Exercida
pela Igreja, pelo Estado Absolutista, por governos ditos democráticos,
ou não, a censura, velada ou aberta, tem sido objeto de estudo
há séculos. Em mais uma riquíssima contribuição
ao tema no Brasil, serão lançados nesta quinta-feira
(11) dois novos estudos que acabam de sair do prelo. O lançamento,
aberto ao público e com sessão coletiva de autógrafos,
ocorre a partir das 19 horas, no Centro Universitário Maria
Antonia local escolhido a dedo, já que bem representativo
do tema, pois é ali que a repressão se fez mais presente
na época dos governos militares.
Minorias Silenciadas: A História da Censura no Brasil (Edusp,
614 páginas), com textos de vários autores compilados
pela professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP, nasceu do colóquio
Direitos Humanos no Limiar do Século XXI, coordenado
pelo professor Renato Janine Ribeiro, que se estendeu pelo ano de
1997, exatamente no Centro Universitário Maria Antonia.
Maria Luiza, que participou do colóquio com o estudo O
mito da conspiração judaica e as utopias de uma comunidade,
acabou sendo convidada para organizar os textos de todos os participantes
do simpósio que leva o nome do livro.
O resultado foi uma reunião de pesquisadores como Cremilda
Medina, Maria Aparecida de Aquino, Bernardo Kucinski, Beatriz Kushnir,
José Carlos Sebe Bom Meihy, Maurício Maia, além
da própria Maria Luiza. No total, são 23 professores
da mais alta expressão em nossa vida universitária,
conforme diz o professor e ex-reitor da USP Jacques Marcovitch na
apresentação do livro.
Minorias Silenciadas aborda as diversas formas de repressão
à palavra, desde o Brasil Colônia, passando pela República
Velha, até os dias atuais. Com orelha assinada pelo bibliófilo
José Mindlin, a capa negra e quadriculada traz um pequeno orifício,
representando uma prisão com uma abertura, que é
o respiro para as idéias, diz Maria Luiza. A foto de
abertura, de Boris Kossoy, de 1970, foi o cartaz do módulo
Minorias Silenciadas apresentado em 1997, e mostra um
maestro regendo para tumbas, num cemitério, ou seja, para uma
multidão calada.
Como ilustração, o leitor irá se deparar com
fotos de cartas, memorandos, jornais e charges dos diferentes períodos
retratados, além de personagens importantes citados nos textos.
A seleção iconográfica, a princípio, foi
uma das dificuldades de reunir documentos tão diversos e de
um período tão longo, segundo afirma a organizadora
da obra. Mas esse obstáculo foi contornado com a ajuda recebida
dos próprios autores e do Acervo Iconographia, de onde saíram
90% das fotos publicadas, ainda segundo Maria Luiza. Além dessas
fontes, a professora utilizou também os arquivos da Biblioteca
Nacional, coleções particulares e acervos das polícias
políticas da ditadura militar.
O único texto que não fez parte do módulo Minorias
Silenciadas e que acabou sendo incluído no livro é
a tese de doutorado do professor Maurício Maia, defendida após
o simpósio e intitulada Censura, um processo de ação
e reação.
O professor Maia teve uma participação ativa no
evento e achei que valia incluir a tese dele nesse livro. O estudo
de Maia e o da professora Beatriz Kushnir, intitulado Pelo buraco
da fechadura: o acesso à informação e às
fontes, se completam como pesquisa, afirma Maria Luiza.
Eles trazem documentos nunca apresentados ao público.
O artigo da professora Beatriz Kushnir analisa os mecanismos de censura
impostos no Brasil desde o Ato Institucional nº 5 (AI-5), de
13 de dezembro de 1968, até a anistia política, que
funcionou, em teoria, a partir de 1979. Antes de ser um relato do
que foi a repressão à liberdade de expressão
nesse período, o texto é mais uma historiografia dos
documentos censurados e explica as leis que regulam a organização
dos acervos da polícia política no Brasil. Trata-se
de um espécie de guia para se pesquisar naqueles arquivos que
são fontes de trabalho para muitos historiadores ou cientistas
sociais.
