Pelo
que indicam os resultados de experimentos realizados por pesquisadores
da Faculdade de Medicina da USP, junto com o Laboratório
Catarinense, em uma década ou até menos não
será mais necessário o uso de choque elétrico
em pacientes vítimas de enfarte do miocárdio ou intoxicação.
Para combater a fibrilação ventricular – distúrbio
no músculo cardíaco que se contrai de forma desordenada
e sem controle, impedindo o bombeamento de sangue pelos ventrículos,
e pode causar morte –, bastará a aplicação
de um medicamento intravenoso fitoterápico cujo efeito é
imediato, o Catuama. Fitoterápico utilizado há duas
décadas como energético e estimulante em casos de
impotência sexual, o Catuama é composto por quatro
ervas medicinais – catuaba (Trichilla catigua), gengibre (Zingiber
officinale), guaraná (Paullinia cupana) e muirapuama (Ptychopetalum
olacoides). Trata-se de ótima notícia não só
para idosos hipertensos, mas principalmente para os jovens, que
são mais propensos a ter essa arritmia em casos de enfarte.
As
principais vantagens da droga são a praticidade, pois pode
ser usada em qualquer circunstância e local, inclusive em
ambulâncias de resgate, e o custo, visto que nem todas as
pessoas propensas a enfartes têm recursos para adquirir um
desfibrilador implantável (parecido com um marcapasso), e
nem todos os hospitais têm o aparelho de eletrochoque. Também
é provável que tal medicamento, uma vez utilizado,
iniba futuras fibrilações, mas as pesquisas são
recentes e tal hipótese ainda não pôde ser confirmada.
A única certeza até então é de que o
Catuama causa a desfibrilação. Para garantir os direitos
do efeito dessa nova droga, os pesquisadores requisitaram a patente
no Brasil, nos Estados Unidos, na União Européia e
no Japão, entre junho e agosto deste ano e estão aguardando
sua aprovação.
Coração
de coelho – A descoberta deu-se por acaso durante um experimento
realizado pelo professor Irineu Tadeu Velasco, do Departamento de
Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, e
pela técnica Vera Pontieri, que obteve o notório saber
na USP, a pedido do Laboratório Catarinense, que prosseguia
as pesquisas com o Catuama. O farmacologista João Batista
Calixto, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
havia sido contratado pelo laboratório para fazer o controle
biológico do composto e descobriu, no ano passado, que ele
também tinha efeitos antidepressivos, pois interferia na
captação e na liberação de alguns dos
neurotransmissores responsáveis pela regulação
do comportamento humano.
No
intuito de verificar as possíveis reações colaterais
em idosos, que são propensos a doenças cardíacas,
antes da comercialização do Catuama como antidepressivo
natural, Velasco e Vera fizeram uma pesquisa sobre a contratilidade
miocárdica. Foram utilizados corações de coelhos
em um sistema que simula as condições do tórax
humano, denominado Lagendorff. O coração a ser testado
ficava suspenso e inserido em uma cuba de vidro duplo recebendo
um líquido denominado krebs, que contém todos os nutrientes
do sangue e nutre o coração fazendo com que ele permaneça
funcionando.
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A
pesquisa utilizou corações de coelhos num sistema
que simula as condições do tórax humano |
Após
provocarem intencionalmente o enfarte desses corações
por meio de uma perfusão direta da artéria coronária,
os cientistas notaram que 30% deles fibrilaram espontaneamente.
A primeira atitude seria desprezá-los, mas insistiram em
aplicar 200 microgramas por milímetro de Catuama para verificar
se haveria melhora da contratilidade. Para surpresa dos pesquisadores,
“todos eles reverteram, sem exceção”,
conta Vera, depois de fazer uma análise dos registros de
eletrograma.
O passo seguinte à descoberta foi utilizar o método
de fazer fibrilação controlada em corações
de coelhos desenvolvido por Anezka Carvalho Rubin de Celis e André
Ferrari de Franca Camargo, alunos de iniciação científica
de Medicina da USP. O método consiste em dar um estímulo
elétrico no endocárdio do ventrículo direito
por meio de um eletrodo por cinco minutos para, assim, desorganizar
a corrente elétrica do coração, responsável
pelos batimentos ritmados. “Para ter certeza de que esses
corações não reverteriam a arritmia espontaneamente,
deixamos um grupo fibrilando por cinco minutos, outro por 20 minutos
e o terceiro por meia hora. Depois de colocados em contato com o
Catuama, em pouco menos de dois minutos 100% reverteram”,
explica a técnica, que já teve oportunidade de trabalhar
em Londres com o médico John Vane, ganhador do Prêmio
Nobel de Medicina, em 1982, por ter descoberto os mecanismos de
ação de antiinflamatórios no organismo. “Fiquei
muito emocionada, é algo fantástico e de extrema importância
para a humanidade.” Vera diz que o que a deixa mais feliz
é que tal efeito é causado por um composto produzido
com plantas brasileiras. E as descobertas não pararam por
aí. “Depois que eles desfibrilam, se estimulados de
novo, não voltam a fibrilar, dando a impressão de
um possível efeito protetor”, afirma Velasco.
Depois
de comprovado o efeito, foram também realizados testes em
um equipamento chamado Patch-clamp, um microscópio ultrapotente,
capaz de medir as diferenças de potenciais de células,
que permite descobrir como o Catuama influi nas atividades elétricas
do coração. “A célula tem atividade elétrica
através de troca iônica. Tem os canais de sódio,
potássio e cálcio e cada um produz um tipo de onda
que causa a desfibrilação”, explica. Assim ele
descobriu que o Catuama atua na membrana inibindo o canal de sódio,
mas ainda resta fazer testes nos outros canais. Se o composto interferir
em todos, ele já não pode ser usado como preventivo.
Mas,
de acordo com Velasco, apenas uma, das quatro ervas medicinais que
compõem o Catuama é responsável direta pelo
controle da arritmia, mas ele não pretende divulgar o nome
enquanto a patente desse efeito não for aprovada.
Uma
coisa é certa: para a produção da droga injetável
é preciso trilhar antes um longo caminho. Depois de identificar
os princípios ativos da planta e a molécula responsável
pelo efeito terapêutico, os pesquisadores deverão fazer
testes toxicológicos para saber como é o funcionamento
genético em relação às proteínas
e aos genes envolvidos em doenças cardíacas. Serão
necessários, pelo menos, de oito a dez anos para se ter o
desenvolvimento completo de um produto sintético testado
em humanos e sua posterior comercialização. O custo
estimado é de US$ 200 milhões a US$ 500 milhões
e será necessário que o Laboratório Catarinense
busque novas parcerias, principalmente com multinacionais, para
que as pesquisas prossigam. “Esse laboratório teve
o mérito de investir em pesquisa, o que é raro hoje
no Brasil”, diz o professor. Sabe-se que 3% do faturamento
do Laboratório Catarinense, localizado em Joinville, é
destinado a pesquisas e 85% de sua receita é proveniente
de fitoterápicos, como o Catuama.
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Velasco
e Vera: descoberta poderá trazer, a médio prazo,
grandes benefícios para o ser humano |
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