De
onze municípios paulistas, localizados na região conhecida
como Entre Serras e Águas, pela exuberância vegetal e
cursos dágua, Atibaia é o que apresenta pior situação
ambiental. Com 337 anos de existência, está a menos de
cem quilômetros ao norte da capital e tem cerca de 110 mil habitantes
que produzem, em média, 74 toneladas de lixo por dia, 12% reaproveitáveis
e o restante encaminhado a aterro sanitário.
Nas outras dez cidades Jordanópolis, Vargem, Bragança
Paulista, Tuiuti, Nazaré, Bom Jesus dos Perdões, Pedra
Bela, Pinhalzinho, Piracaia e Mairiporã os descuidos
com a natureza também são constantes. Pequenas
localidades, onde o lixo a céu aberto está presente,
afirma o professor Alberto Pacheco, livre-docente do Instituto de
Geociências da USP.
A coleta seletiva abrange 20% dos domicílios e a coleta de
lixo normal foi terceirizada, em 1994, em toda Atibaia, incluindo
alguns bairros da periferia, mas excluindo a área rural.
O descarte desse material causa problemas por um lado e traz benefícios
por outro: prejudica o meio ambiente e provê o sustento de famílias
que se fixaram em torno do lixão, que ali funcionou por mais
de 20 anos e está desativado há seis meses.
Em ambas as situações, a Universidade de São
Paulo vem oferecendo ajuda técnica, através de convênio
firmado com a prefeitura local, também disponível para
o restante dos municípios. O convênio acadêmico
USP-Prefeitura de Atibaia prevê ação integrada
para gerenciamento de resíduos e controle da poluição.
Remetido à Reitoria, aguarda definição de adendos
a cargo do Instituto de Geociências para ser efetivado, o que
não interrompe o trabalho de pesquisadores na região.
O levantamento preliminar dos problemas inclui análise das
águas do rio Atibaia e condições do entorno do
lixão recentemente desativado. A segunda etapa, de avaliação
confirmatória, reúne dados que possam embasar a indicação
de políticas públicas, envolvendo toda a região.
Bragança Paulista deu um passo nessa direção,
recebendo o lixo orgânico de Atibaia, em aterro próprio.
O prefeito de Atibaia, José Roberto Trícoli, do Partido
Verde, discursa a respeito da fragilidade ambiental ali
presente e decide pelo transbordo da carga de dejetos hospitalares
para Campinas. Quanto ao aterro sanitário, deverá continuar
dividindo a tarefa com Bragança, ambas micropólos econômicos.
Colocando-se como governante sempre aberto a discutir o destino
do lixo, Trícoli avalia a importância dessas ações.
Num exercício futurista, prevê que insumos como vidro
e metal serão processados com maior rapidez do que a extração
natural. Desse ponto de vista, acho estratégica a implantação
de um aterro sanitário, diz ele.
Na visão do professor Alberto Pacheco, a solução
ainda patina ao sabor da falta de impulso político.
Ele lembra outra necessidade não contemplada, prejudicial ao
meio ambiente: o destino de efluentes das suinoculturas, presentes
em grande número em Bragança Paulista. Indagado a respeito,
o prefeito promete averiguar. O professor quer saber, ainda, sobre
a destinação de carcaças de animais mortos, abatidos
pela Prefeitura. Sobre isso, não obteve informações.
Além de sérios danos à saúde, tais dejetos
causam impactos nos aquíferos. Na Holanda, segundo Pacheco,
o contingente de suínos é superior à população.
Por isso, o governo deverá reduzir em 25% o número desses
animais.
Outra fonte de preocupação, em Bragança, é
a construção de fossas a montante de poços de
abastecimento de água, podendo contaminá-los. Em
todo o Brasil este é um grande problema, com solução
ainda incipiente.
A Universidade de São Paulo recomenda política de gestão
ambiental para todos os municípios pesquisados inicialmente
pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), com
plena participação da comunidade, por meio de programas
eficientes: localização adequada para a implantação
de aterro sanitário, operado a partir de tecnologia baseada
em conhecimento geológico, geotécnico e hidrogeológico,
e manutenção do sistema de controle de gases e efluentes,
assim como monitoramento dos aquíferos (pontos de água)
através de técnicas geofísicas de investigação,
complementam a iniciativa.
O lençol freático em torno do lixão, assim como
o rio Atibaia, estão sendo monitorados. O trabalho serve de
base para a tese de mestrado de Kleber Cavaça Campos, do Instituto
de Geociências, orientado pelo professor Pacheco.
Indagado sobre qual seria a melhor solução emergencial
para evitar danos aos residentes em torno do antigo lixão,
o professor recomenda clorar a água a ser bebida. A medida
não exime o poder público de buscar alternativas para
a transferência daquelas famílias, onde a situação
fossa-poço possa ser resolvida com instalação
de redes de saneamento básico e estações de tratamento
de esgotos.
Detectamos a necessidade de 5 mil habitações,
alerta o prefeito, ao acrescentar dados sobre o grau avançado
de identificação, transformação e mudança
que a medida demanda. Demonstrando acreditar firmemente na construção
de uma nova sociedade, garante que as pessoas próximas
ao lixão deverão ser transferidas para núcleos
residenciais.
