Começo do ano. Dentre o mar de
artistas que sonhava com um bom espaço para exibir suas obras,
21 novos talentos acordaram satisfeitos, ao saberem que tinham sido
selecionados para a programação 2002 do Centro Cultural
São Paulo (CCSP). Além das mostras individuais que
irão protagonizar ao longo do ano, todos ganharam o direito
de exibir amostras de seus trabalhos numa exposição
coletiva.
Esta semana. Sem esconder o entusiasmo, pintores, gravadores, fotógrafos,
escultores e instaladores aguardam a abertura da coletiva,
marcada para quarta-feira, às 19h. É hora do público
conferir porque seus portfólios foram escolhidos, entre mais
de 400 inscritos. Foram escolhas difíceis, ainda mais
no final da triagem, pois o nível dos trabalhos estava muito
alto, diz Stella Teixeira de Barros, diretora da Divisão
de Artes Plásticas do Centro Cultural. Ao lado do crítico
Paulo Venâncio Filho, do jornalista Ivo Mesquita e do artista
plástico Sérgio Sister, Stella compõe a comissão
julgadora do evento. Ela explica que depois de muitos debates,
acreditamos que estes eram os que mais se encaixavam na proposta
do CCSP, que é a busca pelo novo na arte contemporânea.
Para essa seleção, foram convocados vários
nomes que já passaram ou ainda passeiam pelo campus da USP.
Um deles é Augusto Sampaio, que ainda não tinha certeza
se queria ser artista ao concluir o curso da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, em 1987. Eu trabalhava muito com artes gráficas,
e encarava a gravura e o desenho apenas como um hobby. Foi um processo
lento de passagem da comunicação visual para a arte,
esta última tomando cada vez mais espaço na minha
vida, diz Sampaio. Na coletiva, o artista vai exibir um painel
de 5 metros com uma xilogravura vermelha e negra, pertencente à
sua série Signos Gráficos (foto). O papel que utiliza,
curiosamente, é o mesmo dos saquinhos de pão de padaria.
Eu usava importado, mas descobri que o padaria
é uma opção barata, de boa espessura, resistente
e disponível em bobinas, que são mais práticas
para obras maiores. O Brasil produz muitos tipos de papel, e nada
como utilizar um produto nacional que case com meu trabalho.
Também na área de gravura, e atual graduanda de artes
plásticas na ECA/USP, Débora Keiko Ando, irá
apresentar trabalhos que fez pintando peças de metal e imprimindo-as
sobre papel. Mas não exatamente do método tradicional:
a artista procura seus moldes pelas ruas da cidade, recortando e
manipulando-os, mas mantendo sua rusticidade original.
A obra como representante do real é, de fato, um campo fértil
para a pesquisa artística, em especial na fotografia. Mestra
em Educação Artística pela ECA/USP, Maria Milene
Chiovatto se interessou pela área em 95, quando registrava
imagens sobre religião. Uma das revelações
mostrava anjos barrocos corroídos por cupins, compondo de
uma só vez um discurso de degradação, inexorabilidade
do tempo, anacronismo, diz Mila. A partir daí,
ficou claro para mim o poder que a fotografia tem de criar realidades,
e comecei a trabalhar nesse sentido. Para a coletiva, a artista
preparou a série Marcas da Memória, fotografando sombras
e marcas de objetos que não estão mais lá.
A idéia é registrar coisas invisíveis,
como a memória. E, com isso, criar uma realidade a partir
da não-realidade.
Já o chileno Amilcar Packer, bacharel em filosofia pela FFLCH/USP,
leva sua investigação dos limites da representação
a outro nível. Sua técnica consiste em filmar uma
performance ao vivo, para depois capturar em foto os frames mais
representativos, de forma que o espectador perceba a dupla mediação.
Cada etapa anexa mais uma camada de significação,
registrando uma forma de arte que nasceu irregistrável,
diz o artista, referindo-se às performances, que nasceram
como crítica à reprodutibilidade na arte. Os três
trabalhos da coletiva, inéditos em São Paulo, mostram
Packer atuando com tapetes e roupas, retrabalhando-os como extensões
do próprio corpo.
Transpor trabalhos de artes plásticas em texto é sempre
uma tarefa complicada. Nas palavras do artista Augusto Sampaio,
se fosse possível expressá-las totalmente por
escrito, seria melhor escrever. Fica então o apelo
para vê-las ao vivo, já que a obra só
se completa com a interpretação do espectador,
conclui Sampaio.
A
Coletiva do Programa de Exposições 2002 abre nesta
quarta, às 19h, e fica em cartaz até 28 de abril,
de terça a sexta, das 10h às 19h, e sábados
e domingos das 10h às 18h. Grátis, no piso Caio Graco
do Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611).
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