Reportagens

Atílio Avancini, um tenista quase confidencial

Campeão brasileiro de duplas no tênis e com mais outros cinco títulos na modalidade, o renomado fotógrafo e professor da ECA-USP se move com maestria entre os mundos da teoria acadêmica e da prática esportiva, sem dividi-los

Foi com uma mala cheia de troféus e medalhas, como quem revela um tesouro, que o professor Atílio me recebeu em sua sala, 41, no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP. A surpresa só não foi maior que a curiosidade. Após um semestre como caloura, descobrir sua notável vida esportiva tornou-se, sem dúvida, o maior furo jornalístico do ano. Afinal, com a exceção de seus familiares e alguns professores do departamento, ninguém até então sabia que tínhamos um campeão brasileiro de tênis ensinando Teoria da Comunicação e Jornalismo Visual.

Ligo o gravador no momento em que ele me entrega um pedaço de papel com uma lista singela de todos os prêmios de sua carreira que ele considera mais importantes. E assim, uma conversa longa e fascinante se deu início.

Atílio explica cada um de seus oito prêmios conquistados como tenista [Imagem: Davi Alves/Acervo Pessoal]

Com um olhar aguçado para capturar o momento perfeito, seja por trás das lentes, nas palavras de um texto ou na quadra de tênis, Atílio José Avancini, aos 71 anos, equilibra suas paixões com maestria. Fotógrafo, jornalista, professor universitário de comunicação e atleta, ele ensina, inspira e joga — sempre com a precisão de quem entende que a vida é feita de movimento e perspectiva.

A criança que nasceu com a raquete na mão

Atílio, aos 10 anos de idade, jogando tênis com raquete de madeira, como era comum na época [Imagem: Atílio Avancini/Acervo Pessoal].

 Neto de italianos por parte de pai e de mãe, Atílio cresceu em uma família de classe média no bairro Pinheiros, na capital paulista. Seu pai, muito talentoso no atletismo, conseguiu se tornar sócio militante do Esporte Clube Pinheiros graças ao seu desempenho esportivo. Tão logo se tornou sócio, colocou o filho para praticar esportes no clube também. Foi nesse ambiente que Atílio entre 5 e 6 anos de idade começou sua jornada no tênis.

“Nossa, eu acho que eu nasci com a raquete.” (Atílio Avancini)

Desde criança, quando seu pai o levava ao clube e, mesmo sem conhecer o esporte, percebeu o potencial do filho. “Meu pai teve essa sacada logo cedo, porque sempre fui muito magrinho e jeitoso para esportes. Acho que foi intuição de pai mesmo de perceber que eu tinha jeito para o tênis”, conta Atílio. Decidido a apoiá-lo, o pai aprendeu a jogar tênis junto com ele.

Assim, a trajetória esportiva de Atílio começou cedo. Aos 8 começou a disputar torneios, sendo que a estreia foi no campeonato brasileiro. Aosos 12, sagrou-se campeão nacional de duplas masculino ao lado de seu primo. Essa vitória ocorreu em 1965, no Tijuca Tênis Clube, durante as comemorações do Quarto Centenário do Rio de Janeiro, e permanece como o título mais importante de sua carreira esportiva.

“Esse é o meu talismã” conta Atílio sobre seu maior prêmio conquistado como tenista [Imagens: Fernanda Franco e Davi Alves/Acervo Pessoal].

Naquela época, os campeonatos brasileiros eram itinerantes, realizados em diferentes cidades e estados a cada ano. “Nesse torneio infanto-juvenil jogava-se dos 7 até os 21 anos nas categorias Infantil, Juvenil ou de Juventude”, relembra Atílio, que em cada competição representava São Paulo. Ele explica que antes do Campeonato Brasileiro havia o qualifying, que eram jogos dos melhores de cada clube, onde ele era indicado pelo Clube Pinheiros e os melhores do Estado  ganhavam bolsa para competir.

“O tênis me deu um privilégio muito grande de conhecer o Brasil. Eu cheguei a disputar torneios em Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Salvador… cada ano era em uma capital. Conheci praticamente o Brasil inteiro.” (Atílio Avancini)

Segundo o professor, naqueles tempos, o tênis infantojuvenil era levado muito a sério, com qualificatórias estaduais organizadas por clubes e escolas. Atílio acredita que essa estrutura esportiva se perdeu ao longo dos anos no Brasil. Ele compara a experiência com o que viu em universidades no Japão e na França, onde o esporte é incentivado de maneira constante e integrada à vida estudantil.

