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Frans Krajcberg – A obra que não queremos ver, de Renata Sant’Anna e Valquíria Prates, Editora Paulinas, R$ 31,00.

 


fotos: francisco emolo
fotos: francisco emolo

Renata Sant’Anna era uma menina de olhos redondos e cabelo bem liso dividido do lado e preso por uma fita branca. Não gostava de ler, preferia mesmo era desenhar. Cresceu pintando, ouvindo o pai contar as histórias de Monteiro Lobato e olhando as imagens dos inúmeros livros que habitavam a sua casa. Sonhava o tempo todo. Adorava desenhar na areia das praias da cidade de Santos, onde nasceu e cresceu. Queria ser artista. Aos 9 anos, foi pintar na Escola Artelândia e quando cresceu veio para São Paulo estudar Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado.

No bairro da Mooca, em São Paulo, uma outra menina de cabelos cacheados e muito irrequieta esparramava os livros no chão. Mal sabia falar e fazia de conta que sabia ler. Contava para a irmã mais nova as histórias que a mãe lia antes de dormir. Foi assim que Valquíria Prates aprendeu a olhar atentamente as ilustrações. Lia as formas e cores. O pai, toda sexta-feira, a presenteava com uma sacola cheia de novos livros. Um dia seria escritora. Foi estudar na Escola País das Maravilhas. E quando cresceu resolveu fazer Letras na Universidade de São Paulo.

fotos: reprodução
A casa onde vive o artista, no sul da Bahia: sonho de criança

O tempo passou. As duas foram trabalhar com arte e educação no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Ficaram amigas. E hoje estão escrevendo livros de arte para crianças. Livros como elas gostavam de folhear e que fazem parte de uma coleção especial da Editora Paulinas. Com muitas obras, cores e histórias. Neste mês, elas apresentam Frans Krajcberg, um artista que mora em Nova Viçosa, no sul da Bahia, e que realizou o sonho de muitas crianças: a sua casa foi construída no topo de uma árvore, a 12 metros do chão. E, o mais importante, Krajcberg defende, através da sua arte, as florestas do Brasil e mostra o quanto é importante o homem se integrar com a natureza.

Uma lição que Renata e Valquíria ensinam entre pinturas, gravuras e esculturas. Com muita criatividade, elas incentivam as crianças a observar a natureza por meio da arte, a imaginar e criar.

fotos: reprodução

A árvore que virou carvão – Frans Krajcberg denuncia as ações do homem destruindo as florestas. Usa os restos das queimadas para construir a sua obra, transformando a arte em um manifesto para defender o ambiente.

O som da madeira crepitando, dos galhos e de árvores que quebram e caem após os incêndios provocados pelo homem, deixando para trás milhares de hectares destruídos. Esse som é o grito de Krajcberg.

Com essa linguagem simples, as autoras mostram a função social da arte. “Procuramos enfocar a atitude da obra do artista, na defesa do ambiente”, explicam. Renata e Valquíria conseguem mostrar para as crianças algo que para os adultos parece ser muito complicado. Ou seja, o processo criativo e mental do artista na elaboração de sua arte. Através das imagens, a criança consegue entender a destruição da natureza e, ao mesmo tempo, como o artista se utiliza das cores, texturas e contornos das folhas, pedras e galhos para fazer as suas obras.

“Vou para a floresta e me sinto tão queimado quanto as árvores”, diz o artista. Cansado da violência do homem contra o homem, ele encontrou na natureza sua inspiração, a possibilidade de viver e trabalhar.

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Obras de Krajcberg: “Vou para a floresta e me sinto tão queimado
quanto as árvores”, diz o artista, que, cansado da violência do homem contra o homem, encontrou na natureza sua inspiração

Além de apresentar os trabalhos e o pensamento de Krajcberg, o livro é acompanhado por um caderno-ateliê, incentivando a criança a exercer também a criatividade e a perceber que a arte está no cotidiano, entre as coisas mais simples. “Desenhar é um exercício de observação, uma maneira de olharmos com atenção para detalhes que nunca havíamos notado”, explicam as autoras. “Chegue bem perto de uma flor ou folha. Olhe atentamente suas partes, cores, texturas e contornos. Desenhe o que você achou mais interessante. Imagine como você a veria se ela fosse maior que você. Como se você pudesse andar sobre suas pétalas e folhas. Faça outro desenho e o compare com o primeiro. Em que eles são parecidos ou diferentes? Por quê?”

Renata e Valquíria lembram que Krajcberg recolhe terra, pedras e galhos e os organiza em novos espaços para construir seus quadros-objetos. Um exemplo que pode muito bem ser seguido pela garotada. Ensinam: “Em seu próximo passeio em um parque, praça ou jardim, recolha galhos, folhas secas ou outros elementos descartados pela natureza e leve tudo para sua casa. Para transformá-los em quadros ou placas, pegue a tampa de uma caixa de sapato ou de pizza e distribua os objetos coletados, ocupando todo o espaço livre. Experimente colocá-los de várias maneiras diferentes. Quando achar que terminou e quiser que os elementos fiquem fixados, passe bastante cola branca entre eles. Deixe secar por 48 horas e escolha um local para pendurar seu exercício”.

