NESTA EDIÇÃO
SBH aos nove anos
Turma de direito de SBH na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro ( 2ª fila de pé, o 4º da esq. p/ direita)
Foto de d. Maria Amélia tirada por Caio Prado Júnior (1943)
Encontro com intelectuais no Restaurante Lido: Ribeiro Couto, Austregésilo de Athayde, SBH e Múcio Leão (1943) (da esq. p/ direita)
SBH ao piano durante passeio à cidade de Embu (1924)
SBH com Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Paulo Mendes de Almeida no aeroporto de São Paulo (1949)
O historiador (à dir.) caminhando na Cinelândia no Rio de Janeiro


Sérgio Buarque de Holanda em Berlim quando era correspondente dos Diários Associados (1930)
O rapaz magro e alourado carrega sua mala na estação. É pouca a bagagem que leva. Um tanto desajeitado, com um par de óculos que lhe dá certa seriedade, ele entra no trem que parte de Cachoeiro de Itapemirim. Viera para a cidadezinha do sul do Espírito Santo em 1926, e agora, menos de um ano depois, voltava ao Rio de Janeiro para retomar sua vida. O trem devagar começa a andar, deixando tudo para trás. Partia o trem para que, dez anos depois, em 1936, o rapaz publicasse seu primeiro livro, uma das obras fundadoras do pensamento brasileiro — Raízes do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda, que completaria cem anos no próximo dia 11 de julho, voltou ao Rio naquele ano mas, logo depois, embarcava para a Alemanha, onde descobriu a que viria a ser sua maior vocação — a de historiador. Surgia o interesse pela história, que ele passaria então a considerar como “o elo primordial das ciências humanas”. Antes disso, era essencialmente um crítico literário, trabalhava também como jornalista, mas tudo não passava de um bico, e ele sabia não ter encontrado ainda a sua profissão.
O contato com os estudos históricos e sociais alemães e o fato de ver o país de fora, suscitariam nele a tarefa a que se propunham os intelectuais brasileiros da época — entender o País. “Eu escrevia artigos tentando explicar o Brasil para os alemães. Só quando você está no exterior é que consegue ver o seu próprio país como um todo. Você o encara sob uma perspectiva diferente. E o Brasil não é fácil de entender”, diria ele anos depois.

