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erá que as cerca de 100 mil pessoas que passam diariamente pela Cidade Universitária têm idéia de onde fica a Praça Reynaldo Porchat, ou a avenida Linneu Prestes? Ou quem foi, por exemplo, Luciano Gualberto, Jorge Americano e outros homenageados com nomes de praças e avenidas? É verdade que celebridades não faltam na USP. Porém, quando se pensa em resgatar a vida daquelas pessoas ilustres... Aí a coisa se complica. As estruturas e arquivos da Universidade são diversos e há muito o que contar. O Jornal da USP embarcou no passado para mostrar um pouquinho das referências históricas que se encontram a cada passo no campus.
Você sabia, por exemplo, que os logradouros da Universidade só recebem nomes de ex-reitores já falecidos? Foi em 1969, no auge dos “anos de chumbo”, que o Conselho Universitário decidiu aprovar essa regra. Hoje, a resolução pode parecer um tanto anacrônica ou, talvez, restritiva. Mas há quem diga que foi uma atitude preventiva para evitar que generais “invadissem” o campus por meio de nomenclaturas de ruas. Já imaginou praças e avenidas chamadas general Golbery do Couto e Silva, Nilton Cruz, Costa e Silva...?
“Essa foi uma precaução sábia do Conselho Universitário da época. Foi o Goldemberg (José, ex-reitor) quem me falou que a resolução possivelmente foi uma prevenção para que os generais não começassem a dar nomes de representantes do regime militar às ruas do campus”, diz o professor Henrique Fleming, do Instituto de Física.
Segundo o professor Goldemberg, seu comentário feito a Fleming deve ter partido quando observava que era preferível homenagear mortos a vivos. “Isso é hábito universal. Em geral, não se homenageiam assim as pessoas vivas. Evita-se bajulação”, explica o atual secretário do Meio Ambiente de São Paulo. “Além disso, é uma forma de internalização e de proteger-se contra interferências outras”.
Desde 1965 se cogitava a possibilidade de homenagear ex-reitores e ex-professores com denominações de logradouros. Foi o então conselheiro Antônio Guimarães Ferri quem apresentou a sugestão, no processo administrativo 35886/65. No entanto, a aprovação da proposta foi parcial e só veio quatro anos depois: na sessão 647, realizada em 23 de junho de 1969, o Conselho Universitário decidiu que só ex-reitores receberiam tal homenagem.
Para alguns funcionários e professores da USP, a norma soa injusta, tendo em vista o sem-número de personalidades que construíram a história da Universidade, sejam reitores ou não.
“A USP tem muitas personalidades que caberia homenagear. De relance me vêm à memória nomes como os do maestro Camargo Guarnieri e do professor Zeferino Vaz — este recebeu os devidos louros quando da denominação do campus da Unicamp”, lembra Eunice Ribeiro Borges, responsável pelo Sistema de Arquivo da USP.
“Acho impossível recordar todas, pois foram muitas as celebridades que já passaram por aqui. Dá para ressaltar algumas, como o matemático Gleb Whataghin ou o professor Claude Lévy-Strauss”, diz Fleming. O professor destaca também a atuação de Teodoro Ramos, da Escola Politécnica, encarregado de trazer da França, Itália, Alemanha e Portugal catedráticos que constituiriam o corpo docente dos primeiros anos da Universidade. Outros nomes citados por Fleming passam pelo físico Mário Schenberg, o geógrafo Milton Santos e o historiador Sérgio Buarque de Holanda.
Não é de agora que a resolução de 1969 do Conselho Universitário causa polêmica. Em 1972, Paulo de Toledo Artigas, primeiro diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (70-74), protocolou um documento à Reitoria contestando aquela norma. Defendeu que ex-professores e acadêmicos de destaque também fossem homenageados e sugeriu nomes como Paula Souza, organizador da Escola Politécnica, e Ernesto de Souza Campos que, ao lado de Anhaia Mello, lutou pela criação de uma universidade em São Paulo.
A negativa ao pedido de Artigas veio no mês seguinte. A Secretaria Geral e o Conselho Universitário acabaram por corroborar o parecer anterior e, assim, continuou valendo o limite das homenagens aos ex-reitores. Dois itens, porém, foram acrescentados na ata de 72: “Futuramente, quando for concluído o projeto definitivo, cogitar-se-á nomes de outros ilustres professores que prestaram assinalados serviços à Universidade”; “À avenida de ingresso à Cidade Universitária deverá ser atribuído o nome de avenida da Universidade”.
Contudo, o parecer de 1972, que abriu a possibilidade de mudança da norma de 1969, pode ficar sem efeito na prática, se observada a declaração do prefeito do campus, José Geraldo Massucato: “Atualmente, a Cidade Universitária conta com uma malha viária extensa, de cerca de 30 quilômetros e acredito ser improvável, pelo menos num futuro próximo, a abertura de novas vias e, por conseqüência, a rendição de novas homenagens”.
Massucato também defende alterações naquela regra: “Poderia se instituir também homenagens em vida; isso tem um significado maior para a pessoa, pois ela irá vivenciar a recompensa”.
Segundo o prefeito, o processo para homenagear personalidades da USP com nomes de logradouros pode partir de uma pessoa, grupo de interessados, amigos, familiares ou deputados. De acordo com a Secretaria Geral, deve-se dar entrada do documento junto à Reitoria, que o encaminha ao Conselho Jurídico e, em seguida, à CLR (Comissão de Legislação e Recursos). Por último, o Conselho Universitário referenda o pedido e encaminha o processo à Prefeitura do campus, responsável por aprovar o local que receberá a denominação.


