|
|
|
|
Entre
as raridades, o diploma emitido pelo Conservatório Dramático
e Musical de São Paulo, em 1917
|
|
|
|
Flávia
Toni: Acervo rico pela documentação
|
|
|
|
Foto
do compositor em 1944: pianista virtuoso, distingue-se pelo colorido
orquestral e facilidade inventiva
|
|
Cartas enviadas por Camargo Guarnieri nos anos 60
e 70: acervos se complementam
É um
acervo precioso para a história da música brasileira. São
cerca de 3.500 documentos, entre programas, fotos, cartas, manuscritos
e cópias de 20 obras sinfonias, óperas, canções
deixados pelo maestro e compositor Francisco Mignone e recentemente
doados para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
As antigas lembranças da música de Mignone que antes ocupavam
um quarto inteiro de seu apartamento em Copacabana estavam sob os cuidados
redobrados da viúva do músico, Maria Josephina. Aos poucos,
a viúva foi se despedindo das recordações, livros,
medalhas, anotações, partituras, álbuns de fotos,
jornais, cartas de interlocutores, amigos e músicos, além
de diplomas deixados por Mignone, morto em 1986, e começou a preparar
o material que seria trazido pessoalmente à USP, no dia 5 de dezembro
do ano passado, pela curadora e pesquisadora de música do IEB,
Flávia Camargo Toni.
As partituras e parte das composições estavam catalogadas
por nome num arquivo manual e guardadas em pastas, o que vem facilitando
o nosso trabalho, ressalta Flávia Toni. Boa parte das partituras
originais ficou no Rio de Janeiro porque foi doada para a Biblioteca Nacional.
O ato de se desfazer dos bens que pertenceram a uma pessoa querida
resulta num processo complexo, observa Flávia, ressaltando
que a negociação entre o instituto e Maria Josephina durou
mais de um ano e meio.
Documento
sem lacunas
Parte
da rica documentação organizada solitariamente pela viúva
data do início do século, quando o pai do músico
recortava todas as notícias sobre ele publicadas em jornais. Há
uma profusão de programas, pastas e mais pastas com partituras
originais, manuscritos e outras tantas em cópias de obras de Mignone,
entre sinfonias, óperas, peças para piano, operetas. álbuns
de fotos revelam o dia-a-dia do autor de peças como O maracatu
do Chico Rei e Valsas de esquina.
O material de Mignone é precioso para o IEB porque ele foi
parceiro e amigo de Mário de Andrade e Camargo Guarnieri,
enfatiza Flávia. As partituras são das décadas
de 20, 30 e 40, época em que Mário de Andrade também
estava vivendo no Rio de Janeiro, de forma que as histórias vão
se complementar, informa. Guardamos, mantemos e damos a garantia
de divulgação do acervo, enfatiza a pesquisadora que
está organizando o acervo do compositor Camargo Guarnieri também
doado por sua mulher.
É um acervo rico pela documentação, diz
Flávia. Entre as raridades, está um diploma de 1917 emitido
pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo,
por onde passaram Mignone e Mário de Andrade. Eles eram da
mesma turma e não consta o diploma de Mario da Andrade no nosso
acervo, daí sua importância.
Flávia ressalta ainda que Mignone também foi grande amigo
de Camargo Guarnieri, cujo acervo, coincidentemente, também se
encontra no IEB. Com isso, a história da música de
São Paulo fica completa, afirma. Podemos dizer que,
até 1940, o IEB tem o mais completo acervo de memória musical
desse período. E acrescenta: Uma das coisas mais bonitas
é que torna-se possível estabelecer uma trinca.
Flávia conta que no acervo de Mignone há cartas de resposta
às correspondências enviadas por Guarnieri. Por sua
vez, as cartas de Mário de Andrade enviadas a Mignone foram queimadas
a pedido do escritor, mas as de Mignone para ele foram preservadas,
explica. Dessa forma, conseguimos estabelecer um diálogo
documental entre os três, porque trata-se de marcos históricos
que apenas aguardam o momento oportuno para serem rediscutidos.
Nesse sentido, deverá ser organizada, ainda este semestre, uma
exposição para mostrar o encontro dos artistas.
Ainda em fase de catalogação e organização,
o acervo está sendo trabalhado em dois grandes blocos: partituras,
priorizadas para disponibilização ao público, e documentação
pessoal. Alguns documentos exigem cuidados especiais de restauro para
conservação preventiva. A tarefa não é fácil.
Para tanto, Lúcia Thomé, responsável pelo setor de
conservação e restauro do IEB, conta com o empenho e dedicação
dos estagiários Vítor Borysow, Rejane Elias e Caio Flávio
Bendazzoli Simões.
Prevê-se que, com os desdobramentos desse material, que deverá
estar disponível até o final do ano, pesquisadores ganhem
novas perspectivas de análise, das quais certamente inusitadas
teses aparecerão.
Flávia Toni explica que durante um processo de doação
deve-se levar em conta o perfil que cada instituição possui.
O IEB se aproxima do estudo da cultura brasileira como um todo,
mas, principalmente, da produção voltada à intelectualidade
paulista, diz. O primeiro acervo que contribuiu para a formação
do perfil do IEB foi o do escritor Mário de Andrade que deu seqüência
às características de outras aquisições que
unem crítica de arte, criação literária e
música.