Apesar das dificuldades, como quadras ruins e a falta de apoio esportivo nas instituições de ensino atuais, Atílio continua valorizando o impacto do esporte na sua vida. Para ele, o tênis sempre foi mais que um passatempo: foi um espaço de aprendizado, disciplina e crescimento, algo que acredita ser fundamental para a formação pessoal e a integração das pessoas.

A vida fora da quadra

Atílio se descobriu fotógrafo e professor com o tênis  [Imagem: Fernanda Franco/Acervo Pessoal]

 Atílio descobriu sua paixão pela fotografia em 1979, quando fazia o curso de História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em plena ditadura militar. O Centro Acadêmico ofereceu um curso de fotografia, e ele decidiu participar. Foi ali que se “descobriu como fotógrafo”.

Ele percebeu o seu talento, ao ser escolhido como autor do melhor trabalho do curso. Pouco depois, ao fotografar um dançarino alemão, recebeu elogios pelo resultado. Essas duas experiências foram como um “raio” que o atingiu, revelando sua vocação para a fotografia quando tinha 22 anos.

Mas foi nos anos 80, já com quase 30 anos, que Atílio mergulhou de vez na carreira fotográfica, fazendo trabalhos como freelancer para casamentos, reportagens, agências e diversos eventos. No entanto, a renda não era suficiente, então começou também a dar aulas de tênis, unindo suas duas grandes paixões.

Para ele, o tênis e a fotografia têm muito em comum: ambos exigem concentração máxima, precisão e resposta imediata. Assim como um jogador deve focar na bolinha, um fotógrafo precisa estar atento ao momento decisivo. O silêncio necessário nas quadras também se reflete na calma interior exigida para capturar a imagem perfeita. “ O momento decisivo é tênis na cabeça”, afirma ele.

“Comecei a dar aulas de tênis, o que foi muito importante para mim, primeiro para me ajudar no reflexo de um fotógrafo. Porque você fotografa muito com o corpo. Você tem que estar muito disposto a se movimentar. E o princípio do esporte é muito esse: uma disponibilidade corporal.” (Atílio Avancini)

Foi ensinando tênis que Atílio se descobriu como professor. Percebeu rapidamente que tinha uma didática eficaz e conseguia promover o desenvolvimento de seus alunos. A docência assim parecia natural, talvez influenciada pela tradição familiar materna, marcada por uma forte vocação para o ensino. Além disso, para ele “entrar na sala de aula é como entrar na quadra”.

A transição para o ensino de fotografia ocorreu no final dos anos 1970, com a abertura de centros culturais na periferia de São Paulo durante o governo Orestes Quércia. Atílio passou a dar aulas nesses centros, ensinando técnicas de câmera escura e enquadramento de forma artesanal. Essa experiência consolidou sua trajetória docente, culminando em um convite para lecionar no curso de linguagem fotográfica do governo do estado. Mais tarde, em 1995, reingressou na USP como professor conferencista, graças à sua sólida experiência prática. Após dois anos, prestou concurso enquanto fazia seu mestrado.

Antes de sua entrada definitiva na USP, Atílio deu aulas de fotografia para deficientes visuais, auditivos e cadeirantes no Fundo de Solidariedade do Estado de São Paulo e também trabalhou em uma associação comunitária na favela Monte Azul, oferecendo reforço escolar. Essas experiências foram marcantes para ele, pois o ajudaram em sua trajetória como professor universitário, unindo técnica, arte e uma abordagem humanista à fotografia.

O grande hiato

Em 2007 Atílio Avancini foi professor-visitante da Universidade de Kyoto, no Japão [Imagem: Joel La Laina Sene/Reprodução Shiro Iyanaga & Atílio Avancini]

  Entre 1975 e 2007, Atílio se distanciou das quadras de tênis para se dedicar à vida acadêmica como professor de comunicação. “Eu estava em uma amadurecimento, de entrar na universidade, questionar, então parei com o tênis e voltei no Japão”, conta.

Atílio foi ao Japão em 2007 para dar aulas de Cultura Brasileira na Universidade de Kyoto. Lá reencontrou duas paixões deixadas de lado: o tênis e o violão. Ao descobrir uma quadra de tênis no campus, começou a jogar semanalmente com um professor local, o que lhe proporcionou amizade e integração. O violão também voltou à sua vida, tornando-se uma ferramenta pedagógica nas aulas de cultura brasileira, especialmente através da bossa nova, gênero que despertava o interesse dos alunos e criava uma experiência de aprendizado prazerosa.