Para ser implementada, porém, a medida deverá demorar
de 20 a 25 anos, uma geração, tempo suficiente
para a construção de processo adequado à
mudança, marcada pela necessidade de integração
social entre os grupos envolvidos. Porém, pondera, é
preciso, de qualquer forma, começar. Beto Trícoli,
como é chamado, revela que apenas serão transferidos
quando houver uma alternativa de transformação.
Enquanto ela não vem, encara a situação de miséria
localizada em Atibaia semelhante a muitas outras e menor que
várias pela maneira mais óbvia: Tenho pedido
às pessoas que não chamem mais ninguém para morar
ali. O Núcleo de Educação Ambiental
Entre Serras e Águas funciona em Bragança Paulista e
executa atividade estratégica, "para a construção
de consciência ambiental", segundo o prefeito. Projetos
como Semana da Água e Pomar estão em curso em Atibaia.
O Programa Quatro Estações, a ser implantado em um ano,
na Grota Funda, área de mata nativa, intocada, vai orientar
um centro de estudos destinado a integrar, nas cidades próximas,
estudantes de todos os níveis.
Vive
em Atibaia uma sólida classe média que, se não
quiser, não precisa cruzar com esse nicho de miséria,
localizado do outro lado da rodovia. O interesse da Universidade
em disponibilizar técnicos e estudiosos para administrar
problemas semelhantes aos encontrados, em maior ou menor grau, por
todo o País, está em apontar soluções
que possam ser aproveitadas da melhor forma possível.
Lixão
tratado e transformado
Lixões
caracterizam-se pela disposição de resíduos
sólidos a céu aberto. Um deles funcionou no bairro
de Caetetuba, periferia da cidade, em torno do qual surgiu favela
onde moram 150 famílias, cerca de 600 pessoas. Servidas por
água encanada, mas sem rede de esgotos, convivem com dejetos
jogados em vala comum, e estão sujeitas a problemas de saúde,
como febre tifóide, diarréia infecciosa, leptospirose,
peste bubônica, entre outras. Os que vivem próximos
daquela área, embora desativada, permanecem sujeitos às
mesmas doenças.
O professor alerta para o perigo representado pela emissão
de gases, entre eles o metano, que emana da massa de lixo e precisa
ser queimado para não ser drenado para dentro dos barracos.
Esse gás tende a aparecer no vaso sanitário
e, se alguém resolver jogar ali um palito de fósforos,
correrá o risco de ver a casa ir pelos ares, avisa.
Alberto Pacheco recomenda que estudos sobre o aproveitamento do
gás metano como combustível e para iluminação
sejam realizados. Para ele, se tivessem ocorrido na época
do apagão, poderiam ter servido como alternativa ao fornecimento
de energia.
Transformado em usina de reciclagem, o lixão substituiu a
figura do catador pela do cooperado. O Parque de Reciclagem e Compostagem
de Lixo emprega cem pessoas trabalhando na separação
do material, para ganhar dois salários mínimos mensais,
com venda de material reciclável ao setor produtivo. O salário
é computado a partir das horas trabalhadas. Pacheco explica
que o lixão foi transformado em aterro controlado, coberto
por terra, já esboçando problemas de contaminação
do lençol freático. É o que se chama,
literalmente, colocar o lixo embaixo do tapete, diz. O próprio
rio Atibaia, além de apresentar cortes da mata nativa, causando
impacto estético e paisagístico, está
incluído em problema socio-ambiental, devido aos casebres
que o circundam. Alguns barracos estão apoiados por palafitas,
em razão das cheias do rio.
Abastecemos de 53% a 55% de toda a região metropolitana
de São Paulo, Campinas, Limeira, Piracicaba, Rio Claro, Sumaré
e Americana, emenda o prefeito, a respeito da cabeceira da
segunda maior região de desenvolvimento do Estado. Resíduos
orgânicos são removidos para o aterro sanitário
de Bragança Paulista, vizinha de Atibaia, que recebeu nota
8,8 da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental),
responsável pelo Índice de Qualidade de Resíduos
(IQR). Os hospitalares vão para Campinas, permanecendo em
Atibaia apenas o lixo seco, reciclável lata, papel,
papelão, plástico. Pneus, que representavam problema
com a dengue, estão sendo vendidos a cimenteiras, em Jundiaí,
como insumo. A Operação Cata Treco, a ser deflagrada
todo mês, pretende reunir e dar destinação a
tudo o que as pessoas não usam mais, incluindo pneus velhos.
Não há saneamento básico em Caetetuba, bairro
periférico onde se instalou o lixão. A população
mais pobre se vê limitada, de um lado, pelo rio e, de outro,
pela área que se recupera. Canaletas estão sendo construídas
para conter o chorume que ainda emana do lixo coberto por terra.
Solução tida como pouco eficaz, pois o líquido
infecto deságua, sem tratamento, no rio Atibaia, assim como
90% do esgoto gerado pela cidade. A prefeitura tem planos de construir
infra-estrutura mais apropriada a esse deságüe, ainda
sem prazo para efetivar-se.
