NESTA EDIÇÃO

 
Oliva: convênios e patentes

 
Wang: adesivos contra rachaduras

 
Cooperativa do Sabor: empregos foram mantidos





Ângelo Ebesui: energia de alta qualidade
E
nsino, pesquisa, extensão cultural, atendimento à comunidade, incluindo a prestação dos mais variados serviços, notadamente os de saúde e os relacionados à terceira idade. Em todas essas atividades há um esforço das universidades públicas no sentido de colaborar com a sociedade e a economia, uma das metas responsáveis pela própria criação dessas instituições. Apesar do pouco tempo de existência, se comparadas com suas vizinhas latino-americanas, muitas com mais de 300 anos, nossas instituições estão mostrando, através de variados indicadores contidos em relatórios e anuários estatísticos, que sua atuação é cada vez mais importante no desenvolvimento brasileiro.
Na verdade, poderia-se escrever uma página inteira, talvez duas ou mais, listando ações das universidades públicas de ensino e pesquisa que são fundamentais para o progresso da sociedade. Convém, porém, centralizar as informações na questão do empreendedorismo com consciência social, ensinado na USP para os alunos desde a graduação, por meio de disciplinas que incentivam a criação de novas tecnologias e produtos e, principalmente, pelas incubadoras tecnológicas, sejam de empresas ou de cooperativas, mecanismos que permitem uma rápida inserção no mercado das novas tecnologias e conhecimentos gerados por professores, alunos e funcionários. “As incubadoras de empresas de tecnologia, à semelhança do processo que ocorreu anos atrás nos Estados Unidos, poderão mudar o patamar do desenvolvimento econômico e tecnológico do País”, afirma Sérgio Wigberto Risola, gerente do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
Inaugurado em maio de 1998, com sete empresas, a partir de um convênio entre a USP, o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Cietec conta, atualmente, com 80 empresas incubadas e 150 produtos e prepara uma nova expansão: até o final deste ano serão mais 20, num total de cem. “Temos 114 projetos inscritos para a seleção, muitos de altíssima qualidade”, diz Risola. “Na verdade, o Cietec é dividido em duas incubadoras, a de tecnologia e a de software e em um hotel ou espaço onde os projetos que ainda não estão prontos para se transformar em empresas incubadas ficam um determinado período de tempo, desenvolvendo melhor seu produto, enfim, se preparando para o próximo passo.”
O Cietec ajuda as empresas incubadas a se preparar para o mercado dando infra-estrutura, assessoria administrativa, contratando consultores que auxiliam os inventores a se preparar para enfrentar a concorrência e, muitas vezes, encontrando sócios que ajudam a viabilizar economicamente os empreendimentos. “Muitas empresas que saíram daqui já estão atuando no mercado, gerando tecnologia, empregos, impostos e, portanto, desenvolvimento social e econômico.”
Uma das incubadas que estão obtendo sucesso é a Proline Enxertia Óssea. Atualmente com dez funcionários, dividida em um setor de produção e outro de vendas e marketing, a empreendedora já conta com mais de 300 clínicas em sua carteira de clientes, que representam um faturamento de cerca de R$ 80 mil por mês. Seu produto, uma massa óssea bucal que estimula a reconstituição de partes danificadas por acidentes e outras causas dos ossos maxilares (as mandíbulas), representa um marco nessa área, pois possui qualidade, no mínimo, idêntica à encontrada nos produtos importados, muito mais caros. “Essa e mais três ex-incubadas farão parte de um grupo de empresas que o Cietec pretende preparar para entrar no mercado da exportação, por meio da participação em feiras nacionais e internacionais, atendimento às missões empresariais, contatos com agências de comércio exterior, cadastro no Banco do Brasil, obtenção de certificados de ISO 9000, confecção de materiais de propaganda e de sites que contenham textos em espanhol e inglês”, explica Risola.
Outra empresa desse grupo é a LaserTols, especializada na tecnologia a laser de corte, furação e gravação de produtos feitos em diversos materiais, que vão desde metais até plásticos. Com 12 funcionários, seu faturamento gira em torno da mesma cifra que a da Proline. Para Risola, ambas estão abrindo grandes nichos de mercado, num pioneirismo fundamental para a sociedade brasileira.
Mas o destaque fica mesmo para a Hormogen, fabricante de um novo hormônio do crescimento que acaba de ser vendida para a Biolab, uma das maiores fabricantes de produtos farmacêuticos do País. “Trata-se da primeira empresa incubada brasileira que foi vendida antes mesmo de sair desse estágio inicial, o que mostra a qualidade do que é feito aqui”, diz Risola. O anúncio oficial do negócio ainda não foi feito, mas estima-se que a transação envolveu milhares de dólares.
Mas a criatividade não pára por aí. A Eletrocell, outra incubada, resultado da união de duas empresas também incubadas, a Anodarc e a DCSystem, desenvolveu uma nova tecnologia de fabricação de células de energia a partir de placas de grafite, hidrogênio e oxigênio. “Trata-se de uma energia mais limpa, sem interferências, ideal para ser utilizada em redes de micros, Internet e telecomunicações”, explica Ângelo Massatoshi Ebesui, um dos sócios da empresa.
De acordo com Risola, o mais importante desse projeto é que sua execução está envolvendo seis incubadas. “A interatividade estimula novos negócios e a criação de novos produtos”, ressalta. “A DCSystem, por exemplo, já está fornecendo placas de rede para muitas incubadas.”
A Adespec, dirigida por Wang Shu Chen, dedica-se à fabricação de adesivos especiais para assoalhos, que acompanham a dilatação da madeira, evitando os tensionamentos que geram rachaduras. Um segundo produto, o selante à base de poliéster, está sendo utilizado em juntas de movimentação de prédios, estruturas que permitem uma movimentação de todo o conjunto, evitando que a tensão cause rachaduras e desabamentos. Além de melhorar o desempenho dessas estruturas, o selante veda a estrutura, protegendo-a de vazamentos de água e gás.
Também merece destaque o Aquecedor Solar de Baixo Custo (ASBC), da Sunpower, recentemente transformada em uma ONG, a Sociedade do Sol. Seu inventor, o engenheiro Augustin Woelz, disponibilizou no site da empresa (www.sunpower.com.br) um manual para qualquer pessoa que queira montar o seu, o qual, instalado, pode representar na conta de energia a economia com o que é gasto, mensalmente, com um chuveiro elétrico.

