"Muitas vezes a família
quer manter as crianças na escola, mas é necessário
que essa troca do trabalho pelo estude compense, com o oferecimento
de uma boa educação e estrutura" |
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Crianças e adolescentes que trabalham até duas horas
por dia não apresentam redução significativa
em seu desempenho escolar. Entretanto, cada hora diária a mais
de trabalho implica em uma diminuição no rendimento.
Com base nos dados do Sistema de Avaliação da Educação
Brasileira (SAEB), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP), o economista Márcio Eduardo Garcia Bezerra procurou
avaliar como o trabalho infantil afeta a atuação destes
alunos, comparando-a entre os que trabalham e os que não trabalham.
As informações do SAEB referem-se aos estudantes das
4ª e 8ª séries do ensino fundamental, e do 3º
ano do ensino médio, nas disciplinas de português e matemática.
"Ao todo, o sistema avaliou 6.720 escolas e cerca de 300 mil
alunos", conta Bezerra.
Nas três séries avaliadas, os estudantes que trabalham
dentro do domicílio sofrem muito menos do que aqueles que trabalham
fora. "Em casa, as atividades são mais leves e mais fiscalizadas
pelos pais. No ambiente externo, elas podem ser mais insalubres",
explica o economista. Aqueles que trabalham nos dois ambientes têm
um prejuízo ainda maior, devido à dupla jornada, com
maior esforço, e menor tempo para se dedicarem aos estudos.
Os efeitos negativos do trabalho no desempenho escolar, tanto em matemática
como em português, foram maiores para os meninos do que para
as meninas em todas as séries, exceto em matemática
na 3ª série do ensino médio. "Os efeitos do
trabalho domiciliar são mais sentidos pelas meninas numa faixa
etária mais elevada, na qual é habitual cuidar dos irmãos
mais novos e dos afazeres domésticos" explica Bezerra.
Quantidade de horas
As atividades que duram até duas horas têm um efeito
pequeno, algumas vezes até nulo, no desempenho dos alunos,
dependendo da disciplina e da série. Para o economista, "isso
pode ocorrer porque o tempo destinado ao trabalho não compete
com o do estudo. Ou então, a atividade tem o objetivo de disciplinar
a criança, como por exemplo, dedicar algumas horas a arrumar
e pôr seus pertences em ordem. Cada hora a mais de trabalho,
por dia, implica em uma diminuição do desempenho escolar
dos estudantes".
Os mais prejudicados foram aqueles que trabalhavam entre sete horas
ou mais por dia, com uma diminuição média de
18 pontos ao trabalhar nos dois ambientes. Os que exercem atividades
somente em casa, têm perda de seis a nove pontos; e os que trabalham
fora do domicílio, 12 pontos. "As perdas são parecidas
na 4ª e 8ª séries do ensino fundamental, mas superiores
na 3ª série do ensino médio, que sofreu mais os
efeitos negativos do aumento do número de horas sobre o desempenho
escolar, dada uma porcentagem maior de alunos trabalhando mais horas".
O atraso escolar (causado pela repetição de séries,
por exemplo), freqüente em boa parte dos alunos avaliados, tem
um efeito igual e às vezes até maior que o trabalho
infantil no desempenho. Elas tendem a desistir de estudar, e a ingressarem
mais cedo no mercado de trabalho, pois encontram perspectivas melhores.
"Muitas vezes a família quer mantê-las na escola,
mas é necessário que essa troca do trabalho pelo estude
compense, com o oferecimento de uma boa educação e estrutura",
explica Bezerra.
Diante disso, o economista explica que "não basta apenas
uma política que incentive o acesso de crianças e adolescentes
trabalhadoras aos bancos escolares. É necessária uma
política que também facilite esse ingresso com métodos
e alternativas de aprendizagem direcionadas a este grupo de estudantes,
e que permita sua retirada do trabalho sem comprometimento de sua
sobrevivência".
O economista apresentou seu estudo de mestrado no Departamento de
Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, em conjunto
com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA),
sob a orientação da professora Ana Lúcia Kassouf.
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