O que é descarte para uns, serve como meio de vida a outros
e de matéria-prima ao setor produtivo. Do lixão viviam
catadores, pessoas sem nenhum vínculo com o mercado de trabalho,
ganho irregular e incerto. Vítimas de atravessadores e de
ladrões, acabavam sendo traídas na tentativa de sobrevivência.
O lixo mais rico
Peças
e animais encontrados na catação deverão compor
pequeno museu do lixo. Serpentes venenosas, como coral e cascavel;
sapos, aranhas alguns vivos são mantidos
em formol, aguardando a conclusão do espaço para exposição.
Ferros de passar antigos, dos que usavam brasas, lamparinas, louças,
enfeites e até troféus podem ser vistos. Queremos
provar que o lixo brasileiro é o mais rico do mundo,
afirma o gerente da usina, Walter Ramiro Carneiro.
A área vem sendo recuperada. Prevê-se a construção
de campos de futebol e espaço para a realização
de competições sobre onde outrora havia montanhas de
lixo. O gerente anuncia campeonatos regionais de motocross.
A melhora na condição social dos cooperados teve início
difícil. Os espaços, ocupados por traficantes, tiveram
de ser conquistados. Homens e mulheres desacreditados viviam do lixo,
enfrentando a criminalidade diariamente.
Carlos Eduardo Novais, gerente da SAAE, ajudou a fundar a cooperativa.
A usina funcionava como ponto de referência para o tráfico.
Fomos ameaçados por essas pessoas. Trabalhamos devagar, até
conquistarmos tudo, através de uma boa proposta. Foi um caso
típico de vitória do bem sobre o mal, considera.
Instalações foram recuperadas, crianças matriculadas
em escolas, condição de sobrevivência oferecida
e perspectivas de crescimento vislumbradas. Para crescer, a
usina precisa começar a beneficiar o lixo coletado, aumentando
o valor de revenda.
Muito procurada nos finais de semana e feriados prolongados, por ser
região turística, de belas paisagens, quando a população
aumenta em 30%, Atibaia sofre também acréscimo de lixo
domiciliar e hospitalar nessas ocasiões. A principal atividade
econômica é a cultura de morangos e flores, ambas submetidas
ao uso de agrotóxicos, levando ao risco de contaminação
de águas superficiais e subterrâneas
Esperança renovada
Tendo o desemprego como problema comum, os cooperados encontram, agora,
formas modestas para o sustento comercializando lixo. José
Valério da Silva, 38 anos, declara estar feliz com o resultado
de seu trabalho e não tem medo de adoecer. Em cinco meses
nada me aconteceu, justifica.
O gerente da usina informa que os cooperados são vacinados
contra doenças do lixo não sabe o
nome do medicamento assim que chegam. Número cada vez
menor de crianças é encaminhado para tratamento, pelos
dirigentes da cooperativa, indicando diminuição dos
problemas de saúde. Cadastrados no INSS, na prefeitura como
autônomos e ouvidos pela assistente social, os cooperados usam
luvas, máscaras, uniformes e capacetes para executar a função.
Gastam cerca de R$ 45,00 no traje um investimento,
segundo o gerente. O presidente da cooperativa, Roberto Aparecido,
de 26 anos, três filhos, organiza o produto em fardos para a
venda e resolve as tretas que porventura ocorram: Estou
aqui para apoiar eles. Muitos de seus comandados compraram pequenas
casas e eletrodomésticos e melhoraram o padrão de vida,
depois de implantada a cooperativa.
Eles retiram o material vendável do lixo e ficam com
o dinheiro, sem que a Prefeitura interfira, resume a engenheira
Gabriela Laurelli, diretora de Resíduos Sólidos do Serviço
de Saneamento Ambiental de Atibaia (SAAE).
Aparecida Fátima Pereira declara, como diretora da cooperativa,
que conseguiu comprar uma casinha e sustenta a família
com cerca de R$ 400,00 mensais.
Eles estão no rodapé da cadeia alimentar,
lamenta o prefeito Beto Trícoli. Tiram o sustento do
que descartamos. Resta-nos a consciência de que somos extremamente
consumistas produzimos e descartamos muito. Por outro lado,
quanto mais a sociedade se educar, consumindo e descartando menos,
menos matéria-prima terão, relata, refletindo
sobre os dois lados da mesma moeda.
Várias crianças vivem por ali, embora não haja
registro de doenças às quais fatalmente estariam expostas.
Em muitos casos, os pais não conhecem os sintomas do mal e,
por isso, não consultam o médico. Certo é
que levam uma vida crítica, no limite, rebate o professor.
Responsáveis pelo abastecimento da região de Campinas,
as águas do rio Atibaia devem ser tratadas antes de oferecidas
à população. Os cuidados técnicos, agora,
acompanham a evolução do lixão para usina de
reciclagem. Nas esteiras onde são dispostos os dejetos, ainda
é possível encontrar lixo hospitalar misturado ao comum.
Às vezes encontram seringas, por exemplo, afirma
Alberto Pacheco. |