PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Stella: curvas, torções e contorções



A
obra de Frank Stella se apresenta como agente catalisador. É dotada de uma energia plástica que extravasa os limites da tela e ganha o espaço real. As suas criações convidam à interatividade. É um dos pioneiros do minimalismo, com suas célebres telas negras do final de 1950. Na evolução de sua produção, transforma-se em referência de uma exuberância pictórica, através de suas acumulações e obras repletas de curvas, torções e contorções.

Para Ronaldo Brito, antes Stella “agia por subtração, agora o faz por saturação”. Valoriza mais o processo do que o produto final. Apresenta um universo aparentemente caótico, absorvendo todos os elementos ao redor. Hoje, o que pode oferecer a inteligência voraz desse artista?

Frank Philip Stella nasce em 12 de maio de 1936 em Malden, Massachusetts. Estuda pintura na Philips Academy e, posteriormente, arte e história na Universidade de Princeton. Em fins da década de 1950, logo após o término da graduação, transfere-se para a cidade de Nova York, que está em especial efervescência com a presença de artistas como Jackson Pollock, Willem De Kooning, Franz Kline e Barnett Newman, entre outros.

“Vim para Nova York porque queria, porque me sentia atraído pela pintura americana do pós-guerra (...). Quando vi as pinturas de Franz Kline, quando vi a pintura abstrata, simplesmente comecei, já estava a caminho de Nova York” (entrevista de Frank Stella para Vanda Klabin, em 2004).


Caminho alternativo

No início de sua trajetória, sua obra é marcada pelas influências do expressionismo abstrato de Jackson Pollock. Mas, depois de sua mudança para Nova York, sua produção passa por grandes alterações. Entre 1958 e 1960, com a série de 23 telas conhecidas como Black paintings, Frank Stella anula referências ou efeitos ilusionistas e cria “imagens não-relacionais”. Constrói um padrão linear, organizando uma estrutura de faixas paralelas. Com a frase What you see is what you see (O que você vê é o que você vê), propõe os elementos da planaridade absoluta da sua pintura, construindo uma lógica para seu sistema visual.

É o momento do rigor geométrico fundamentado sobre a simetria, a regularidade e a repetição serial. Em seu minimalismo, Stella elimina a cor, usando tinta preta e, depois, cinza-metálica e acobreada, para reduzir a idéia de ilusão. Ao privilegiar a unicidade e a homogeneidade da superfície da tela – o all over –, expressa uma das vertentes do movimento minimalista. Essas pinturas fazem parte da exposição Sixteen Americans (Dezesseis americanos), em 1959, no MoMA.

No entanto, o programa redutivo de Stella o leva por caminho alternativo: opta pelo fim da austeridade, substituindo as fitas de uma só cor por múltiplas cores e tonalidades que imediatamente se prestam a interpretações espaciais. A arte de Stella não leva em consideração os limites retangulares das telas tradicionais, lembrando sempre que, não importa quais conotações suas pinturas possam evocar, continuam a ser essencialmente objetos coloridos.

Embora os primeiros trabalhos de Stella utilizem enorme variedade de cores, em telas moldadas (telas em formato diferente dos tradicionais retangular ou quadrado, às vezes em formato de L, N, U ou T) os formatos diferenciados são largamente explorados em vários momentos, como na série Irregular polygons, durante a década de 1960.

Ao lado do inesperado formato de seus trabalhos, ocorrem a multiplicidade de suas escolhas, novos caminhos estéticos e a utilização de diversos materiais. A partir de 1963, sua produção passa a ser conhecida como “séries”. As primeiras obras têm caráter bidimensional. Os espaços se apresentam em constante expansão e cada vez mais hipersaturados. Os planos se multiplicam em complexo jogo entre duas e três dimensões. O resultado passa a ser conhecido como as Shaped canvases, marcando o esforço para dar “fisicalidade a uma forma” ou a construir superfícies sobre as quais Stella passa a pintar.

“Durante os anos 60, a noção de trabalhar num grupo de séries foi explorada por mim praticamente até o limite. Foram algumas séries ou variações sobre o mesmo tema (...). Tem a ver com trabalhar com alguma coisa e prosseguir até o fim” (entrevista a Vanda Klabin, em 2004).

Transformação

Na década de 1970, o estilo de Stella passa por uma profunda transformação. As delineações geométricas cuidadosamente construídas, executadas em planos lisos de cor, são substituídas por um estilo “solto”, com reminiscências do grafite. As telas com formatos diferentes atingem formas ainda menos regulares na série Eccentric polygon, e elementos de colagem são introduzidos, como peças de telas sendo coladas na madeira compensada, por exemplo.

