por Marcos Jorge
fotos por Cecília Bastos



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Entre o consumo e o abuso
Identificar e tratar o consumo abusivo de álcool e drogas é o mais novo desafio do Sisusp

 

 

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
Com quase 30 anos de experiência à frente do Grea, psiquiatra acha fundamental integrar todos os serviços da USP. “Se a bola passar no pé de cada um é mais fácil marcar o gol e todos ganham juntos.”


Casos iniciais de dependência são os mais difíceis de identificar no ambiente de trabalho

Arthur Guerra, coordenador do Grea, vê com bons olhos as ações do Sisusp. Segundo o médico, essa é uma questão que existe em todos os âmbitos da sociedade, mas que raramente é enfrentada. “Seria mais fácil para a diretoria ignorar que o problema existe e deixar para lá. O Sisusp tomou uma atitude corajosa ao colocar o dedo na ferida, e ao fazer isso vai encontrar uma série de problemas”, afirma o psiquiatra que há quase 30 anos encabeça o grupo de estudos.

De fato, se tratar do abuso de álcool e drogas já é difícil, fazê-lo dentro do ambiente de trabalho é ainda mais complexo. Existe muito preconceito com as pessoas que buscam o tratamento, além do receio do que os colegas ou o chefe vão pensar. “Todos fazem uso de álcool, porém o limite não é bem claro. Algumas vezes a pessoa abusa do álcool, mas consegue dar conta de suas responsabilidades e do trabalho. Entretanto outras pessoas não têm esse controle”, afirma Guerra.

Para o médico, uma das maiores dificuldades é identificar aquele caso inicial de alcoolismo. “O paciente não admite de jeito nenhum. A negação faz parte do quadro clínico”, explica Guerra. “Depois vem uma projeção, dizendo que a culpa é do ambiente ruim, o chefe chato, etc. E por fim uma onipotência, em que o paciente crê que pode parar quando ele quiser.”

Em geral quem sabe se o funcionário tem problemas é seu superior imediato, pois é ele que nota os atrasos, as idas ao médico do trabalho, as faltas ou uma queda no rendimento. Por isso o questionário está sendo aplicado para esses trabalhadores. Na maioria das vezes, os colegas de trabalho, nessa situação, agem com corporativismo e negam-se a denunciar o consumo abusivo.


 

 

 

 

Foto crédito: Cecília Bastos
Ricardo Amaral, que em 2004 publicou um trabalho sobre o consumo de álcool entre os funcionários da Prefeitura do campus da capital.


“No caso dos docentes é mais sério, porque estes muitas vezes ocupam cargos de alta gerência, professor titular, chefe de departamento, etc. Logo, ninguém tem liberdade de falar que determinado professor não pode dar aula porque bebeu demais”, diz Guerra. A aproximação do paciente é um dos desafios do projeto. “Quando o professor tem o problema ele não gosta de ir ao IPq. Infelizmente a imagem da psiquiatria ainda sofre um certo preconceito”, admite o coordenador do Grea. “A Universidade preocupada com isso está buscando locais sem um estigma negativo que possam receber esse docente. Já o funcionário terá um grupo de atendimento dentro do próprio ambiente de trabalho.”

São três os momentos cruciais em que se identifica um caso inicial de alcoolismo ou dependência de drogas. Primeiro, a hora do almoço, em que o indivíduo bebe demais e os colegas precisam cobrir seu trabalho. Segundo, as festas de confraternização, pois ele procura o álcool antes de qualquer outra coisa. Por fim no hospital, uma vez que os dependentes são os que mais buscam consultas médicas.

Em 2004 o médico Ricardo Amaral publicou um trabalho interessante em que foram avaliados cerca de 200 trabalhadores da Prefeitura do campus da capital sobre o consumo abusivo de álcool. Por meio de um questionário simples, anônimo e pouco intimidativo chamado Cage, o pesquisador detectou que 19,8% dos funcionários têm problemas relacionados com o álcool, o que pode indicar um caso inicial de alcoolismo.

“O número não é maior que a média da população brasileira, mas preocupa por se tratar de um ambiente de trabalho, o que acarreta maior probabilidade de acidentes de trabalho”, afirma o médico que também atua no Grea. Do ponto de vista social, o consumo do álcool pode excluir o indivíduo no trabalho, isolando-o dos seus colegas. Amaral também encontrou um índice quase insignificante entre as mulheres entrevistadas, “os homens encaram a bebida como uma coisa natural, inclusive como ferramenta social, além disso, a mulher em geral tem uma tolerância menor ao álcool”, conclui.

Para Arthur Guerra, pesquisas, projetos e iniciativas como a do Sisusp são válidas, e o mais difícil já foi feito. “Antes de tudo, a Universidade  tem que admitir que o problema existe. A partir daí tomar ações de ordem de tratamento e prevenção, informando exaustivamente o funcionário e o docente”, diz Guerra.
 
 
 
 
 
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