São João – ambos em Santos – precederam São Jorge dos Erasmos, embora Pedro Taques, Afonso de E. Taunay, Afrânio Peixoto, entre outros o elejam como o pioneiro.
Interessado em introduzir o cultivo da cana e da tecnologia de fabricação do valioso açúcar no Brasil, o rei de Portugal D. Manoel, envia ao Brasil a expedição de Martim Afonso de Souza que chega a região vicentina em 1532, data considerada ponto de partida para a indústria açucareira no Brasil, abrindo as portas do país a seu primeiro ciclo econômico. Segundo a citação do padre Simão de Vasconcelos, no livro de José Pedro de Leite Cordeiro, de 1945, “foi na vila de São Vicente onde se fabricou o primeiro açúcar do Brasil”.

De início o local foi chamado de engenho do Governador, recebendo posteriormente o nome de engenho dos Erasmos, ao ser adquirido pelo comerciante flamengo Erasmos Schetz, da Antuérpia (atual Bélgica). Rodrigo Cristofolleti, comenta que talvez aí já possamos identificar a implantação da primeira multinacional no Brasil. Nas palavras do historiador: “Schetz comprou o engenho, ganhou dinheiro com ele, mas pouco ou quase nunca chegou a visitá-lo”.

Somando-se às interrogações que ainda persistem em relação ao engenho, não se sabe ao certo de onde vinha a cana que era beneficiada em São Jorge dos Erasmos. Segundo Cristofoletti, ela não era plantada nas proximidades do engenho, mas muito provavelmente onde hoje é o centro da cidade de Santos. Sabendo-se que o transporte de carga, por meio de bois e de cavalos, só se intensificou na região por volta de 1550, o educador aponta que a hipótese mais aceita é de que a cana chegava no lombo nos escravos negros e índios.

No terreno onde estão situadas as ruínas do engenho, pesquisas arqueológicas encontraram 33 corpos em sua maioria índios e negros, supostamente os trabalhadores do engenho. A prospecção arqueológica do sítio também revelou vestígios como fragmentos de cerâmica, porcelana, vidro, metais, entre outros objetos, hoje sob os cuidados do Museu de Arqueologia e Etnografia (MAE – USP).

Rodrigo Christofoletti

Rodrigo Christofoletti

Para completar o cenário misterioso que envolve o local, o engenho dos Erasmos chegou a ser atacado no final do século XVI e início do século XVII por piratas holandeses. As características de fortaleza como a altura das paredes, a proximidade das construções e sua localização para se prevenir dos ataques não foi suficiente. Em busca do açúcar – o chamado ouro branco da época – os corsários atearam fogo no engenho, que posteriormente foi reconstruído.
A família Schetz acaba por se desfazer de São Jorge dos Erasmos e com o alto valor arrecadado passa a ser dona da cidade de Ursl, na Holanda – ainda hoje não se sabe muito bem se os Schetz compraram ou construíram a cidade. Depois da sucessão de diversos donos, em 1943, o terreno tornou-se propriedade de Otávio Ribeiro de Araújo, que loteou a propriedade e doou, em 1958, o engenho a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Desde então muitos pesquisadores têm desenvolvido estudos na região que englobam desde pesquisas no campo da arqueologia, história, biologia até física e matemática.

No ano de 2004 intensificaram-se as atividades educacionais relacionadas às ruínas que hoje é campo fértil para as interpretações interdisciplinares, bem como para a conscientização em relação ao patrimônio cultural. Cristofeletti ressalta a importância de poder receber a população no espaço, mostrar à sociedade um pouco do que a universidade estuda e preserva, além de incentivar a troca de conhecimentos.

A inauguração de uma base avançada revela maior acesso ao local e a preocupação com a criação de ambientes que promovam a pesquisa e o interesse pela história do local. O prédio conta com auditório, reserva técnica, biblioteca e sala para exposições.

O projeto arquitetônico de Júlio Roberto Katinsky, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU – USP), também apresenta como proposta a valorização do espaço, na medida em que a base avançada foi construída em um patamar mais baixo do que as próprias ruínas para que não houvesse competição entre o prédio e o monumento. De qualquer ponto de prédio é possível ver o conjunto histórico-arquitetônico em uma integração entre o antigo e o moderno; o passado e o presente.

Bloco didatico

Bloco didático

O Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, hoje órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, recebe principalmente alunos de escolas municipais e estaduais. Pretendendo estimular a consciência preservacionista, a equipe de educadores das ruínas criou o VouVolto – Projeto Educacional para o Ensino Fundamental. As crianças fazem uma visita monitorada com os educadores e são convidados a voltar com os pais, em outra ocasião, para que eles mesmos sejam os monitores e possam ensinar o que aprenderam.

Para dar continuidade ao VouVolto e também contemplar os alunos do ensino fundamental que não podem se dirigir ao engenho há o projeto I-Papo – Imaginários e práticas aproximativas do patrimônio. Por meio dele, os professores das escolas tem acesso a um material pedagógico variado para ser trabalhado em sala e em paralelo, os estudantes podem acessar o site http://www.usp.br/prc/engenho/ onde estão disponíveis textos e atividades lúdicas.

Mas o local não está aberto apenas para as escolas públicas; colégios particulares e o público em geral podem visitar o local. O ideal é que todas as visitas sejam agendadas para que os educadores possam contar a história do monumento aos visitantes e que a beleza do local seja apenas inspiração para o estudo da área e de sua importância histórica.  Gratuitas, as visitas monitoradas devem ser agendadas pelo telefone 3203-3901 ou pelo e-mail ruinasengenho@usp.br. O endereço é Rua Alan Ciber Pinto, 96, São Jorge – Santos.

3 comentários sobre “Testemunho dos tempos”

  1. rodrigo disse:

    Clarinha, que texto lindinho!!!! Parabéns… E que fotos boas hein!!! um forte barço,do Rodrigo Christofoletti.

  2. Silvia Ahlers disse:

    Lindo ! Preservação do patrimônio é o que também precisamos neste país. Uma dúvida: como faço para chegar no Engenho? O morro Caneleira é de fácil acesso? Moro no ABC Paulista e gostaria de visitá-lo. Silvia.

  3. RESGATAR O PASSADO É INICIATIVA DOS QUE QUEREM UM PRESENTE SADIO E UM FUTURO REPLETO DE CULTURA E CONHECIMENTO PARA QUE AS INTELIGÊNCIAS POSSAM SER DE TODO ÚTIL ÀQUELES QUE DESEJAM VIVER UMA VIDA EM PURA HARMONIA. TRADUÇÃO CHEGA DE IGNORÂNCIA, TEMOS DEMAIS EM NOSSO ORGULHOSO PAÍS.

Deixe um Comentário

Fique de Olho

Enquetes

As questões nas reuniões do Conselho Municipal de Política Urbana envolvem, indiretamente, transporte e mobilidade. Em sua opinião, qual item seria prioridade para melhorar o transporte público?

Carregando ... Carregando ...

Dicas de Leitura

A história do jornalismo brasileiro

O livro aborda a imprensa no período colonial, estende-se pela época da independência e termina com a ascensão de D. Pedro II ao poder, na década de 1840
Clique e confira


Video

A evolução do parto

O programa “Linha do Tempo”, da TV USP de...

Áudio

Energia eólica e o meio ambiente

O programa de rádio “Ambiente é o Meio” foi...

/Expediente

/Arquivo

/Edições Anteriores