A produção de Stella torna-se mais tridimensional. Surge a série em grande escala ou os “maximalistas” – espaços pictóricos capazes de envolver gestos plásticos “imaginativos ou físicos”. Produz peças de metal que não se prendem a nenhum lugar e, apesar de serem pictóricas, podem ter a atribuição tridimensional. Os trabalhos em série são mais recorrentes nessa época. Entre eles, destaca-se Brazilian, relevos de metais com títulos de áreas do Rio de Janeiro.

Entre 1970 e 1973 é criada a importante série Polish village. Massas e volumes são intensificados. Stella assinala que Polish village constitui momento de abertura para novas possibilidades plásticas: “construir e depois pintar”. O artista substitui a tela pela madeira e, nas séries seguintes, passa a utilizar o metal.

Cria as pinturas-construções, grandes, arqueadas, com várias partes tridimensionais que incorporam cores brilhantes, versões aumentadas de curvas francesas, e modelos de pinceladas vivas. Nesse momento, Stella produz um número expressivo de obras para espaços públicos, e a tridimensionalidade abre caminhos para experiências arquitetônicas, como a elaboração de uma concha acústica para a cidade de Miami.

No momento seguinte imprime novo ritmo à superfície. Aplica curvas, materiais diversos, assemblages, cores metálicas e fluorescentes. O seu ateliê passa a armazenar grande quantidade de estruturas metálicas e modelos dos relevos. As suas experimentações acumulam cada vez mais elementos, tais como fibra de vidro, malhas de alumínio, treliças, feltro, madeira e vários outros materiais. Esses elementos estão presentes nas peças mais recentes, caracterizadas pelo volume e monumentalidade.
Produz novas séries de relevos metálicos pintados de um desenfreado barroquismo e fatura complexa: Circuit series (1980-1984), inspiradas nos circuitos das corridas automobilísticas; Cones and pillars series, com monumentais elementos geométricos; Wave series (a partir de 1986). Em 1991, expõe esculturas compostas por fios, grandes peças metálicas.

Obras tridimensionais

O trabalho de Stella torna-se totalmente tridimensional no início da década de 1990, em uma série de obras densas e abstratas, composta de elementos de fundo e molde em bronze e aço inoxidável. Essas paredes sem pintar e às vezes de metal, com as suas formas entrelaçadas, em camadas circulares, projetam um ar de vibração e espontaneidade. Em 1990 executa obras tridimensionais, como O púlpito. Em 1992 realiza desenho arquitetônico para o Museu de Arte Moderna de Desdren, retrospectiva em 1987, no MoMA, e, em 1996, retrospectiva em Munique. Uma de suas esculturas mais importantes e monumentais é Prince of Homburg (1995-2001), instalada do lado de fora da Galeria de Artes East Building, em Washington, D.C.

Em 2004, Frank Stella participa, no Brasil, da exposição Frank Stella e Nuno Ramos: Afinidades e Diversidades, onde apresenta o painel The founding (n#6), com curadoria de Vanda Klabin. Nessa obra de grandes proporções (16 m x 4,60 m), que ocupa totalmente o campo visual do observador, Stella utiliza acrílica, aerógrafo, linóleo e resina plástica, gerando um campo expressivo para a descoberta da fatura da obra.

Nesse painel não há um centro de atrações – o olho transita por toda a extensão da obra. O artista motiva o visitante a ser tornar “um viajante cósmico”. Através de texturas elaboradas, colagens, mix de tintas, “splash” com efeitos metálicos e fluorescentes, Stella introduz o viajante, desloca-o ora em “velocidade”, ora em “câmara lenta”, intercepta-o com novas rotas.

Os que navegam pelo emaranhado ritmo dessas massas cromáticas são envolvidos pelas tramas do grande painel ou percebem-no em efeitos de volumes que se projetam da tela. Hoje, em obras como The founding (n#6), Stella busca um universo de referências que se soma ao seu processo poético.

A obra permite uma viagem libertadora e, ao mesmo tempo, um reencontro com fragmentos, texturas e efeitos cromáticos concebidos em fases anteriores. O artista – um apaixonado por carros de corrida e velocidade –, nessa seqüência, coloca o visitante em “uma nave cromática”. Alguns tons, em regiões chapadas, constituem reminiscências muito distantes do minimalismo. São contrapontos; pontuam, também, a idéia de tempo e espaço na experiência desse macrouniverso.

Elza Ajzenberg é diretora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]