Onze ex-reitores foram homenageados

Apesar de a USP ter nascido em 25 de janeiro de 1934, por meio do decreto estadual 6.283 assinado pelo então governador Armando de Salles Oliveira, o campus só começou a incorporar um aspecto mais urbanístico a partir de 1951. Foi quando os terrenos da antiga Fazenda Butantã tiveram sua feição transformada pelos serviços de terraplenagem e criação de vias de acesso. Começavam a surgir as primeiras construções: o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), o Departamento de Física e o Laboratório de Alta Tensão do Instituto de Eletrotécnica.
Na década de 60, as ruas de acesso foram pavimentadas e o setor de paisagismo teve de trabalhar às pressas, com a proximidade dos IV Jogos Pan-Americanos, que se realizariam em São Paulo. Em 1968, com os embates políticos na rua Maria Antonia, a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi transferida para o campus do Butantã. Em 1975, o setor esportivo foi bastante ampliado, no aguardo dos Jogos Pan-americanos que, afinal, acabaram sendo suspensos.
Foi só a partir de 1971 que se iniciou um sistema oficial de orientação à locomoção no campus. A localização viária era dividida em setores (agrupamento de unidades diferenciado por cores e pelos pontos cardeais); os edifícios eram denominados por letras e números. A sinalização de trânsito era pintada no chão, com indicações horizontais.
O antigo sistema de orientação viária começou a ser substituído a partir de 1980. Ruas, avenidas e praças foram batizadas com nomes de ex-reitores falecidos. Os primeiros homenageados foram Reynaldo Porchat, Domingos Rubião Meira, Jorge Americano, Antônio de Almeida Prado, Linneu Prestes, Luciano Gualberto, José Mello de Moraes e Lúcio Martins Rodrigues.
O parecer prestando as primeiras homenagens foi assinado em outubro de 1970 e incluiu uma exceção: o professor Ramos de Azevedo, que não foi reitor e sim um dos fundadores da Escola Politécnica, ganhou nome de praça por já existir em um passeio público da USP um monumento seu que havia sido doado pela Prefeitura Municipal.
Ná década de 90, mais três ex-reitores falecidos ganharam nomes de ruas. O Conselho Universitário referendou o pedido da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia e a antiga Travessa 16 ficou denominada, a partir de 1990, rua Orlando Marques de Paiva. Em 1991, foi Ernesto de Moraes Leme quem ganhou o louro e, em 1999, Antônio Barros de Ulhôa Cintra.

Conheça um pouco sobre a vida dos homenageados.

