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Marcovitch: O crescimento populacional nos obriga a reconstruir o País



Na manhã do dia 27 de março, o ex-reitor da USP e atual secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, professor Jacques Marcovitch proferiu, na Sala da Congregação da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA), a palestra “A Universidade Viva.”, título do seu livro homônimo, lançado no segundo semestre do ano passado. Estavam presentes cerca de 50 pessoas, entre professores, muitos dirigentes universitários, como o vice-reitor, Hélio Nogueira da Cruz, especialistas das mais variadas áreas do conhecimento e alunos de graduação e pós-graduação.
Marcovitch traçou um balanço de algumas de suas principais realizações como reitor e falou também sobre as perpectivas e desafios futuros da Universidade e do sistema de ensino e pesquisa público paulista e brasileiro. Para ele, a principal questão é e será a explosão demográfica e o aumento da desigualdade ou abismo social. “O fato de termos começado o século 20 com 17 milhões de pessoas e terminado com 170 milhões mostra que, a cada 25 anos, nossa população praticamente dobrou, o que significa, na prática, que temos que reconstruir o País constantemente”, afirma. “No caso brasileiro, é difícil entender o desafio da Universidade se nós não tivermos sempre em mente os números da demografia.”
Segundo o secretário, o início dessa grande explosão do conhecimento, acompanhada de perto pelo aumento populacional e por profundas transformações sociais está no surgimento da palavra impressa, há pouco mais de 500 anos. “A partir da década de 1940, com o advento do digital, começando pelo transistor, a humanidade passa a viver um momento tão profundo de mudanças que, do ponto de vista da taxinomia do conhecimento humano, é semelhante ao que aconteceu na Renascença”, diz. “Atualmente existe um excesso de informação, na maioria das vezes de baixa qualidade, o que aumenta a responsabilidade da Universidade no momento atual, que deve não só ajudar a organizar o conhecimento humano, mas precisa cada vez mais se pautar por uma informação qualitativamente diferenciada, que será, como é hoje, transmitida para a comunidade por meio da publicação de teses, dissertações, livros, revistas e pela atuação dos seus veículos de comunicação, formados pelo jornal, agência, o novo portal, as rádios e a TV.”

Dificuldades e desafios

De acordo com Marcovitch, as sociedades desenvolvidas não são aquelas que têm mais riqueza ou prosperidade, mas sim as que conseguem transformar dificuldades em desafios, desafios em sonhos, sonhos em projetos e projetos em resultados. “Hélio Jaguaribe observa que as sociedades que sobreviveram são aquelas que souberam receber golpes na sua caminhada e que souberam transformar essas ameaças em soluções para encontrar um novo patamar de desenvolvimento”, afirma.
Além da explosão demográfica brasileira, que levou a um crescimento urbano, durante o século 20, de 800%, outro fator de mudança está na alteração da nossa pirâmide etária, com a expansão da população com mais de 65 anos, o que exige uma adaptação intensa das universidades para atender as novas demandas. “A USP tem acompanhado essa questão da terceira idade através do projeto Universidade Aberta, entre outras iniciativas”, lembra Marcovitch. “Outro desafio gerado pelo aumento populacional é a dualidade ou desigualdade econômica e a necessidade de mantermos o acesso à informação, única forma de diminuirmos as diferenças.”
Outro desafio no qual a Universidade tem atuado com muita competência se encontra no campo das rupturas tecnológicas, da geração de grandes e profundas inovações, como as que são representadas pelo Genoma Humano — projeto criado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp —, a Caverna Digital da Poli, o Centro de Pesquisa em Biotecnologia, em Piracicaba e o apoio à criação de novas empresas de tecnologia, na maioria das vezes, de pequeno porte.
Para o ex-reitor, as universidades não podem enfrentar os problemas atuais se não cultivarem as relações umas com as outras, a descentralização do poder sem a perda de rigor administrativo e financeiro e os valores democráticos, que incluem a promoção da liberdade, justiça, dignidade humana, solidariedade e do pluralismo de idéias e opiniões, baseados em uma sólida busca do conhecimento, sem ceder a qualquer pressão ou interferência política. “A USP optou por esse caminho ao aprovar seu próprio Código de Ética”, diz. “Essas idéias e as experiências poderiam continuamente ser discutidas em encontros anuais que reunissem as universidades de pesquisa brasileiras, que são da ordem de 10 ou 12, mais ou menos, gerando novas soluções para os desafios e permitindo que esses novos conhecimentos possam ser utilizados para o desenvolvimento das atividades de pesquisa em outras universidades.”