Volta por cima

Além do Cietec, a USP tem outra incubadora, esta voltada para a formação de cooperativas. Trata-se da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), uma das representantes desse tipo de iniciativa, criada pioneiramente no Brasil, em 1992, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A chave para o desenvolvimento das cooperativas é a solução de problemas locais a partir da união de todos os atores sociais envolvidos”, explica Maria Paula Patrone, integrante da coordenação da incubadora, que tem projetos de destaque como a Escola Itinerante, voltada para a capacitação de comunidades para a atuação na construção civil, a Cooperbrilha, composta pelos primeiros jardineiros formados pela USP, e a Cooperativa do Sabor, restaurante criado e mantido pelos funcionários de outro estabelecimento da mesma natureza do que havia no local. “Há dois anos, estávamos sem emprego e sem receber nossos direitos trabalhistas quando procuramos o pessoal do Diretório Central dos Estudantes e da Incubadora, que nos ajudou a dar a volta por cima”, recorda Maria José dos Anjos, uma das integrantes do Conselho da Sabor. “Claro que as dificuldades existem, mas temos que superá-las no dia-a-dia.”
Atualmente, o Brasil possui cerca de 155 incubadoras, a maioria ligada às universidades e institutos públicos de pesquisa e ensino, e estão reunidas na Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas, a Anprotec, que possui um site (www.anprotec.org.br) onde os interessados em saber mais sobre essa questão podem obter informações.

