A
maioria dos adolescentes de 17 e 18 anos, alunos de escolas públicas,
que vão votar para presidente da República pela primeira
vez, não sabe quem é o atual presidente, nem a qual
partido político pertence. Pelo menos esta é a impressão
que passam jovens que residem em bairros vizinhos da Cidade Universitária.
Reclamam da falta de infra-estrutura de lazer em favelas e da educação
ministrada nas escolas em que estudam. Mostram-se desvinculados dos
direitos de cidadania e não acreditam no voto como meio de
transformação do País. Mas, ainda assim, sugerem
ao futuro presidente medidas que possam trazer melhorias para a sociedade.
O único dos entrevistados formado no ensino médio em
colégio particular, Leonardo Nóbrega, de 18 anos, pede
que o governo olhe mais para o povo, pois até agora "tem
preservado o lado financeiro em detrimento do social". Talvez
precise colocar "um pouco de amor no que faz", diz. O menino
recomenda segurança preventiva, no que é acompanhado
por Rodrigo Lopes, 18 anos, que ainda acrescenta: "O presidente
deve ter consciência do cargo que está assumindo, que
não é pra qualquer um, não!".
Como
o poder acaba em mãos erradas
Roberto
Alves quer todos vivendo em paz e, por isso, a segurança
deve ser atendida. Edney Vicente, 18 anos, pede revisão do
salário mínimo.
Educação e saúde são apontadas como
condição básica, às quais todo cidadão
tem direito. Mas, na ausência de candidatos bons e da não-obrigatoriedade
do voto, Samara Pires, 17 anos, não vai mesmo votar. Ao contrário
dos que preferem abrir mão desse direito, ela o valoriza:
"Se todos pensarem que nada muda com o voto, o poder acaba
na mão de pessoas erradas". Luis Inácio Lula
da Silva, Ciro Gomes e José Serra são imediatamente
lembrados como candidatos e também o partido do presidente,
PSDB. Alguns orgulham-se de anular o voto, não votar em ninguém.
Acreditam que não vale a pena, como Antonio Carlos Moreira
da Silva, de 17 anos, para quem o processo eleitoral é inócuo
e os políticos, "todos ladrões". Estudante
da 6ª série em escola pública, morador da Favela
do Sapé, próxima do Rio Pequeno, bairro da zona oeste
de São Paulo, sintetiza: "Isso é política".
Ele não entende o voto como elemento capaz de transformações
sociais. Vem verificando essa situação com os pais,
que, segundo pensam, nada conseguem modificar por essa prática.
Os adolescentes declaram ter necessidades mais urgentes, como educação
e lazer, "jamais alcançadas pelo voto". Indicam
como "bom" presidente da República quem for capaz
de contemplar o bairro onde moram, "tampando buracos das ruas
e trazendo atividades de lazer para a comunidade". Caçula
de cinco irmãos, Antonio Carlos tem de se dirigir à
Favela São Remo, pois a do Sapé não conta com
benefícios através dos quais possa "aprender
alguma coisa".
Deverá votar "de vez em quando, ano sim, ano não,
pois não dá prazer votar em quem só promete",
afirma a respeito de decisões futuras. O primeiro nome de
candidato às próximas eleições que lhe
vem à cabeça é o do próprio presidente
Fernando Henrique Cardoso (que não é candidato). Sonha
um dia ser professor de capoeira, atividade na qual se exercita
no Circo Escola São Remo. Por enquanto, mostra-se entusiasmado
com a perspectiva de trabalhar numa lanchonete, seu primeiro emprego
fixo. Nada arrisca sobre o futuro do Brasil: "Só ele
mesmo poderá dizer".
Apesar de não morar em região de favela, Michele Ras,
17 anos, tem a mesma necessidade de informação sobre
os candidatos que Luciano Farias, de 22, professor de dança
da São Remo. Ele sugere programas políticos de rádio
e televisão adequados a adolescentes. Michele afirma, com
segurança, seu voto em José Serra, de quem conhece
o partido (PSDB), justificando: "Eu acho que ele vai seguir
a política do atual governo, na qual acredito". Bons
presidentes preocupam-se em melhorar o nível de informação
das pessoas, segundo ela.
Infeliz
por ser obrigado a votar
Situado
mais à esquerda, Ubirajara Gonçalves, 18 anos, votará
em Lula. "É o único que tem mentalidade socialista;
ele pensa no povo." Para o rapaz, Lula não deverá
pagar a dívida externa, pois "entende de Brasil, não
de França ou Estados Unidos".