Equilíbrio é fundamental

Entre todas as suas ações na administração da Universidade, ocorrida entre os anos de 1997 e 2001, Marcovitch afirma que a mais importante foi a equacionalização dos recursos orçamentários, com o pagamernto de um total de R$ 191 milhões de dívidas, contraídas durante gestões muito anteriores, o que assegurou à USP maior capacidade de responder as demandas externas sem correr o risco de fragilizar a espinha dorsal da instituição. “A Universidade está, hoje, conseguindo expandir suas vagas, abrindo novas linhas de pesquisa, obtendo recursos das agências de fomento à pesquisa porque nosso orçamento está equilibrado”, explica. “Outro problema, o pagamento dos aposentados, foi resolvido com a constituição de uma reserva previdenciária a partir do recolhimento mensal da contribuição da USP junto ao Ipesp, na qualidade de fonte pagadora, o que reverteu a utilização desse benefício para a instituição e seus servidores, já que, desde 1989, a Universidade passou a ser responsável pelo pagamento dos seus aposentados, enquanto o Ipesp paga somente os pensionistas.”
Marcovitch lembra, ainda, que apesar das crises econômicas de 1998 e 1999, durante sua gestão a recuperação da capacidade de investimento permitiu uma recomposição salarial dos servidores docentes e não docentes da ordem de 36%, face a uma inflação de 17,4%, segundo dados da Fipe.
Outra questão destacada pelo secretário foi que algumas unidades, como o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e a Escola de Comunicações e Artes (ECA) receberam mais recursos que outras. Mas isso, segundo ele, não deve ser mal-entendido, pois outras unidades, como a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e a Escola Politécnica, receberam menos verbas do orçamento da USP porque conseguiram obter recursos via Fapesp e CNPq ou por meio das fundações de apoio, conseguindo viabilizar projetos sem onerar a Universidade e permitindo que outras unidades possam ter melhores condições de desenvolver seu trabalho.
No mesmo período, foram criados 19 novos cursos de graduação, muitos no período noturno, aproveitando a capacidade já instalada nos campi, e que permitiram que a Universidade abrisse, neste ano de 2002, 7.811 vagas no vestibular, o que corresponde a um aumento de quase mil novas oportunidades de ingresso. “Outro fator importante foi a criação de um vestibular de transferência, a partir de 2000, com a disponibilização de cerca de 1.800 vagas de alunos que abandonaram o curso e que são recolocadas em concurso para que estudantes de outras universidades, públicas ou privadas, possam vir para a USP”, lembra Marcovitch. “A criação de um segundo campus, em São Carlos, vai aumentar ainda mais a oferta de vagas da Universidade na graduação e na pós-graduação, que cresceu cerca de 15%, com um aumento de 35% nas defesas de teses e dissertações, expostas na Biblioteca Digital, a qual ainda deverá crescer muito.”

Intercâmbios e muita cultura

Outras ações fundamentais da USP no período foram, segundo Marcovitch, o estabelecimento de convênios para desenvolver doutorados e mestrados em outras universidades, o que permite o desenvolvimento de mais massa crítica, de profissionais que poderão atuar em diferentes projetos de pesquisa. “Com a nossa cota-parte do ICMS, as três universidades paulistas gozam de uma situação atípica no cenário internacional, caracterizado por um alto grau de previsibilidade de gastos, o que nos permite, inclusive, auxiliar outras instituições por meio desses intercâmbios”, afirma. “Apesar dos recursos que recebemos serem insuficientes, eles são constantes e abrem, portanto, a possibilidade de obtermos recursos externos complementares por meio de parcerias com o setor privado e com as agências de fomento, principalmente a Fapesp e o CNPq.”
Na área de cultura e extensão universitária, Marcovitch destaca a atuação do pró-reitor de Cultura, professor Adilson Avansi de Abreu, o primeiro dirigente universitário a permanecer em um cargo desta natureza por duas gestões seguidas, a aprovação da instalação da biblioteca Midlin, ainda em fase de execução, e a reinauguração do MAC. “Também são fundamentalmente importantes nessa área nossos meios de comunicação, que constituem uma forma de construir mentalidades”, afirma. “Ainda cabe destacar a atuação da Estação Ciência e o projeto de construção de um setor de museus, com a transferência das sedes e dos acervos dos Museus de Zoologia e de Arqueologia e Etnologia, além do recém-criado Museu de Ciências.”
Para Marcovitch, o fundamental é que, apesar das dificuldades de se avaliar esses acontecimentos por causa de sua proximidade com o presente, sua discussão pode ajudar a Universidade a enfrentar os desafios do futuro. “Precisamos criar outros espaços, além dos já existentes, de geração, criação de debates que nos ajudem a solucionar nossos problemas e sirvam como apoio para a manutenção de nossos valores e ações”, diz. “Um dos grandes problemas do Estado de São Paulo é a quase ausência do governo federal para complementar o esforço do nosso governo estadual com relação aos investimentos no ensino superior”, afirma. “Essa questão tem sensibilizado muitos políticos e terá que ser equacionada no futuro, pois as possibilidades de crescimento do orçamento paulista, sozinho, são pequenas.”

 




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