A experiência no Japão reforçou sua visão sobre a cultura e a individualidade, inspirando sua abordagem pedagógica de transmitir conhecimentos técnicos enquanto incentiva cada aluno a explorar sua singularidade criativa. Para ele, o sentido da vida está nesse equilíbrio — receber uma cultura estruturada, mas também encontrar espaço para se expressar como indivíduo, ensinamentos que sempre busca trazer tanto na sala de aula como na quadra de tênis.

“O esporte pra mim é uma arte. Você tem todo um padrão de regras, estilo e técnicas, mas eu acho que o jogo acontece quando você se coloca. Quando você pega essa montanha de regras e dados e você faz a química com você.” (Atílio Avancini)

Em decorrência da sua prática de tênis no Japão, Atílio ganhou uma honraria simbólica, que considera como um carinho dos japoneses, o qual simboliza não apenas o seu retorno dele ao tênis como também uma integração entre a academia e o esporte.

A prática de tênis no Japão rendeu ao Atílio uma condecoração simbólica, reflexo da valorização japonesa pela participação comunitária [Imagem: Fernanda Franco/Acervo Pessoal]

Assim, o tênis teve duas fases marcantes na vida de Atílio. A primeira foi na infância e adolescência, quando competiu em torneios infantojuvenis (sendo campeão brasileiro) e deu aulas de tênis. E a segunda quando retornou do Japão, participando de torneios de tênis até hoje.

Outros prêmios  

O campeão e seus troféus [Imagem: Davi Alves/Acervo Pessoal].

Para Atílio, ter sido campeão brasileiro foi o que despertou uma virada de chave em sua vida. O motivou a continuar, deu uma segurança muito grande nos momentos difíceis, resiliência e disciplina. Curiosamente, depois desse título ele considera que começou a curtir mais o esporte e ficou menos ansioso em relação a querer ganhar. “Porque o grande presente é você estar fazendo um esporte. Você estar disponível com seu corpo, deixar sua mente e se só concentrar naquilo e isso é um prazer muito grande”, reflete ele.

Mas este não é o único título no tênis que merece destaque na vida do professor e fotógrafo. A seguir uma lista com outros prêmios considerados mais importantes pelo Atílio:

  • 1968: Campeão Simples Masculino (13 a 15 anos) III Olimpíada Infanto-Juvenil de São Paulo — São Paulo;
  • 1970: Campeão Simples Masculino (16 a 18 anos) V Olimpíada Infanto-Juvenil de São Paulo — São Paulo;
  • 2016: Campeão Dupla Masculina (60 anos) JORI — Itanhém, SP;
  • 2019: Campeão Simples Masculino (60 anos) JORI — Itapecerica da Serra, SP;
  • 2023: Campeão Simples Masculino (70 anos) JORI — São Bernardo do Campo, SP.

As últimas conquistas foram dos Jogos Regionais do Idoso (JORI) representando  Itanhaém, cidade de seus familiares. Atílio foi medalhista de ouro na edição de 2016 nas duplas masculinas, e de 2019 e 2023 no simples masculino. Ele começou a competir nesse torneio após o convidarem para participar.

Atílio conquista medalha de ouro nas duplas masculinas dos Jogos Regionais do Idoso em 2016 [Imagem: Divulgação JORI/Boletim oficial da Prefeitura de Itanhaém]

Fotografando o tenista

Atílio conta que o tênis sempre foi um assunto meio proibido. “Eu acho que quando a gente dá aula a gente tem que tomar um certo cuidado para não ficar se promovendo muito”, explica ele rindo.

Apesar disso, foi com uma surpresa ainda maior que, ao sugerir fotografá-lo jogando tênis, ele aceitou. A quadra de tênis de repente se tornou uma extensão da sala de aula, foi o momento de colocar em prática as aulas de fotografia.

O momento decisivo: a bola de tênis é o foco do atleta e do fotógrafo [Imagem: Fernanda Franco/ Acervo Pessoal]

Ao ser questionado sobre o futuro em relação ao tênis e à vida profissional, Atílio revela que quer jogar até quando puder. “É um presente para mim estar na quadra, ao ar livre e nessa dimensão da arte do prazer e do silêncio, não tem coisa melhor”, e complementa: “quero ficar jogando e, se puder, ficar fotografando também”.

No final desta reportagem, a imagem marcante com o colega e professor do Departamento de Jornalismo e Editoração, Vitor Souza de Lima Blott, em um amistoso para celebrar um ponto a mais do querido professor Atílio José Avancini.

A façanha de dois professores de comunicação se integrando também na quadra de tênis, Atílio Avancini e Vítor Blotta [Imagem: Fernanda Franco/Acervo Pessoal].

* Fernanda Franco é estudante do curso de Jornalismo da ECA-USP