Sinergia e criatividade

De acordo com Jacques Marcovitch, secretário do Planejamento do Estado de São Paulo e ex-reitor da USP, o maior desafio para as empresas advindas das incubadoras e, de uma maneira mais ampla, para as pequenas e médias empresas, são os juros altos, problema que precisará ser, no futuro, equacionado. “Essa questão sobre a geração de tecnologia e empresas a partir das ações das universidades públicas merece um livro, mas cabe ressaltar as ações dessas instituições e da Fapesp no setor agropecuário, que têm gerado uma série de benefícios para a sociedade.”
Para João Amato, professor da Escola Politécnica e coordenador do Projeto Geração de Difusão do Conhecimento através das Redes de Cooperação e Organizações Virtuais: Conceitos e Modelos para o Potencial Competitivo das Empresas, a inserção das empresas brasileiras, notadamente as de tecnologia, nas redes de produção globais pode trazer muitos benefícios sociais.
Segundo Carlos Vogt, ex-reitor da Unicamp e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sem uma profunda sinergia entre as universidades públicas de pesquisa, o governo e as empresas são poucas as possibilidades de geração de tecnologia competitiva face aos desafios atuais. “Sabe-se, porque já repetido à exaustão, que os atores indispensáveis ao sucesso de um sistema de geração e apropriação econômica e social do conhecimento são as empresas, as universidades e o governo.”
A Unesp e a Unicamp também têm suas iniciativas nessa área. A última criou, em agosto do ano passado, a Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp), vinculada ao Centro de Tecnologia e Escritório de Difusão de Tecnologia da universidade, com apoio do Sebrae e outras instituições.
A Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais da USP, a Cecae, órgão ao qual a ITCP está vinculada, mantém também o Atual-Tec, que fornece cursos de capacitação para empresas de acordo com demandas específicas, e o Disque-Tecnologia desde 1991, que conta com o apoio do Sebrae e presta serviços de informação às empresas interessadas em solucionar dúvidas relacionadas a sua atuação. “Para isso, a equipe do Disque procura as informações necessárias, recorrendo, muitas vezes, aos professores da Universidade, o que contribui para uma melhor atuação dessas empresas no mercado”, afirma Sérgio Muniz Oliva Filho, coordenador da Cecae. “Outras atividades que têm crescido muito são os convênios e o registro de patentes das descobertas geradas pela Universidade, forma de garantir a entrada de recursos obtidos com a comercialização desses inventos, os quais podem ser aplicados em novas pesquisas.”
Para Risola, é difícil dimensionar a importância da universidade pública de ensino e pesquisa gratuita para a sociedade brasileira, na medida em que praticamente todas as suas ações são voltadas para o benefício da sociedade. “A USP e outras grandes universidades públicas são sempre exemplos a serem seguidos”, afirma. “Especificamente com relação às incubadoras, elas representam um amplo e fascinante caminho a ser trilhado.”


É brincando que se aprende

Uma das iniciativas da Universidade voltada para a sociedade pôde ser vista, nos últimos dias 17 e 18, no estande da Associação dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), durante a realização da Anbrin, uma feira voltada para as empresas do setor. Trata-se de um conjunto de 30 protótipos, desenvolvidos por 42 alunos do curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica (EP), durante as aulas da disciplina Projeto e Produto.
Criada em março e realizada em tempo recorde, a proposta de criar brinquedos surgiu a partir de duas preocupações: levar os alunos a desenvolver cada vez mais o empreendedorismo, capacitando-os para se tornarem donos dos seus próprios negócios na medida em que aprendem a transformar suas idéias em realidade — passando pela definição da sua viabilidade econômica —, e estimulá-los no exercício da cidadania. “No início, a idéia era desenvolvermos produtos que pudessem ser utilizados por pessoas portadoras de deficiências”, explica o professor Márcio Abraham, que junto com outro docente da Poli, Floriano do Amaral Gurgel, desenvolveu a proposta. “Posteriormente, resolvemos nos dedicar à confecção de brinquedos para um público mais amplo, pois se caso alguma empresa tenha interesse em fabricar algum deles, os recursos advindos desse acordo poderão ser utilizados para a viabilização da produção dos brinquedos para pessoas que possuem necessidades especiais.”
A proposta conta com o apoio das empresas Procter&Gamble, Batatas Pringles e Fraldas Pampers, que premiam o melhor protótipo com equipamentos de informática, forma de incentivar ainda mais a atividade profissional e social dos alunos.
Para criar seus brinquedos, os estudantes tiveram que levar em conta uma série de aspectos, como normas de segurança, perfil pedagógico e faixa etária do público envolvido.
Entre os brinquedos, merecem destaque os jogos voltados para a criação de consciência ambiental. “Um deles já despertou o interesse do Greenpace”, afirma Abraham, que durante seu mestrado, feito há mais de 15 anos, desenvolveu uma touca térmica para tratamento quimioterápico, projeto premiado e que está sendo produzido por uma indústria de Israel. “Através do lúdico, do interativo, da brincadeira, podemos levar para a população o conhecimento gerado pela Universidade.”

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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