O estudo do professor Maia complementa o da professora Beatriz no
sentido cronológico, já que exemplifica textos censurados
em uma fase quase posterior à citada por ela.
Em relação ao tema, pode-se dizer que o artigo do professor
Maia e o da professora Cremilda Medina, da Escola de Comunicações
e Artes, se completam perfeitamente. O primeiro cita exemplos de matérias
que sofreram censura preventiva, ou punitiva, em jornais e revistas
como O Estado de S. Paulo, Veja, Movimento, Jornal da Tarde e Opinião,
entre outros. O outro estudo mostra um relato pessoal contundente
sobre o período, relembrando fatos vividos na redação
de O Estado de S. Paulo entre 1975 e 1985.
A professora Cremilda foi uma observadora participante
(como cita em seu texto à página 422) privilegiada da
censura no País, quando era editora do Caderno de Artes e Espetáculos
de O Estado de S. Paulo e também como professora de Jornalismo
na USP.
Com narrativa crítica, própria de seu estilo, Cremilda
descreve as mais variadas formas de censura que presenciou, desde
as leis que implantaram impedimentos nos correios e portos nacionais
estes proibidos de importar livros e outros periódicos
até os cerceamentos à produção
cultural e à vida acadêmica. Cita casos, muitas vezes,
ridículos, dado o teor do que motivou a repressão.
O relato da professora de Jornalismo desemboca, adiante, numa reflexão
sobre as conseqüências da censura sobre o comunicador social
e como este pode facilmente cair na armadilha de reproduzir o modelo
repressor. Ao centrar sua análise numa redação
jornalística e no ato de comunicar por meio da escrita, a professora
estende sua análise para além da verticalização
do poder e do efeito devastador de manuais autoritários: chega
o momento em que, após mais de um quarto de século de
repressão, o autoritarismo e a inércia de uma rotina
profissional atingem a autocensura no indivíduo e atrofiam
a sensibilidade para ousar.
Cronologicamente, o livro pode ser dividido em três blocos:
o que trata da censura moral, religiosa e política durante
a fase do Brasil colonial e imperial; o que mostra a repressão
aos comunistas e anarquistas, e a atuação das polícias
políticas do período Vargas; e a fase da ditadura militar,
retratada na segunda metade do livro.
Ao longo da história, o poder constituído escolhe
um tema para tratar como tabu e assim cercear sua manifestação.
Não importa em que época, é interessante notar
a estratégia usada pelo censurado para burlar a censura. Isso,
tanto do ponto de vista do intelectual quanto do leitor. Um utiliza
a inventividade para fazer circular suas idéias. O outro, para
ter acesso a algo proibido. Essa tônica atravessa quase todos
os textos: de um lado, existe a repressão às idéias
e, de outro, a resistência à censura. E para romper
o cerceamento, o indivíduo tem de inventar alguma coisa,
diz Maria Luiza.
A professora observa ainda que, seja em qualquer regime, o intelectual
é sempre um foco de preocupação das autoridades,
já que é um interlocutor sensível do seu meio
e de seu tempo.
Minorias
Silenciadas -A História da Censura no Brasil. Edusp, 2002.
Organizadora: Maria Luiza Tucci Carneiro, 23 autores, 614 páginas,
R$ 45,00. Lançamento com sessão coletiva de autógrafos
no Centro Universitário Maria Antonia, dia 11 de abril, a
partir das 19 horas. Rua Maria An-tonia, 294. Centro. Tels.: (11)
3259-3447 ou 3255-7182.
Livros
Proibidos, Idéias Malditas terá o lançamento
da sua segunda edição, ampliada, também nesta
quinta-feira. Assinado por Maria Luiza Tucci Carneiro, o livro detalha
os mais diversos títulos censurados ao longo da história
e considerados clandestinos pelo poder constituído.
Mostra a repressão desde a Idade Média, com a queima
dos livros considerados heréticos, passando pelo famoso episódio
na Praça da Ópera, na Alemanha nazista, em 1933, até
a repressão nos mundos comunista e capitalista, chegando
aos nossos dias.
Livros
Proibidos, Idéias Malditas. Ateliê Editorial, 2ª
ed, 2001. Maria Luiza Tucci Carneiro.
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