Sentindo-se "infeliz" por achar que é obrigado
a votar, Ericsson Magnavita, de 17 anos, 8ª série de
curso supletivo, resume: "Nunca votei, mas sei como é
o negócio: você vota, vota, vota e não adianta
nada". Longe de vislumbrar saídas, responde ao direito
de voto, que não consegue compreender, como se respondesse
a uma agressão: "Vou votar em branco".
Afirma não sentir orgulho disso, mas vê-se sem alternativa.
"Eles são tudo ligeiro, ensaiam quando falam no horário
político." Para Ericsson, o mais velho de quatro irmãos,
essas pessoas "falam o português correto mas, na nossa
linguagem, não entendemos o português direito, pois
os presidentes não querem a educação para o
povo; não querem que o povo fique esperto. Se ficar esperto,
se conscientiza que eles não são aqueles que prestam",
declara.
Com os ânimos já acomodados, pondera não ser
esta a melhor opção: "Perceberão que o
povo não escolheu ninguém e tomarão a liderança
do País, fazendo o que quiserem". A perspectiva é
desagradável, mas insuficiente para destituí-lo da
idéia inicial de votar em branco.
Do atual presidente não recorda o nome. Quando puxa pela
memória, resume: "Tem o Maluf, mas parece que é
para vice". Alguns segundos de espera e a resposta vem mais
trabalhada: "O Garotinho (Anthony Garotinho) é candidato
a presidente". Ericsson também quer viver da capoeira,
arte da qual afirma "entender quase tudo". Em breve trabalhará
como auxiliar de aula dessa dança-arte, em dois colégios
da capital. O menino refere-se ao Brasil como país que "não
tem nada, onde todos querem dinheiro ".
Aluna do Circo Escola São Remo, Kátia Ferreira de
Moura, de 16 anos, 8ª série, moradora da favela, ainda
não sabe em quem votar. Compartilha da opinião de
Magnavita: "Não tem ninguém que preste",
pois prometem e não cumprem. Nega-se a admitir que formou
esse pensamento com base no que ouviu em casa: "Eu vejo isso".
Arriscou definir política como "alguém acima
da gente que tenta ajudar, mas não consegue". Se tivesse
de pedir algo ao presidente, pediria que "arrumasse a São
Remo", onde faltam equipamentos de lazer e há buracos
nas ruas. Violência, falta de emprego e miséria são
três dos problemas apontados por Ronaldo dos Santos, 18 anos,
a serem resolvidos logo. Para ele, as questões se interligam:
"Falta de emprego leva ao roubo, a pessoa acaba matando, gera
violência. Miséria leva pessoas para a rua, sem lugar
para morar, gerando também violência, pois vão
roubar. Quanto a isso, os presidentes dizem que vão ajudar,
mas até agora, nada".
Um
programa só para adolescentes
Para
ser bom, o presidente teria de "falar e fazer, ser sincero,
ter boas idéias para construir um país melhor".
Emprego para todos, menos violência, acabar com corrupção
entre políticos e policiais, além de melhor salário
com menor jornada de trabalho, melhorando as chances de estudar,
tudo isso deveria ser oferecido, na visão do professor de
dança Luciano Farias, de 22 anos. Ele reclama de o horário
político nada esclarecer: "Não informam como
escolher o melhor". Sugere programa de rádio e televisão
mais dirigido a adolescentes. "A gente vê tanta babaquice
que perde a paciência".
Ronaldo lembrou apenas de Lula e acredita, desconhecendo as regras,
que o atual presidente da República quer se reeleger. "Não
tenho como pagar faculdade e é difícil entrar na USP,
por ter muita gente", reclama.
Hélio Bernardo, de 17 anos, não vai votar porque a
burocracia enfrentada para tirar o título o fez desistir.
Reflete, agora, que "foi meio errado" não enfrentá-la
em troca do direito de escolher seus governantes, mas "na hora
não deu para evitar".
Os adolescentes entendem que não é preciso gastar
muito para diminuir a violência. Recomendam que o governo
deixe de gastar em coisas sem importância, administrando melhor
o dinheiro. Só assim, eles esperam, deixarão de presenciar
cenas de violência "por motivos banais" nas escolas
onde estudam.
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