Primeiros passos

Sérgio Buarque de Holanda nasceu em 1902, na rua São Joaquim, no bairro da Liberdade. Sua primeira obra não foi um livro, mas uma valsa. Composta quando tinha nove anos, a valsinha Vitória Régia foi publicada na revista Tico-Tico. Ele a tocou de improviso e alguém escreveu a partitura, que ele não sabia como fazer. Estudou piano por sete anos. Menino, gostava de dançar — especialmente o charleston — e de ir ao cinema, mas parecia diferente dos outros. Sempre teve compulsão pela escrita e era um apaixonado pelos livros. Se enfurnava na Biblioteca Pública do Estado, e lá passava horas, fascinado por autores vetustos, como os antigos cronistas portugueses. Sem saber precisar como e por que foi se tornando um escritor. “Dei para escrever com fertilidade e ferocidade inesgotável, bem indigna do autor remido em que iria me transformar”, declarou certa vez. Em tiras de papel almaço ia tomando notas das leituras e fazendo anotações diárias. Escrevia ao acaso, um misto de ficção e ensaio. Fez também os seus versinhos. “Sabia fazer versos no duro” diria Manuel Bandeira. Ele, entretanto, sempre renegou esse seu lado. “Não sou escritor por vocação, nunca fui poeta.”. Em 1921, quando Mário de Andrade publicava a sua Paulicéia Desvairada, a família Buarque de Holanda deixava São Paulo e se mudava para o Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, Sérgio Buarque ingressava na Faculdade de Direito, onde conhece Prudente de Moraes Neto, que se tornaria seu grande amigo. Começa também a publicar artigos na Revista do Brasil e em O Jornal. E além disso lia, lia cada vez com ânsia maior.
Usava nessa época um monóculo, que lhe emprestava um ar extravagante, e tinha por hábito ir, todas as manhãs, às livrarias, onde gastava todo o dinheiro que conseguia na compra das novidades do mundo literário. “Desde muito moço aproveitou ao máximo as leituras e acumulou um saber que espantava os amigos. Sobretudo porque a sua curiosidade era dirigida igualmente ao passado e ao presente, à inovação e à tradição, com o dom contraditório de se apaixonar tanto pela minúcia quanto pelo conjunto”, escreveu sobre ele Antonio Candido. (Leia entrevista com Antonio Candido na pág. 12). Em todos os lugares era visto com quatro ou cinco livros debaixo do braço, lendo na praia, nos bondes, onde estivesse. Marcava-o também a boemia. Nos cafés as discussões giravam em torno de política e literatura. No bar Lamas, no Largo do Machado, passava intermináveis noitadas ao lado de Prudente de Moraes Neto e de Gilberto Freyre. “Mais de uma vez amanhecemos, bebendo chope, em bares tradicionalmente cariocas, ouvindo os para nós brasileiríssimos e como que mestres, além de amigos, da cultura brasileira, Donga, Patrício e Pixinguinha”, recordou Freyre em depoimento. “ Nenhum de nós três era musicólogo. Mas dos três, o que, nessas noitadas inesquecíveis, sentava-se ao piano, boêmio e tocava músicas saudosas que ele sabia de cor, era Sérgio”.
Um tanto estabanado, parecia estar sempre distraído mas, na verdade, pouca coisa lhe escapava. Sabia tudo, conhecia tudo e entre os modernistas, com os quais convivia, apesar de ser o mais jovem, era de todos o mais bem informado. Por Mário e Oswald de Andrade, foi indicado para ser o representante em terras cariocas da Klaxon — primeira revista do movimento.
Ainda em1922, ano de intensa agitação, acontecia a Semana de Arte Moderna — um libelo contra as tradições. Sérgio Buarque acompanhava toda a movimentação e deveria estar no Teatro Municipal de São Paulo naqueles dias. No entanto, por não ser aluno dos mais aplicados no curso de direito, acabou ficando de segunda época, o que o deixaria preso no Rio.
Os primeiros modernistas, não tinham um posicionamento ideológico definido. É só com a publicação do Manifesto Pau- Brasil, de Oswald de Andrade, em 1924, que o grupo começava a se dividir. Contra o Pau- Brasil se insurgia o grupo Anta, em torno do qual se uniam Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti del Pichia.
