Os
oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso foram responsáveis
por uma calma institucional bastante benéfica para
o Brasil. Hoje as instituições civis estão mais
asseguradas, o risco de uma intervenção militar é
muito pequeno e a sociedade tem menos receio de eleger candidatos
da esquerda para cargos executivos. No entanto, o País que
resultou dos dois mandatos de FHC vive uma vulnerabilidade econômica
constrangedora e inquietante, sempre sob o risco da falência
provocada pelos especuladores financeiros. É o aspecto negativo
do legado do presidente-sociólogo. A análise é
do professor Renato Janine Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Para ele, a tutela militar
que no passado pairava sobre a sociedade e controlava seus
passos foi substituída pela tutela do capital internacional,
que dita suas ordens e impõe suas vontades, tal como os militares
nos anos da ditadura. Fernando Henrique não negociou
adequadamente, foi muito complacente com o capital e cedeu demais
à direita, afirma Janine, que leciona Ética e
Filosofia Política no Departamento de Filosofia.
Também como os militares no passado, lembra Janine, o capital
internacional exerce uma forte pressão sobre a democracia brasileira
a tal ponto que, nas próximas eleições
presidenciais, marcadas para outubro, a sociedade será levada
a votar pensando mais no sistema financeiro do que nos candidatos.
Os eleitores terão de fazer uma opção entre dois
candidatos que representam posturas bem distintas em relação
a esse sistema. Para Janine, José Serra, do PSDB, em
última análise, é o candidato do
capital, o melhor que o sistema financeiro poderia escolher.
Eleito, traria um relativo sossego ao mercado. No entanto,
seria incapaz de enfrentar a imensa dívida social do Brasil
a questão mais urgente a ser tratada pelo governo nos
próximos anos, segundo o professor , uma vez que não
deverá investir muitos recursos nesse setor. Já o candidato
do PT, Luís Inácio Lula da Silva, ostenta como programa
de governo o combate a essa dívida, mas sofre a desvantagem
de ser visto como uma ameaça à estabilidade financeira.
Porém, acrescenta Janine, o problema não está
na eleição de um candidato da esquerda à Presidência
da República, e sim na fragilidade econômica do País,
à mercê dos especuladores. Por causa dela, se algum investidor
decidir especular contra o Brasil, causará sérios danos
à economia, qualquer que seja o presidente, Lula ou Serra.
Alguém pode se aproveitar da situação para
especular visando só a ter lucro, não é uma questão
de política ou de partidos, diz o professor. É
por isso que essa fragilidade econômica é tão
preocupante.
Janine teme que, caso Lula vença as eleições,
os especuladores poderão deixar o País numa situação
difícil até mesmo antes de o líder do PT assumir
a Presidência algo como um golpe econômico
preventivo, próximo de um golpe de Estado. Para evitar
isso, o candidato precisa acalmar a sociedade, garantindo
que, num eventual governo petista, não haverá mudanças
políticas e econômicas bruscas. Mas isso é
difícil, porque o capital está muito mal-acostumado.
Para o professor, os outros candidatos à Presidência
da República não representam boas alternativas à
tutela do capital imposta à democracia brasileira. Anthony
Garotinho, do PSB, é demagógico e não
possui um programa de governo consistente. Ciro Gomes, do PPS, embora
mais consistente, forma uma chapa cujo candidato a vice-presidente
é líder de uma central sindical estreitamente ligada
ao capital. A sociedade vai ter que fazer experiências:
ou vota com prudência no Serra, esperando que a
situação melhore, ou aposta na esquerda.
Discursos
retóricos
Uma
das características marcantes do atual momento político
brasileiro é a falta de clareza dos planos de governo dos
candidatos à Presidência da República, na opinião
do professor Robson Barbosa, do Núcleo de Políticas
e Estratégia (Naippe) da USP. Para ele, os discursos desses
candidatos estão mais preocupados com a retórica do
que com a realidade. Não sabemos como eles vão
fazer o que dizem.
Tome-se como exemplo a taxa de juros hoje em torno de 18%
, que todos os postulantes à Presidência pretendem
ver reduzida. Robson destaca que se algum dos candidatos prometer
baixar a taxa para um índice inferior a 14% estará
mentindo. Acontece que, entre os componentes dos juros estão
a taxa de risco, a taxa de juros internacional e a taxa de remuneração.
A taxa de risco, determinada pelo mercado, se refere às incertezas
que o capital enfrenta num determinado país. Quanto mais
instáveis as instituições e menor o respeito
às leis e aos contratos, maior será a taxa de risco,
que no Brasil está em torno de 6% atualmente. A taxa de juros
internacional é balizada normalmente pelos Estados Unidos,
hoje por volta de 5%. Já a taxa de remuneração
é o índice oferecido pelo governo para tornar o país
mais atraente aos investidores estrangeiros. O Brasil oferece atualmente
cerca de 6% de taxa de remuneração. O candidato
que quiser baixar os juros tem que dizer em qual desses componentes
vai mexer e como vai fazer isso, diz Barbosa, acrescentando
que o Brasil avança lentamente para a redução
dos juros. É um processo lento.
Calendário
eleitoral
Neste
ano, as eleições para presidente, senador, deputado
federal, governador e deputado estadual serão realizadas
no dia 6 de outubro, domingo, conforme determina a Resolução
20.890 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que estabelece o calendário
eleitoral de 2002. Segundo esse calendário que pode
ser consultado na página eletrônica do TSE (www.tse.gov.br)
, a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão
se estenderá de 20 de agosto a 3 de outubro. O dia 3 de outubro
é também o prazo final para a realização
de comícios e debates públicos. A apuração
dos resultados começará às 17 horas do dia
6 de outubro e deverá estar concluída no máximo
até o dia 11, sexta-feira. As convenções para
a escolha de candidatos e formação de coligações
só podem ser feitas até 30 de junho.
O segundo turno das eleições está previsto
para o dia 27 de outubro, também domingo. A propaganda gratuita
no rádio e na televisão deverá se estender
até 25 de outubro, último dia para a realização
de debates. No dia 6 de novembro os trabalhos de apuração
dos votos já deverão estar concluídos. Finalmente,
no dia 14 de novembro encerra-se o prazo para que o TSE divulgue
o resultado da eleição presidencial e proclame os
candidatos eleitos, caso haja o segundo turno.
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