"Os médiuns apresentaram,
em média, quatro sintomas de primeira ordem para diagnóstico
de esquizofrenia, mas a presença desses sintomas não
indicou a existência de nenhuma doença mental" |
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Na literatura científica, muitas vezes os médiuns (que
se comunicam com espíritos) são descritos como pessoas
de baixa escolaridade e renda. Sua mediunidade deve ser entendida
como um "mecanismo de defesa contra as opressões sociais",
ou como manifestação de algum quadro dissociativo ou
psicótico.
No entanto, um estudo realizado pelo psiquiatra Alexander Moreira
de Almeida com médiuns espíritas da cidade de São
Paulo mostrou um perfil diferente: os médiuns apresentaram
um alto nível socioeducacional e uma prevalência de transtornos
mentais menor do que a encontrada na população em geral.
Almeida constatou que 46,5% das pessoas tinham curso superior, 76,5%
eram mulheres, menos de 3% estavam desempregados, e a idade média
era de 48 anos. A maioria era espírita há mais de 16
anos, vieram de famílias não-espíritas e as vivências
mediúnicas começaram na infância.
"Esse perfil sociodemográfico se encaixa no último
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
que mostra um crescimento da proporção de espíritas
conforme aumenta a escolaridade da população",
comenta o psiquiatra, que apresentou sua tese de doutorado à
Faculdade de Medicina (FMUSP), com orientação do professor
Francisco Lotufo Neto.
Os participantes do estudo atuam em nove centros espíritas
kardecistas da Capital, pertencentes à Aliança Espírita
Evangélica. O médico aplicou um questionário
sóciodemográfico a 115 médiuns antes e depois
das sessões espíritas. Eles também responderam
a questões referentes à atividade mediúnica.
Almeida ainda utilizou os questionários SRQ (Self-Report Psychiatric
Screening Questionnaire), que rastreia a presença de transtornos
mentais, e o EAS (Escala de Adequação Social), que mostra
como a pessoa se relaciona em sociedade.
A partir dos resultados foram selecionados 24 médiuns. Eles
foram analisados pelo SCAN (Schedules for Clinical Assessment in Neuropsychiatry),
um tipo de entrevista psiquiátrica padrão e pelo DDIS
(Dissociative Disorders Interview Schedule), um questionário
que detecta transtornos dissociativos (quando uma parte da mente funciona
de forma independente). "É nessa categoria que os transes
mediúnicos são habitualmente encaixados", explica
o médico.
Transes X esquizofrenia
A escala DDIS investiga a presença de 11 sintomas de primeira
ordem para o diagnóstico de esquizofrenia - vozes dialogando
na sua cabeça, vozes comentando as suas ações,
ter suas ações produzidas ou controladas por alguém
ou algo fora de você, entre outros. "Os médiuns
apresentaram, em média, quatro deles, mas a presença
dos sintomas não indicou a existência de nenhuma doença
mental", afirma. "Além disso, eles também
apresentaram uma boa adequação social e demonstraram
ter uma saúde mental melhor que a da população
em geral". Não houve correlação entre freqüência
de atividade mediúnica e problemas mentais ou desajuste social.
O médico ressalva que os resultados da pesquisa se referem
especificamente a médiuns em atividades regulares em centros
espíritas. "Para eles trabalharem nos centros são
necessários dois anos de cursos, além da participação
semanal nas reuniões mediúnicas", afirma.
Almeida é membro do Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais
e Religiosos (Neper) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da FMUSP. O núcleo tem como objetivo estudar as questões
religiosas e espirituais segundo o enfoque científico, sem
vínculo com nenhuma corrente filosófica ou religiosa.
"Durante muito tempo a Psiquiatria encarou a mediunidade como
um transtorno mental", conta. "Só a partir das décadas
de 50 e 60 é que houve uma mudança de mentalidade, e
essas manifestações passaram a ser vistas como sendo
não-patológicas quando vivenciadas dentro de uma religião."
De acordo com Almeida, o último censo do IBGE mostrou que o
espiritismo ocupa a quarta posição entre as religiões
praticadas no Brasil, país com a maior população
espírita do mundo. A tese está disponível para
consultas no Portal
Conhecimento.
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