Depois da morte prematura daKlaxon, Prudente de Moraes e Sérgio Buarque resolvem editar a revista literáriaEstética , que pretendia garantir certa unidade ao movimento. A pretensa unidade, entretanto, acabaria já no segundo número. Os dois começam a criticar os modernistas que não conseguem se livrar do academicismo. No artigo “O lado oposto e outros lados”, o futuro historiador decide “romper com todas as diplomacias nocivas” e investe contra os acadêmicos modernizantes, em especial Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida, que fora sua primeira grande amizade literária. As reações ao artigo foram grandes, muito maiores do que se esperava, e a onda de intolerância acabaria por megulhar Sérgio Buarque em profunda desilusão com a vida intelectual. O amigo Vieira da Cunha, o chama, nessa ocasião, para dirigir um jornal em Cachoeiro de Itapemirim, o recém-criado O Progresso. Sem conseguir enxergar uma saída possível, ele aceita o convite. Desfaz-se de todos os livros e intempestivamente vai embora, para se deixar quieto, como um jornalista de roça. Foi ainda durante essa temporada que trabalhou, pela primeira e única vez, como advogado. Formado já havia dois anos, atuou como promotor na cidade de Muniz Freire. Para trabalhar teve que viajar seis horas no lombo de um burro e quando chegou estava de tal maneira esfolado, que só um banho de sal-moura foi capaz de fazê-lo comparecer ao júri no dia seguinte.
Grande gozador, em Cachoeiro se divertia instigando a briga entre duas famílias rivais, e com suas conversas, um tanto avançadas, logo ganhou o apelido de Dr. Progresso. Costumava tomar umas e outras e seria justamente a farra que o curaria da crise existencial. “Benditos porres de Cachoeiro de Itapemirim! Eles nos valeram a devolução, em perfeito estado, de Sérgio, enfim descerebralizado, pronto para a aventura na Alemanha”, escreveu Manuel Bandeira no livro Flauta de Papel. Bandeira conta ainda que, não fosse um feliz incidente, Sérgio Buarque teria se deixado ficar esquecido em território capixaba. “Por um triz que Sérgio se perde, e foi quando pretendeu ser professor no ginásio de Vitória. O Estado do Espírito Santo até hoje não sabe a oportunidade que botou fora quando seu governador de então voltou atrás do ato que nomeava professor de História Universal e História do Brasil o futuro autor de Raízes do Brasil” Depois da curta temporada e da escala no Rio, o futuro autor partiria para Berlim como enviado especial dos Diários Associados. Rubem Braga conta, em uma crônica do seu livro Recado de Primavera, que quando os amigos de Cachoeiro viram aquele nome no jornal se perguntaram, incrédulos : “Será o Dr. Progresso?” Ao que alguém respondeu “ Que o quê! Então o Chateaubriand ia mandar um bêbado daquele para a Europa?”
Para a Alemanha, Sérgio Buarque tinha levado as notas de um projeto ainda dos tempos de convivência com Prudente de Moraes Neto. Enquanto trabalha como jornalista e também como tradutor de filmes, entre eles o famoso Anjo Azul, com Marlene Dietrich, procura dar consistência à idéia de um ensaio sobre nossa formação. A historiografia alemã o influencia bastante e seu primeiro clássico começava a ganhar forma. De volta ao Brasil, o livro continuaria a ser trabalhado e seria o primeiro da coleção Documentos Brasileiros que a Livraria José Olympio iniciava. Os bares e os cafés cariocas não têm mais sua presença constante e a literatura ia perdendo espaço para a história. Começava uma nova fase em sua vida.
É ainda nesse mesmo ano de 1936 que o boêmio se deixa aprisionar e se casa com Maria Amélia Alvim. Os filhos começavam a vir, um atrás do outro, e os livros também. Mas não muitos.
“Num país onde se escreve demais, ele escreveu relativamente pouco. Ao contrário da precocidade nacional, dos que começam a produzir com 18 anos e morrem com 25, ele publicou o primeiro livro aos 34, já em plena maturidade”, escreveu Antonio Candido.
Sérgio Buarque sempre foi comedido com a quantidade, preocupado em esgotar cada assunto, fez de cada livro uma viagem profunda. Seu estilo devassa o processo histórico e sua cultura monumental lhe permitia a reconstrução minuciosa da maneira de ser de povos esquecidos no tempo.
Raízes do Brasil fora apenas o prelúdio. As obras posteriores se diferenciam imensamente do ensaio de estréia, deixam o cunho especulativo e interpretativo de lado e passam a estar fortemente calcadas na pesquisa histórica. “Ele valorizava profundamente a pesquisa empírica em que se deve ir aos fundamentos, aos manuscritos, aos documentos, e imprimiu essa característica às suas obras”, explica a professora do Departamento de História, e sua assistente, Suely Robles.
Em 1946, viria o convite para ser diretor do Museu Paulista e depois de 25 anos distante ele voltava à sua cidade natal. “São Paulo tornara-se inseparável de minha nostalgia da infância e da mocidade”, disse na ocasião.
O contato com a documentação sobre o estado enquanto esteve à frente do museu o teria motivado a escrever dois livros - Caminhos e Fronteiras e Monções. Em ambos tratou da colonização e povoamento dos interiores, em especial do sertão paulista. Segundo Suely, “ ele sempre escrevia motivado pelas lacunas da história do Brasil. Se preocupava em cobrir os vazios da historiografia buscando assuntos que precisavam ser pesquisados”.
