São Paulo, 
antropologia
06/12/2005

Rede de relacionamentos e trocas é a principal motivação dos jovens pichadores

Pesquisa apresentada na FFLCH destaca a importância da sociabilidade para os pichadores de São Paulo. Durante quatro anos, antropólogo visitou "points" freqüentados por esses jovens na cidade de São Paulo
Flávia
Souza

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"Eles picham, sobretudo, para seus pares. O protesto existe, mas não é central, não tem um alvo muito definido"
Uma organizada rede de sociabilidade - esse é o principal elemento que sustenta e incentiva o ato de pichar na cidade de São Paulo. "Claro que existe a transgressão, mas o que explica como e por que se picha é, antes de tudo, a articulação social desses jovens", afirma o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira.

Durante quatro anos, o pesquisador estudou o que chama de "circuito da pichação". A atividade de pichar, segundo ele, está relacionada à organização espacial e social da metrópole. "Ser da periferia, das 'quebradas' da cidade, é um aspecto muito forte na construção da identidade desses jovens. É isso o que os marca como iguais. Para um jovem de classe média, por exemplo, é muito difícil entrar nesse circuito."

Pereira freqüentou alguns dos "points" dos pichadores. O principal deles fica na rua Vergueiro, área central da cidade. Lá, jovens de todas as regiões de São Paulo se reúnem todas as terças à noite. Além de conversarem sobre feitos, conflitos entre grupos de pichadores e perseguição da polícia, eles trocam "folhinhas", papéis em que cada pichador registra sua assinatura, em letras estilizadas.

Conflitos e amizades
Os pichadores se dividem em grupos, cada um com sua "marca" (nome). Geralmente, esses grupos congregam jovens de uma determinada região da cidade. As "grifes" são alianças entre certos grupos, reunindo pessoas de várias áreas. Dessa forma, surgem redes de troca e proteção, grifes amigas e inimigas.

Pereira diz que os conflitos costumam surgir nas relações pessoais. "A maior ofensa entre os pichadores é o que eles chamam de 'atropelar' a pichação do outro, ou seja, pichar sobre a marca do outro", revela o antropólogo. As brigas, entretanto, são moderadas e têm um papel na sociabilidade: elas estimulam a competição. "Há um equilíbrio entre conflitos e amizades." É nesse aspecto que os grupos de pichadores se diferenciam das gangues norte-americanas. Enquanto elas defendem seus "guetos" e se enfrentam em conflitos violentos, o que os pichadores querem não é demarcar um território específico, mas deixar sua marca nos lugares mais distantes e de mais difícil acesso na cidade.

Transgressão
O pesquisador enfatiza que a transgressão também é um elemento que ajuda a explicar os motivos da pichação. Mas ele não é tão forte como a rede de sociabilidade. "Eles picham, sobretudo, para seus pares. O protesto existe, mas não é central, não tem um alvo muito definido." A transgressão está, por exemplo, nos nomes dos grupos, como Delinqüentes, Arteiros, Acusados, Os mais imundos e Lixomania. "A referência constante à sujeira surge da marginalização da pichação na sociedade. Aquilo que não se entende é considerado lixo", explica o antropólogo.

Segundo Pereira, a cidade de São Pauto tem um padrão estético próprio de pichação. Geralmente, elas incluem a "marca" do grupo - em letras ilegíveis para os que estão fora do circuito - e os nomes abreviados dos pichadores. O antropólogo conta que, durante sua pesquisa, chegou a acompanhar alguns jovens em suas incursões por São Paulo e aprendeu a decifrar seus códigos. Ou, como ouviu de um dos pichadores, "aprendeu a ler o muro".

A dissertação de mestrado de Pereira foi defendida em outubro deste ano na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.





· vínculos:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

· mais informações:
alexandrepereira@ig.com.br, com Alexandre Barbosa Pereira

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