"Eles picham, sobretudo, para seus
pares. O protesto existe, mas não é central, não
tem um alvo muito definido" |
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Uma
organizada rede de sociabilidade - esse é o principal elemento
que sustenta e incentiva o ato de pichar na cidade de São Paulo.
"Claro que existe a transgressão, mas o que explica como
e por que se picha é, antes de tudo, a articulação
social desses jovens", afirma o antropólogo Alexandre
Barbosa Pereira.
Durante quatro anos, o pesquisador estudou o que chama de "circuito
da pichação". A atividade de pichar, segundo ele,
está relacionada à organização espacial
e social da metrópole. "Ser da periferia, das 'quebradas'
da cidade, é um aspecto muito forte na construção
da identidade desses jovens. É isso o que os marca como iguais.
Para um jovem de classe média, por exemplo, é muito
difícil entrar nesse circuito."
Pereira freqüentou alguns dos "points" dos pichadores.
O principal deles fica na rua Vergueiro, área central da cidade.
Lá, jovens de todas as regiões de São Paulo se
reúnem todas as terças à noite. Além de
conversarem sobre feitos, conflitos entre grupos de pichadores e perseguição
da polícia, eles trocam "folhinhas", papéis
em que cada pichador registra sua assinatura, em letras estilizadas.
Conflitos e amizades
Os pichadores se dividem em grupos, cada um com sua "marca"
(nome). Geralmente, esses grupos congregam jovens de uma determinada
região da cidade. As "grifes" são alianças
entre certos grupos, reunindo pessoas de várias áreas.
Dessa forma, surgem redes de troca e proteção, grifes
amigas e inimigas.
Pereira diz que os conflitos costumam surgir nas relações
pessoais. "A maior ofensa entre os pichadores é o que
eles chamam de 'atropelar' a pichação do outro, ou seja,
pichar sobre a marca do outro", revela o antropólogo.
As brigas, entretanto, são moderadas e têm um papel na
sociabilidade: elas estimulam a competição. "Há
um equilíbrio entre conflitos e amizades." É nesse
aspecto que os grupos de pichadores se diferenciam das gangues norte-americanas.
Enquanto elas defendem seus "guetos" e se enfrentam em conflitos
violentos, o que os pichadores querem não é demarcar
um território específico, mas deixar sua marca nos lugares
mais distantes e de mais difícil acesso na cidade.
Transgressão
O pesquisador enfatiza que a transgressão também é
um elemento que ajuda a explicar os motivos da pichação.
Mas ele não é tão forte como a rede de sociabilidade.
"Eles picham, sobretudo, para seus pares. O protesto existe,
mas não é central, não tem um alvo muito definido."
A transgressão está, por exemplo, nos nomes dos grupos,
como Delinqüentes, Arteiros, Acusados, Os
mais imundos e Lixomania. "A referência constante
à sujeira surge da marginalização da pichação
na sociedade. Aquilo que não se entende é considerado
lixo", explica o antropólogo.
Segundo Pereira, a cidade de São Pauto tem um padrão
estético próprio de pichação. Geralmente,
elas incluem a "marca" do grupo - em letras ilegíveis
para os que estão fora do circuito - e os nomes abreviados
dos pichadores. O antropólogo conta que, durante sua pesquisa,
chegou a acompanhar alguns jovens em suas incursões
por São Paulo e aprendeu a decifrar seus códigos. Ou,
como ouviu de um dos pichadores, "aprendeu a ler o muro".
A dissertação de mestrado de Pereira foi defendida
em outubro deste ano na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP.
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