por Talita Abrantes
Fotos por Cecília Bastos e Francisco Emolo

arte sobre foto de Cecília Bastos


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Foto crédito: Cecília Bastos
“O importante hoje, amanhã já não vale mais. As pessoas dizem o sim, mas fazem o não”, aponta Yves de La Taille , especialista em Psicologia da Moral

 

 

Foto crédito: Francisco Emolo
“O limite dá estabilidade, contorna o caos que é o mundo”, avalia Belinda Mandelbaum, professora do Instituto de Psicologia da USP

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
“Se tentar protegê-las de tudo, que tipo de pessoa estarei criando?”, percebe Aline Moraes da Costa, doutoranda da FAU

 

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
"A idéia não é colocá-las para pensar", analisa Clélia Cortez Moriama


Daniela Tepperman diz que os pais não podem se omitir de seu papel

 


Por trás do segundo idioma, sempre aparecem símbolos estrangeiros

Já que o mundo está globalizado, vamos internacionalizar nossos filhos. A preocupação dos pais em preparar suas crianças para o ambiente multicultural já se reflete no sistema educativo brasileiro, em que houve aumento de 28% na quantidade de escolas bilíngües. Entre 2005 e 2007, o número de estabelecimentos saltou de 89 para 114. Na demanda dos pais por crianças poliglotas, vale a pena refletir: a bagagem cultural que acompanha o segundo idioma tem a ver com os valores cultivados dentro do próprio lar?

A educação poliglota se limita às famílias que tenham pelo menos R$ 1.500 em caixa todo mês para bancar o investimento. “Ainda é algo restrito. Talvez a classe média alta já esteja começando a fazer parte disso. Tem muitos pais pensando no futuro e na chance dos filhos saírem do Brasil para estudar”, aponta Marizilda Martins, mestre em educação bilíngüe pela Faculdade de Educação da USP.

“A tendência dessa demanda é aumentar. Mesmo que o Brasil não seja um país bilíngüe, como o Canadá, o inglês é uma ferramenta muito útil para ampliar as possibilidades profissionais e comunicativas”, completa.

Uma escola bilíngüe não é a mesma coisa que uma escola internacional ou um curso de idiomas. Ela se diferencia por seguir as exigências do Ministério da Educação local, ou seja, tem currículo e calendário nacionais. Já nas escolas internacionais, esses itens seguem os padrões de seus países originários.

Além disso, na escola bilíngüe, o segundo idioma não é tratado somente como objeto de estudo. Ele é também um veículo de imersão: em disciplinas como matemática, história e educação física, a conversa também flui fora do português. As aulas são divididas entre a língua pátria e a estrangeira, geralmente na proporção de 55% e 45%, respectivamente.

“Primeiro fomos procurar uma escola inglesa, mas ela não oferecia bem o que nós queríamos. O inglês era muito forte, mas o ensino de português ficava um pouco de lado”, recorda Aracy Sakashita, médica e mãe de dois filhos. Com o marido, ela preferiu garantir uma educação que incluísse o ensino do inglês às crianças. Mas com toda aquela bagagem cultural estrangeira, bateu uma preocupação. “É muito importante aprender a nossa língua e os valores culturais do nosso país”, afirma.

“Uma criança na escola bilíngüe não vai, necessariamente, ter a identidade cultural abalada”, garante Elisabeth Flory, psicopedagoga e pesquisadora do IP (Instituto de Psicologia da USP).

Segundo explica a doutoranda no assunto, não é porque a alfabetização correu em inglês que a criança irá preferir a cultura norte-americana. Essa escolha está sujeita aos valores que os jovenzinhos percebem seus pais, amigos e educadores atribuírem às coisas do mundo.

“A construção da identidade cultural está muito ligada à valoração que a sociedade dá para cada uma das línguas e objetos culturais relacionados”, prossegue Elisabeth. “Por isso, entra aí uma consideração importante: cada família deve pensar e refletir bastante sobre quais valores escolher na escola dos filhos, seja bilíngüe ou não.”

No cotidiano da Creche Central, a coordenadora pedagógica Clélia Cortez Moriama segue uma lógica parecida com a de Aline. A pedagoga prefere assumir a postura de mediadora durante a resolução de conflitos na creche. "A idéia não é colocá-las de castigo para pensar. Mas, ajudá-las a refletir sobre as conseqüências das próprias ações e, assim, levá-las a encarar as frustrações de uma maneira mais tranqüila", explica.

De acordo com La Taille , o ponto é ser claro, firme e coerente na hora de educar os filhos. "A rigidez é sempre burra", alfineta. "Falar: 'isso está errado porque sou seu pai' é uma postura burra. O ideal é apontar o certo e argumentar", aconselha. No entanto, o professor diz que os pais devem tomar cuidado para não esquecer a sua autoridade de educadores. "Pai é pai de filho, nunca amigo", defende.

O especialista argumenta que as crianças precisam de relações claras, hierarquias definidas, conceitos objetivos e limites firmes para construir sua identidade. Do contrário, o mundo perde o sentido. " Quando há um vazio de sentido, surge depressão, suicídio, alcoolismo, busca desenfreada por divertimento", enumera La Taille. Por isso, a psicóloga Daniela ressalta: "Os adultos não podem se omitir da função de transmitir valores para as novas gerações".

 

 
 
 
 
 
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