Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector, Dentro
da Noite, de João do Rio, O Gerente, de
Carlos Drummond de Andrade, Teleco, o Coelhinho, de
Murilo Rubião e A Luz é como Água,
de Gabriel García Márquez. Os cinco contos têm
a crueldade como elemento de ligação do espetáculo
Verdades, Canalhas que, depois de temporadas no Teatro Laboratório
da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e Teatro
da USP (Tusp) e participação em vários festivais
(muito premiado), volta aos palcos de São Paulo, no Teatro
Cultura Inglesa.
Para conduzir a história, um repórter brinca com a
idéia de sensacionalismo e de verdadeiro, narrando os contos
como se fossem verdades absolutas, só que impressas em folhas
da imprensa marrom. Assim, é o público que deve analisar
e tirar suas próprias conclusões. O jornalista foi
retirado de dois contos, A Luz... e Dentro da
Noite, e substituiu personagens dos outros três textos,
aparecendo tanto em vídeo quanto no palco. é uma forma
de indagação sobre os valores éticos impingidos
pela mídia.
Aliás, o cenário, todo recoberto de jornal, também
é uma referência à mídia. Aparecem ainda
tons de vermelho, representando o sangue, a crueldade. Na trilha
sonora, música instrumental do americano Tom Waitts, e no
figurino, premiadíssimo, de Cláudia Schapira, acessórios
da década de 50 e 60, como chapéu, estola e blusas,
que os atores colocam e tiram a cada quadro.
Verdade
ou mentira
O espetáculo
começa com o jornalista informando ao público
ele sempre se dirige à platéia que tudo pode
ou não ser verdade. Entram em cena os quatro atores da Cia.
Provisório-Definitivo representando as crianças do
conto fantástico A Luz é Como Água:
Mano e Zeca ganham um barco de presente do pai e resolvem fazer
da luz a água para poderem navegar com suas amigas Dedé
e Bibi. Mas não sabem controlar a felicidade de verem objetos
dourados flutuando nessa água, até que se afogam.
Aparece então o jornalista relatando a morte de quatro crianças
por afogamento embora estivessem no 8º andar de um prédio.
Em O Gerente, Samuel, gerente de um banco importante,
é acusado de morder o dedo de senhoras, mas não há
provas que o incrimine. Em todos os casos, algo ocorre no exato
momento em que ele se inclina para beijar a mão de uma mulher.
Rodolfo, personagem de Dentro da Noite, tem a estranha
mania de alfinetar os braços de sua noiva Clotilde até
que sua obsessão toma grandes dimensões e os hematomas
e feridas são descobertos por sua sogra, que o afasta de
sua casa. Ele não encontra outra solução senão
atacar outras vítimas...
Outro conto fantástico, Teleco, o Coelhinho,
é o último a ser apresentado. Nele, Teleco é
um coelho mágico que consegue se transformar em outros animais.
Ele conquista um dono, um homem solitário, e logo arranja
uma namorada, transformando-se em um canguru rebelde e asqueroso.
Seu dono expulsa o casal e Teleco é obrigado pela namorada
a trabalhar em um circo. Doente e arrependido, volta para o dono,
que ao pegá-lo no colo percebe que segura em seus braços
uma criança morta.
Nos intervalos das quatro histórias, são exibidos
em vídeo fragmentos de Felicidades Clandestinas,
com a interpretação de duas crianças, que vivem
as personagens. No texto, uma criança pede o livro emprestado
a outra, que vai protelando sua decisão de emprestar até
que, no final, manda que ela compre o livro. Uma história
real vivida pela própria Clarice Lispector, que quando criança
era muito pobre e pediu emprestado um livro a outra menina, filha
de donos de livrarias.
Assim, a crueza humana se apresenta em várias formas, seja
em personagens cruéis por si mesmos, ou na crueldade como
mote dos textos.
O
espetáculo Verdades, Canalhas fica em cartaz até 2
de maio, quartas e quintas, sempre às 21h, no Teatro Cultura
Inglesa (r. Deputado Lacerda Franco, 333, tel. 3814-0100). Os ingressos
custam R$ 10,00 e R$ 5,00.
|