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Cada coisa em seu lugar: cuidado que tem a mão de Dirce, sua mulher

Ianelli e Dirce: 56 anos juntos na vida e na arte

Nas escadas, o desenho do artista

Casa e ateliê: um mundo à parte

Ianelli: 61 anos trilhando pela arte



Exposição procura envolver os visitantes no clima da revolução

É
no olhar curioso das crianças que visitam o seu ateliê que Arcangelo Ianelli tem, aos 80 anos, a certeza de que está apenas começando a aprender a viver. De vez em quando, os garotos vão espiá-lo em sua sala e perguntam admirados: “O senhor é o artista?”.
Ianelli responde brincando: “Acho que sou eu”. Percebe os meninos dando risada. “Outro dia, um deles comentou: ‘Nossa! E o senhor ainda está vivo!’ Achei engraçada a espontaneidade. Mas o garoto tinha razão. Todos os meus contemporâneos já se foram. Rebolo, Bonadei, Mário Zanini, Mabe, Fukushima... Na verdade, estou lutando contra o tempo”.
Na luta contra o tempo, Ianelli busca a energia de cada manhã. Faz questão de levantar bem cedo e saudar o sol caminhando no Parque da Aclimação, onde tem diversas esculturas. Vai para o ateliê e trabalha sem parar. O movimento das crianças — há dois anos ele participa de um projeto junto das escolas e abriu o seu ateliê para a visita dos alunos — alegra a rotina. “Uma vida é muito pouco. Para ser artista precisaria de três vidas. Uma só para estudar e pesquisar. Outra para exercitar o aprendizado. E a terceira para realizar.”
Apesar do jeito tranqüilo, Ianel-li desabafa a inquietação. “Tenho vivido uma aflição. Preciso correr no trabalho. Dizem que todo artista é um eterno insatisfeito. E eu sou assim. Quando penso que estou terminando um quadro, me vem a sensação de que, na verdade, estou só começando. Concebo uma paisagem na mente, mas a mão nunca obedece. O que me consola é saber que o tempo é curto para o artista, mas não tem limites para a arte...”

Um mergulho no mundo da forma e da cor

Ianelli expõe pouco, mas produz muito. Perdeu a conta das pinturas que fez nos últimos 61 anos. Suas esculturas também já têm uma história de 27 anos. Para criar todas essas obras e mergulhar na forma e na cor, o artista foi construindo um mundo à parte, em pleno bairro do Paraíso.
Hoje, esse mundo — integrado por 12 casas antigas que Ianelli foi adquirindo e reformando desde a década de 60 — traduz todas as dificuldades e sonhos de sua trajetória. O muro alto e o portão de ferro escondem esta vila. Um jardim com folhagens típicas da mata atlântica vai revelando outras linhas da mão do artista. “É muito bom mexer na terra, plantar”, conta. “Não gosto de ficar podando. Prefiro deixar as plantas crescendo à vontade, com as formas de sua própria natureza.”
O caminho que leva ao ateliê é entremeado de réplicas de estátuas renascentistas e fontes. No piso de cimento das calçadas, dos corredores e das escadas, Ianelli também gravou o seu desenho. “O meu lazer é o meu trabalho”, diz. “Só saio daqui e só viajo se for por algum motivo relacionado à arte.”
Cada espaço desta vila foi projetado pelo próprio artista. Mas, na verdade, é Dirce, sua mulher, quem há 56 anos cuida de sua vida, das contas e da agenda. Organiza a rotina para que o artista ganhe tempo para criar. “Quando nos casamos, o pai de Ianelli tinha a esperança que eu fosse desviá-lo da pintura”, lembra. “Mas ficou desapontado quando percebeu a minha felicidade ao vê-lo desenhar.”
As tintas, os pincéis, os quadros... Tudo em seu devido lugar. Há uma casa só para guardar as madeiras que esticam as telas. Ianelli as prepara no próprio ateliê. Também tem outras salas para montar os projetos das esculturas. Pelas paredes, o artista vai pendurando alguns pensamentos que extrai dos livros e das conversas com os amigos.
Um corredor aqui. Outro lá. As portas se abrem sempre para os sonhos de quem buscou a luz. O galpão de esculturas é um destes espaços luminosos. Há dezenas de obras. Todas de mármore branco para captar os tons ao redor. “Gosto de ouvir a opinião das pessoas sobre o meu trabalho, especialmente as mais simples, que falam as coisas como sentem. Fiquei feliz quando vi uma senhora, mais ou menos da minha idade, observar a escultura Os Amantes no Parque da Aclimação. Ela ficou olhando atentamente e me disse: ‘Achei bonita. Mas o senhor bem que poderia ter feito uma curvinha aqui para a gente saber que esta era a mulher’. Creio que a arte é uma educação visual. Não se entende pintura ou escultura. Você aprende a sentir. Vai observando museus, exposições, murais e depura o olhar. Para perceber os valores de uma obra, não é preciso ir à escola. É preciso saber sentir.”
Logo na entrada da vila, à esquerda, um sobrado pintado de branco como as outras construções, mas repleto de janelas envidraçadas, guarda todas as pinturas do artista desde o início de sua trajetória. É uma galeria organizada de forma bem didática. A primeira sala traz quadros figurativos de 1940 a 60. As outras vão apresentando a sua evolução pela fase geométrica até chegar no abstrato e se entregar, com autonomia, às cores. Ianelli passou a descobrir o vermelho em todos os seus tons. Depois, o azul, o verde, o preto, enfim, cada uma das cores em sua plenitude.