Até a demorada técnica dos relevos em papel que o artista cria com tanta originalidade pode ser recriada pelas crianças. Renata e Valquíria orientam: “Recolha uma folha seca de árvore ou planta ornamental de sua casa. Passe sobre ela uma camada fina de vaselina. Prepare numa bacia uma mistura com dois copos de água e cinco colheres de cola branca. Corte três folhas de jornal em tiras de 2 centímetros de largura por 30 centímetros de comprimento. Mergulhe uma tira na mistura da bacia e coloque-a sobre sua folha, na horizontal, cobrindo-a da esquerda para a direita. Repita essa ação até cobrir completamente a folha, colocando algumas tiras na vertical, outras na horizontal e outras na diagonal, fazendo várias camadas de papel que cubram a área ao redor da folha também. Deixe secar por 48 horas. Separe cuidadosamente sua folha da superfície do jornal. Pinte seu relevo com as cores que escolher”.

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Como um pássaro – Diante desses exercícios que também podem ser orientados pela mãe ou pela professora, as educadoras Valquíria e Renata acreditam que as crianças não vão mais esquecer da história e da obra de Frans Krajcberg, que, segundo o livro, “é como um pássaro que migra de um local a outro à procura de um lugar para seu ninho”.

Krajcberg é um dos grandes representantes da arte contemporânea brasileira e já expôs em várias partes do mundo. Tem dois ateliês: um em Nova Viçosa, na Bahia, e outro em Paris, França. Nasceu na Polônia (Kozienice), em 1921, combateu no exército soviético russo durante a Segunda Guerra Mundial, quando perdeu toda a sua família. Foi para a Alemanha e estudou na Escola de Belas Artes de Stuttgart.

Chegou no Brasil em 1948, veio morar em São Paulo, trabalhando como pedreiro, faxineiro. Até que em 1951 foi trabalhar na montagem da 1a Bienal de São Paulo e operário no Museu de Arte Moderna (MAM). O convívio com os artistas o incentivou a desenvolver paralelamente a sua própria pintura. Um ano depois, realizou a sua primeira individual no MAM. Morou em diversas cidades brasileiras, mas desde 1973 está na Bahia. Vem apresentando os seus trabalhos na defesa da preservação da Amazônia e do Pantanal em Oslo, Milão, Paris, Jerusalém e Roma, entre outras metrópoles.


Ler, ver e criar

Orientar as crianças no aprendizado e convívio com a arte é a proposta das educadoras Renata Sant’Anna e Valquíria Prates. Através da coleção Arte à Primeira Vista, elas pretendem apresentar a obra e a vida dos artistas contemporâneos brasileiros. O primeiro livro da série trouxe a história de Lygia Clark. Agora é a vez de Frans Krajcberg. Os próximos serão: Leonilson, Iberê Camargo, Anna Bella Geiger e Regina Silveira.
Renata e Valquíria acreditam que esses livros podem colaborar no ensino da arte nas salas de aulas. Explicam que a falta de recursos das escolas, o desconhecimento sobre os processos de aprendizagem em arte na infância e as dificuldades de acesso a instituições culturais limitam o trabalho dos professores no ensino da arte. “É necessário levarmos em consideração, também, que muitas escolas não desenvolvem um trabalho sistemático na área e não têm como prática levar os alunos às exposições. Sendo assim, o ensino da arte para crianças é freqüentemente centrado na aprendizagem de técnicas com materiais didáticos limitados”, argumentam. “Diante desse panorama, baseadas em nossa atuação com crianças e professores em museus e escolas públicas, consideramos que os livros de arte para crianças são um recurso fundamental no processo de aprendizagem da arte. Privadas de um contato com a arte em seus poucos espaços,
o livro torna-se, muitas vezes, o único contato delas com
a obra de arte.”

As autoras consideram que, apesar do aumento do número de edições de livros infantis, a maioria dos títulos se dedica a apresentar a arte moderna com biografias de pintores estrangeiros. As produções nacionais existem em menor número e a maior parte se concentra também em mostrar a pintura brasileira com enfoque na biografia e não no processo de criação do artista. “Após uma extensa pesquisa sobre essas publicações, constatamos que o número de livros voltados para apresentar a arte contemporânea brasileira para crianças é pequeno.

São poucas as obras que mostram artistas gravadores, escultores ou fotógrafos. Ainda mais raras são publicações sobre arte contemporânea com trabalhos de artistas que se utilizam de diferentes espaços e mídias e transgridem os lugares convencionais da arte.”

Ao considerar as dificuldades do ensino da arte no sistema educacional brasileiro, Renata e Valquíria resolveram criar a coleção, com o objetivo de despertar nas crianças o interesse pela produção artística atual, como forma de compreender o pensamento e as manifestações culturais da sociedade contemporânea.


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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