São Paulo, 
cidadania
24/07/2002
Serviço militar obrigatório no Brasil
está em queda
Estudo analisa a origem, a situação atual e as perspectivas para o futuro do serviço militar obrigatório no país. Com esta queda, discute-se a profissionalização do serviço militar com base na adesão voluntária
Júlio
Bernardes

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"O receio histórico da perda de contato com a sociedade e a possível dificuldade de atrair os jovens em períodos de prosperidade econômica dificultam a mudança do modelo de serviço militar"
Estudo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra que o número de jovens que têm realizado o serviço militar obrigatório está em queda. Em sua dissertação de mestrado O Serviço Militar, Democracia e Defesa Nacional: Razões da Permanência do Modelo de Recrutamento no Brasil, Paulo Roberto Loyolla Kuhlmann analisa a origem, a situação atual e as perspectivas para o futuro do serviço militar obrigatório no Brasil.

Em 1987 foram alistados 1.392.738 jovens e 129.898 foram incorporados - 9,33% do total de alistamentos. Em 2001, apesar de terem sido realizados 1.513.864 alistamentos, apenas 77.761, o que corresponde a 5,14%, foram incorporados às unidades militares. Kuhlmann observa que as Forças Armadas convocam apenas o necessário para completar o efetivo. "A incorporação universal de todos os jovens de 18 anos seria inviável economicamente falando, pois os gastos com alimentação, fardamento, alojamento, soldo, etc. seriam muito grandes", afirma.

Diante da queda do número de alistamentos, discute-se a profissionalização do serviço militar, com base na adesão voluntária. "A profissionalização é característica dos países de tradição democrático-liberal. Na Inglaterra, Canadá e Austrália o sistema é de voluntários e profissionais há bastante tempo; nos EUA, a profissionalização ocorreu após o conflito no Vietnã. Alguns países da Europa estão em processo de mudança de modelo de incorporação, como Portugal, Espanha, Itália e França; na América Latina, o Uruguai, o Peru e a Argentina têm incorporação totalmente baseada no voluntariado", relata. " O Chile flexibilizou a incorporação, priorizando os voluntários; se não são completadas as vagas, é feita a convocação obrigatória. O Brasil poderia adotar um sistema semelhante".

Kuhlmann observa que a profissionalização das Forças Armadas e o fim do serviço obrigatório dependem de questões financeiras, administrativas e políticas. "O receio histórico da perda de contato com a sociedade e a possível dificuldade de atrair os jovens em períodos de prosperidade econômica dificultam a mudança do modelo de serviço militar", afirma. "Os salários dos recrutas são baixos, e os de soldados profissionais necessariamente seriam maiores".

Objeção de consciência
Uma alternativa pouco conhecida para os que não desejam realizar o Serviço Militar Obrigatório é a objeção de consciência, incluída na Constituição de 1988. O dispositivo legal permite que um jovem que, por motivos filosóficos, religiosos ou políticos, não queira servir tenha uma alternativa ao serviço militar, mas observa que a lei que regulamentou a objeção tornou-a inviável. "Nenhum ministério civil se prontificou a abrir estas alternativas, e, mesmo que o jovem realizasse o serviço alternativo, teria de realizar o compromisso à bandeira, o que entra em choque com a convicção religiosa de alguns, pois ainda assim se comprometeriam a defender a Pátria com o sacrifício da vida", afirma. "Além disso, há desconhecimento desta lei por parte dos jovens, no Brasil, diferentemente do que ocorre na Alemanha, onde o índice de recurso à escusa de consciência é alto."

O pesquisador relata que, durante a regulamentação da objeção de consciência, houve a iniciativa no Congresso de criar o serviço civil obrigatório, por meio de emenda constitucional. "Este serviço estaria voltado para todos os que fossem eliminados no processo do serviço militar obrigatório: os isentos, os dispensados e os que alegarem razões religiosas, filosóficas ou políticas para eximirem-se da atividade militar", diz. Entretanto o artigo constitucional não foi alterado. Em substituição, surgiu o serviço civil voluntário, criado pelo Ministério da Justiça.

No serviço civil voluntário, segundo Khulmann, "jovens excluídos socialmente têm sido integrados por meio de aulas de direitos humanos, prestação de serviços à comunidade, elevação da escolaridade básica e qualificação profissional, exercendo-se uma atividade socializante". O pesquisador aponta que o serviço militar tem recrutado a maioria dos jovens que no mínimo já tenham concluído a 7ª série, para poderem cumprir razoavelmente as atividades nos quartéis, enquanto o serviço civil voluntário tem atingido comunidades carentes e pessoas com menor grau de instrução. "É o Estado ocupando espaços, por outras vias, que antes ocupava apenas através das Forças Armadas."





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(0XX19) 3744-2016, com Paulo Khulmann

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