Visão do Paraíso, por muitos considerada sua obra mais erudita, lhe tomou anos de pesquisa. Em uma época em que predominava o cunho econômico-social das análises, o livro antecipava a historiografia das mentalidades francesa, ao estudar os motivos edênicos dos descobrimentos. Com os pés fincados nos estudos literários,Sérgio Buarque faz uma recomposição da concepção paradisíaca que os descobridores tinham do Novo Mundo. Os fundamentos mais remotos da história do continente são recuperados e a obra vai atrás do repertório de crenças e lendas que transmitiam a idéia de que o Éden terrestre de fato existia. O novo continente seria uma dádiva divina, uma terra coberta de riquezas, “em que se plantando tudo dá”.
Visão do Paraíso foi escrito em 1958 como sua tese de cátedra para a USP, na qual já dava aulas havia dois anos. Por isso, apesar da longa pesquisa, como a data do concurso se aproximava, a redação do livro teve que ser feita em pouco mais de três meses. A tarefa não custou pouco esforço ao autor, que era um perfeccionista. “Dr. Sérgio costumava dizer que escrever lhe custava muito. Ele só trabalhava com dicionários do lado e nunca deixava de escrever cinco ou seis vezes o mesmo texto”, se lembra Suely. “Era muito rigoroso e buscava a precisão das palavras.” Apesar de ser reconhecido por suas qualidades literárias, dono de um estilo raro no ensaísmo brasileiro, ele mesmo declarou em depoimento: “ Tenho aguda consciência de minhas limitações pessoais como escritor, e confesso aqui, sem modéstia fingida, que hoje, na idade a que cheguei, o ato e o hábito de escrever me vão fugindo cada vez mais”.
Logo que passou a trabalhar na Faculdade Filosofia, que ainda funcionava no prédio da Maria Antonia, Sérgio Buarque se mudou para o Pacaembu. Na rua Buri, nº 35, a casa em estilo normando tinha as portas sempre abertas e vivia cheia de historiadores, de amigos e dos seus alunos. Longe do estereótipo do intelectual casmurro, Sérgio Buarque era um exímio contador de histórias e um grande gozador. “A sua casa era uma festa”, conta José Sebastião Witter, professor aposentado do Departamento de História da USP, que foi seu aluno e assistente. “Ele sempre nos chamava para ir lá. Até um determinado momento se discutiam as questões do departamento, das pesquisas, mas tudo sempre terminava em uma conversa sobre música, uma piada, uma fofoca sobre os outros catedráticos”. Como professor, gostava de emprestar livros aos seus alunos, de sugerir temas para as pesquisas e, ainda que não intencionalmente, criou uma geração de historiadores. “Ele imprimiu suas características ao grupo. Sabia que às vezes belas construções teóricas não se apóiam na realidade histórica e por isso valorizava a pesquisa com documentação”, explica Suely.
A ditadura militar viria em 1964, mas a repressão chegaria ao ápice quatro anos depois. Com o AI-5, as persseguições políticas aumentaram e, dentro da Universidade, vários professores foram afastados compulsoriamente. Sérgio Buarque de Holanda não deixou de se posicionar e resolveu se aposentar como forma de protesto. O historiador que sempre fora um supersticioso — tinha tanto horror ao número13 que nunca deixava o 13º cigarro sobrar no maço— deixava a Universidade depois de exatos13 anos de trabalho. Ele não voltaria mais a dar aulas, mas nunca deixou de pesquisar. Já no final da vida resumiu sua experiência:” Geralmente confundem historiador com antiquário. Escrever história é ter uma visão dialética do passado e, eventualmente, de suas consequências no presente”. Seu último grande trabalho foi a coordenação da série História Geral da Civilização Brasileira, da qual esteve a frente de sete dos 11 volumes. Para essa empreitada, mobilizou, entre 1960 e 1972, dezenas de colaboradores mas acabou fazendo sozinho um dos livros. Quando chegou ao 7º volume, cansado das cobranças e dos atrasos, escreveu as quase 500 páginas de Do Império à República. Com esta obra, o autor se tornava um dos maiores especialistas no período imperial. “Trata-se de um grande livro, de uma modernidade extrema, mas que acabou não tendo a repercussão que merecia porque trata, na década de 70, de temas que só agora estão sendo pesquisados”, diz Suely. Sua preocupação política, que sempre fez questão de manifestar em suas obras e em suas atitudes, acabariam por levá-lo a ser um dos fundadores do PT, em 1980. O historiador morreria dois anos depois. Ainda na mesma crônica do livro Recado de Primavera, Rubem Braga rememora uma certa noite de verão, com lua cheia, quando Sérgio saía de um baile — não em Cachoeiro, mas na Vila de Itapemirim. “Ele dizia que ia acender o cigarro na Lua. E partiu, cambaleando entre as palmeiras. Vai ver que acendeu.”