O IEB
fica na avenida Prof. Mello Moraes, travessa 8, nº 140, Cidade Universitária,
São Paulo. Mais informações http://www.ieb.usp.br
ou pelo tel. 3091-3245.
Valsas, mas
com muito batuque
Filho de
imigrantes italianos radicados em São Paulo, onde nasceu, Francisco
Mignone teve em sua formação musical uma dupla influência.
De um lado, da cultura italiana, herdada da família, mas sobretudo
de seu pai, flautista e seu primeiro professor, e também assimilada
de diferentes mestres: Silvio Motto, Agostino Cantu e Savino de Benedictis.
E de outro, da música popular brasileira ouvida em sua juventude:
das valsas, polcas, tangos e maxixes, que desde o começo do século
começavam a delinear os contornos de uma nova sintaxe musical brasileira,
sendo nacionalizados pela ginga sensual do lundu e do batuque, vindos
da África.
Garoto ainda, Mignone absorvia essa nova sintaxe musical tocando no cinema
mudo e nas pequenas orquestras populares, em que ensaiava suas primeiras
composições, assinadas com o pseudônimo de Chico Bororó,
porque, como declarou posteriormente, escrever música popular no
começo do século não era uma atividade bem-vista,
o que o levou ao uso de outro nome como forma de se proteger de desqualificações.
Esse contato inicial com uma expressão musical que começava
a assumir características nitidamente brasileiras seria fundamental
para sua formação como compositor, pois, apesar de suas
influências externas, incluindo um longo período de estudos
na Itália, suas origens musicais como Chico Bororó falaram
mais alto quando, ao retornar ao Brasil com duas óperas italianas
na bagagem, as críticas contundentes de seu amigo e admirador,
Mário de Andrade, motivaram uma guinada em sua trajetória
estética, levando-o a escolher o caminho do nacionalismo já
trilhado por Nepomuceno, Nazareth e Villa-Lobos. Da Itália conservou
o domínio das formas dramáticas e a técnica de uma
orquestração vistosa e sensual, que faz de obras como o
Maracatu do Chico Rei e Festas das Igrejas, páginas antológicas
que o qualificam como um dos maiores orquestradores brasileiros.
Mas é na sua vasta coleção de valsas, que levaria
Manuel Bandeira a chamá-lo de o rei da valsa brasileira,
que deve ser buscada a pedra fundamental de sua produção
volumosa e multiforme. Apesar disso, há sempre nas obras de Mignone
algo de simples, ingênuo, espontâneo, direto, transparente,
sincero e despretensioso, que só quem vivencia o processo da criação
popular pode atingir. O próprio maestro dizia que deixava a música
fluir de seu pensamento sem censuras ou rebuscamentos. Não
faço rascunhos, pois escrevo diretamente a nanquim no papel vegetal.
Dá menos trabalho e o resultado é o mesmo, declarou
certa vez.
Além de compositor, Mignone era um excelente regente. Dirigiu diversas
orquestras importantes no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos e foi
o primeiro titular da Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio
MEC, criada no início dos anos 60. Também foi catedrático
de regência da Escola de Música da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Faleceu aos 89 anos, no ano de 1986.
IEB
possui Acervo Camargo Guarnieri
André
Chaves de Melo
O IEB recebeu,
no final do ano 2000, a doação do Acervo Camargo Guarnieri,
concedido pela família do compositor, o que marcou o início
de uma semana que foi dedicada a sua memória e ao encerramento
das comemorações USP-Brasil 500 Anos.
Principal compositor paulista do século 20, o maestro e professor
da USP, falecido recentemente (1993), reuniu, durante sua carreira, um
acervo pessoal composto por aproximadamente 10 mil cartas a maioria
correspondências com pessoas do mundo artístico, 2 mil fotografias
com alunos e outros músicos em momentos profissionais e pessoais,
200 horas de música gravada, todas as suas obras originais (livros,
artigos e composições), programas de regência, medalhas,
biblioteca musical composta por livros nacionais e estrangeiros sobre
obras que regia e estudava e teoria da música e documentos diversos,
como contratos com editoras, críticas de jornais comentando sua
obra, entre outros. A família de Guarnieri preferiu doar
o acervo, cujo valor é praticamente incalculável pelo fato
de ser único, explica Flávia Toni, professora do Departamento
de Música da ECA - parceiro do Instituto na utilização
do acervo - e pesquisadora do IEB. A partir das informações
fornecidas pelos materiais, muitos pesquisadores e estudantes de pós-graduação
poderão desenvolver trabalhos inéditos.
De acordo com a pesquisadora, as formas como Guarnieri organizava e fazia
manutenção em seu acervo são muito parecidas aos
procedimentos adotados por Mário de Andrade, que também
tinha o hábito de guardar documentos. Guarnieri era muito
amigo de Mário, o que explica as semelhanças.
Uma das grandes contribuições deixadas pelo maestro no cenário
musical paulista e brasileiro foi a criação da Escola Guarnieri
de Composição, corrente de pensamento e ação
que formou cerca de quatro gerações de compositores, entre
eles Osvaldo Lacerda, Almeida Prado e Olivier Toni. Além disso,
foi também o responsável pela criação da Orquestra
Sinfônica da Universidade de São Paulo (Osusp), que este
ano completa 27 anos de existência.
Atualmente, suas composições freqüentam inúmeros
repertórios nacionais e estrangeiros, como prova a recente gravação
de uma sinfonia em CD.
|