Nascido em Itu, Antônio de Almeida Prado foi mestre e diretor da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Reitor de outubro de 1946 a janeiro de 1947. Publicou muitos livros, incluindo As Doenças através dos Séculos. Ocupou vários cargos públicos, entre eles o de secretário da Educação. Presidiu a Academia de Medicina de São Paulo. Dá nome à avenida que margeia o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
A praça em frente à entrada do Instituto Butantã tem o nome de Jorge Americano, Reitor de julho de 1941 a outubro de 1946. Paulistano, foi diretor da Faculdade de Direito. Passou por vários cargos públicos, como o de secretário da Fazenda, deputado estadual e procurador-geral. Juiz da Corte Internacional de Haia. Ensaísta, biógrafo e jurisconsultor. Foi um dos fundadores e primeiro presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
Nascido em Bragança (SP), Ernesto de Moraes Leme foi reitor entre 1951 e 1953. Jornalista, professor da Faculdade de Direito e diretor da antiga Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP. Ocupou diversos cargos na Organização das Nações Unidas (ONU), onde foi delegado permanente do Brasil. Deputado estadual, publicou diversos livros e ensaios. O HU e o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) estão na avenida que leva seu nome.
A praça da entrada principal do campus tem o nome do primeiro reitor da USP, Reynaldo Porchat. Natural de Santos e formado pela Faculdade de Direito, foi reitor de junho de 1934 a maio de 1938. Poeta, orador e jornalista, lecionou História do Brasil e Direito Romano; foi diretor da FD. Exerceu cargos de delegado de Polícia e senador. Publicou obras no campo do direito e poesias.
Nascido em Avaré (SP), Linneu Prestes foi reitor de abril de 1947 a agosto de 1949. Professor e diretor da Faculdade de Farmácia e Odontologia, também doutorou-se pela Faculdade de Direito. Entre outros, ocupou os cargos de secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e prefeito da cidade de São Paulo. Pertenceu ao Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais. O Hospital Universitário e o ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) são algumas unidades localizadas na avenida que leva seu nome.
Professor e diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, José Mello Moraes foi reitor entre janeiro de 1954 e fevereiro de 1955 e um dos fundadores da USP. Nascido em Piracicaba, atuou como jornalista e foi secretário da Agricultura e Comércio do Estado de São Paulo, em 1943. Seu nome está na avenida paralela à Raia Olímpica, onde também se localiza o Velódromo.
Paulistano, Antônio Barros de Ulhôa Cintra foi reitor entre 1960 e 1963. Participou da implantação do campus Butantã. Um dos principais responsáveis pela criação da Fapesp, foi médico, pesquisador e professor. Pioneiro da endocrinologia, trouxe ao Brasil técnicas revolucionárias do norte-americano Fuller Albright, com quem trabalhou na Harvard Medical School. Membro de diversas associações científicas nacionais e internacionais. Secretário da Educação de 1967 a 1970. A avenida com seu nome é a antiga Intersetorial, que percorre toda a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia.
A segunda praça da entrada principal do campus, seguindo pela avenida da Universidade, homenageia Domingos Rubião Alves Meira, que foi reitor de abril de 1939 a julho de 1941. Fluminense de Barra Mansa, médico, escritor, orador e político, pertenceu à Academia Paulista de Letras. Eleito presidente inaugural da Associação Paulista de Medicina, em 1930.
A avenida que passa pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) e pelo Instituto de Matemática e Estatística leva o nome de Lúcio Martins Rodrigues. Nascido em Santos, foi professor e diretor da Escola Politécnica. Reitor de maio de 1938 a abril de 1939. Escreveu muito, especialmente ensaios para o Anuário da Escola Politécnica. Morreu em 1970 como um dos cientistas mais respeitados no campo da matemática e ciências correlatas.
Médico, político, prefeito, poeta e professor de Clínica Urológica da Faculdade de Medicina, Luciano Gualberto foi reitor de julho de 1950 a fevereiro de 1951. Nascido em Petrópolis (RJ), foi um dos precursores do Direito Social no Brasil, com tese e publicações sobre a humanização do trabalho. Pertenceu à Academia Paulista de Letras. Seu nome está na avenida onde fica a FFLCH e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, entre outras.
Orlando Marques de Paiva, nascido em São Paulo, foi reitor entre 1973 e 1977. Diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, passou por diversos cargos administrativos e comissões, entre elas, a Comissão do Serviço Social da Universidade e a de Projetos de Regulamentos dos Estabelecimentos de Ensino Superior. Publicou muitos trabalhos na área da medicina veterinária. A rua com seu nome é a que desemboca no Portão 3 do campus.
 




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