Um clássico de raízes

Um “clássico de nascença”. Assim Antonio Candido definiu o primeiro livro de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. Mas Sérgio Buarque não foi autor de um livro só. Escreveu tratados de peso, comoVisão do Paraíso, e o ainda esquecido Do Império à República, que faz uma minuciosa análise de nosso passado monárquico. Contudo, esse seu livro de estréia tornou-se tão famoso que fez esquecer os outros. Publicado em 1936, quando a ditadura do Estado Novo batia às portas, trata-se de obra curta, de texto discreto, com poucas citacões, mas que marcaria definitivamente a maneira de se fazer e se pensar história no Brasil.
Nesse ponto de superação das tradições, o autor critica a cultura personalista, a colonização predatória, a ação das elites, a literatura que é simples manifestação do bacharelismo. Ao construir a obra sobre uma metodologia dos contrários, opondo os pares — o trabalho e a aventura, o rural e o urbano, o impessoal e o afetivo - ele se debruçava sobre os fundamentos de nosso destino histórico.

Projeto para o Brasil

“Esse seu primeiro livro é um ensaio histórico, fácil de ler e muito interpretativo”, define Suely Robles, professora do Departamento de História da USP. Até Raízes do Brasil , Sérgio Buarque de Holanda era um crítico literário. Foi depois de sua viagem à Alemanha que lhe surgiu o interesse pelos estudos históricos e sociais. Marcado pelos livros de Max Weber e pelas aulas de Meinecke que assistiu em Berlim, chegou ao Brasil tendo nas mãos um calhamaço de mais de 400 páginas, um rascunho do que viria a ser Raízes do Brasil. Nesse seu pequeno grande ensaio, ele somava os seus talentos — o de escritor e o de historiador. À análise revolucionária, que abordava temas sobre os quais se silenciava, junta-se uma prosa clara, de estilo elegante e sem pedantismos.
No apontar de nossas mazelas, Raízes vê os processos políticos e econômicos também como fenômenos culturais. Para o homem cordial , categoria que o autor define no livro, todas as relações são baseadas no afeto e não na razão, o que explicaria a confusão freqüente entre o público e o privado, e a maneira como se constituiu o Estado brasileiro — como uma extensão da família. Bom exemplo disso é o critério que os donos do poder sempre utilizaram na admissão dos servidores públicos — as relações familiares e de simpatia. Nessa sua análise, a dimensão personalista invade a política.
Sérgio Buarque não busca no passado lições para o presente, ele procura na história formas de superá-lo, lá estão os adversários a combater. Para nos livrarmos de nosso passado colonial, da herança rural e oligárquica, o historiador aponta o poder que teria uma intervenção de novas forças sociais — as massas urbanas e de caráter cosmopolita. É essa a grande novidade em sua reflexão, a sua radicalidade. “Dr. Sérgio sempre dizia que é preciso dar voz aos que não têm”, lembra José Sebastião Witter, seu assistente e ex-diretor do Museu Paulista. Com Sérgio Buarque, o povo até então expulso das narrativas oficiais ganhava o seu lugar. Se tornava ator da história, dono do seu destino.

 




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