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Gratidão, esforço e humildade

Kokei Uehara em sua casa no Butantã

Kokei Uehara em sua casa no Butantã

“Nunca fui inteligente, mas era esforçado. Se aqueles meninos não me gozassem, falaria errado até hoje.”

Por Mariana Franco

Kokei Uehara, Professor Emérito da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, conta com alegria sua vida, expressando a todo momento sua gratidão pelo Brasil, país que o acolheu, e pela USP. Aos recém-completos 82 anos, o professor se recupera de um acidente acontecido no ônibus, dentro da Cidade Universitária. “Um milagre!”, afirma ele, andando novamente pela casa, sem maiores sequelas, ao relembrar que durante os meses anteriores chegou-se mesmo a considerar a necessidade de amputação das pernas.

Aposentado desde 1997, Uehara continuou lecionando e trabalhando em outros órgãos da Universidade, como a Comissão de Cooperação Internacional (CCInt), tudo gratuitamente. Atualmente dá aulas apenas para uma turma da pós-graduação. No ano 2000, por decisão da Congregação da Poli, recebeu o título de Professor Emérito, concedido até hoje a apenas 15 professores. “Alguns jovens dizem que sou maluco por trabalhar de graça, mas o faço por gratidão, para devolver ao Brasil e à USP, um pouquinho do muito que me deram”, explica.

Uehara nasceu no ano de 1927, em Okinawa, província no extremo sul do Japão. De uma família de oito irmãos, veio para o Brasil em 1936, a bordo do navio Santos Maru, encontrar os quatro irmãos que aqui já estavam, trabalhando na lavoura. “Meus nove anos, completei no Oceano Índico!” Os pais e duas irmãs continuaram no Japão e, infelizmente, seu pai e uma das irmãs foram mortos pela Segunda Guerra Mundial. “Okinawa, acho, era o pior lugar durante a guerra. Minha casa ficava pertinho do aeroporto internacional, era muito visado. Não sobrou nada de lá. Não preciso nem dizer que sou contra a guerra, não é? Quem perde familiares assim não pode se posicionar de outra maneira.”

Uehara morou em Olímpia, interior de São Paulo. “Eu era o caçulinha, e só estudei graças aos meus irmãos, que ficaram puxando enxada.” Relembrando-se dos anos do grupo escolar, expõe também suas raízes caipiras. Morava há 11km da escola e tinha de pegar a jardineira. “Jardineira é uma palavra bonita, e eu procuro manter isso, a minha caipirice. Quando chovia a jardineira não passava e eu ia correndo para a escola. Chegava atrasado, e a dona Maria Aparecida Cardoso, minha professora, colocava a mão no meu peito e falava: ‘Kokei, seu coraçãozinho vai saltar pra fora. Quando estiver chovendo não precisa vir’. Mas com esse incentivo é que eu ia correndo mais animado ainda!”

O português, aprendeu com empenho. Por um mês ficou num internato, estudando para a admissão ginasial. De madrugada, os colegas o acordavam para gozar de seu modo de falar. “Todas as noites eles batiam na minha cama: ‘Japonês, acorda!’. Fiquei com muita raiva mas não podia brigar. Estudei para valer. Na 3ª série ginasial tive minha vingança: tirei a única nota 10 em português de todo o colégio. Nunca fui inteligente, mas era esforçado. Se aqueles meninos não tivessem me gozado, falaria errado até hoje.”

Em 1949, Uehara ingressou na Escola Politécnica. Desde o ano de 1952 já trabalhava como assistente de professores, e assim que terminou o curso, no final de 53, já dava aulas. Foi oficializado professor no ano de 58, e não mais parou de lecionar. Sua área de atuação sempre foi a hidráulica, tornando-se o maior especialista em construção de barragens do País.

Além da carreira acadêmica, trouxe para o Brasil o primeiro modelo reduzido de barragem. Fez todo o estudo hidráulico da construção de Itaipu e projetou muitas outras barragens no País e fora dele, no Peru e Bolívia, muitas vezes gratuitamente. Em uma obra na Amazônia, uma vez, teve de desviar em um quilômetro o curso de um rio. Por esse fato, sua biografia, escrita por Aldo Pereira, foi batizada de Domador de Rios.

Trabalhou ainda, gratuitamente, como consultor técnico de obras da cidade de São Paulo e foi por dez anos, representante do Brasil na Unesco, no Decênio Hidrológico Internacional. É presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, e em 2008 foi presidente da comissão das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa ao Brasil.

Mesmo detentor de tantos títulos, Uehara é muito humilde. “O que conhecemos da engenharia, medicina, física, química, matemática, tudo – é muito pouco. E vivemos aplicando só este pouquinho. Somos como dom-quixotes. Existem muitas coisas que não entendemos, que a humanidade não entende, mas pensa que sabe. Tem quem pense que sabe tudo e que os outros é que são burros. Por isso provoca-se guerras. É o grande erro da humanidade. Precisamos de humildade diante da natureza para fazer obras. Precisamos de humildade também para evitar guerras, ódio, matanças”, conclui.

Saiba mais sobre a importância da educação na vida de Kokei Uehara.

3 comentários sobre “Gratidão, esforço e humildade”

  1. Rosimeire disse:

    Que historia linda…simplesmente linda…

    Sem palavras.

  2. Henrique Fleming disse:

    Todas as pessoas verdadeiramente inteligentes que conheci não se julgavam inteligentes, como o prof. Kokei Uehara. Paul Dirac, o maior físico britânico desde Isaac Newton, se considerava uma "mente de segunda categoria". Os que se acham inteligentes não fazem nada. Os que não se acham inteligentes são os verdadeiramente inteligentes.

  3. Esdras Guerreiro Vas disse:

    Prezados Senhores,

    O Prof. Kokei Uehara é um resiliente, no sentido amplo dessa expressão, ou seja, alguém que sabe superar adversidades. É característico de pessoas assim a capacidade de utilizar a intuição para alcançar suas metas de vida; realçar o lado positivo de todos os acontecimentos e não se deixar abater nem traumatizar por eventos negativos. Como todo resiliente, o digníssimo professor nos ensina uma admirável lição de vida.

    Cordialmente,

    Esdras Guerreiro Vasconcellos

    (Instituto de Psicologia da USP)

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