“Pintar não é profissão. É um destino”

Paulistano, filho de imigrantes italianos, Ianelli completou 80 anos no último dia 18 de julho. Já recebeu uma homenagem do Salão Paulista de Arte Contemporânea e está sendo lembrado também pelo Salão de Belém do Pará. Pretende comemorar com a cidade organizando duas exposições. A primeira, em setembro, será a maior de sua trajetória — na Pinacoteca. Vai levar uma mostra da sua vida guardada na vila do Paraíso. “Irei reunir os quadros e as esculturas. Acho que a obra de arte deve falar por si. É uma redundância o artista buscar definir, por outros meios a não ser através de sua obra, a sua mensagem e a sua proposta. Ela tem, como a música, o seu mundo e a sua linguagem própria e autônoma.” A segunda mostra irá acontecer em outubro, no Museu de Arte Contemporânea da USP, na sede do Ibirapuera. Será uma coletiva, com a participação de Claudio Tozzi, Tomie Ohtake, José Roberto Aguillar, Antonio Henrique Amaral, Wesley Duke Lee entre outros representantes da arte contemporânea.
Quem olhar atentamente as exposições, talvez descubra um Ianelli que o artista nunca fez questão de pintar. É a pessoa alegre que se esconde em leves pinceladas. Pai de Kátia, professora e restauradora de quadros, e de Rubens, médico e artista plástico, e avô de Mariana, Simone, Mayra, Luís Henrique, Otávio e Lucas.
Mas o mais importante: o companheiro que Dirce foi ajudando a retratar com cuidado nas cores de uma mesa sempre bem posta. No café da manhã — com iogurte natural, queijo branco, torradas — ou no almoço e jantar equilibrado com carnes brancas, verduras, legumes e frutas, ela vai criando toda a infra-estrutura para a arte. A casa, que fica nos fundos da vila, foi decorada ao gosto do artista. Mas é Dirce quem cuida e zela pelos seus sonhos. Enquanto o marido conversa, observa com admiração. De repente, interrompe o artista para lembrar: “Puxa, como você tem as mãos lindas. Precisamos moldá-las em gesso.” Escolhe os filmes na locadora para assistirem juntos nos momentos de descanso. Uma organização e disciplina que acabam fluindo em arte. “Como bem disse Paul Cézanne, pintar não é uma profissão. É um destino”, diz Ianelli.

Uma vida entre pincéis e tintas


“A meta é buscar a simplicidade”

Quando está pintando, Arcangelo Ianelli mergulha na essência da cor. E quando esculpe emerge na forma. Entre a cor e a forma, o que o artista busca é o ser simples. “Tudo o que eu mais quero é a simplicidade. Mas nada é mais complicado do que ser simples”, diz.
Nesta luta interior, Ianelli pinta e esculpe sem parar. Toda esta inquietação que vai se transformando em arte vem de longe. “Sempre gostei de desenhar”, conta. “Quando era menino, meu pai, que era construtor, me fazia desenhar as fachadas das casas. Queria um filho engenheiro, não artista.”
Ianelli fala das dificuldades de sua trajetória e ri de si mesmo. “Lembro do meu tio olhando os quadros, logo que comecei na abstração. Ele ficou observando e me disse: ‘Você está pensando em sobreviver fazendo isto? Eu não queria estes quadros nem de graça’. Gostei da sinceridade.”
Entre 1940 e 60, desenvolveu uma pintura figurativa. Campos, marinhas, cais, casarios, naturezas-mortas... Ianelli fez inúmeras paisagens caracterizadas por tons suaves. Foi nesse lirismo que Ianelli caminhou para o abstracionismo, conquistando vários prêmios no Brasil e exterior. Tem obras no acervo dos museus de Kioto e Osaka, no Japão; Museu de Arte Moderna do México e de Roma; Museu Rufino Tamaio e Instituto Cultural Domecq, no México; Museu de Arte Moderna La Tertúlia, em Cali, Colômbia; Museu de Belas Artes de Caracas, Venezuela; Museu de Arte de Toronto, Canadá; Museu de Skopje, Iugoslávia; Art Gallery of Brazilian American Cultural Institute, Washington; acervo das embaixadas em Roma, México e Munique.
No Brasil, suas obras estão presentes no Museu de Arte Contemporânea da USP, MAM-SP, Masp, Museu de Arte Brasileira da Faap, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu Antonio Parreiras, de Niterói, MAM - BA, Museu de Arte Contemporânea de Olinda, Museu do Artista Brasileiro em Brasília, entre outras coleções.

 




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