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Desde que Napoleão fugiu da Ilha de Elba e voltou para ocupar o trono da França por cem dias, esta marca de tempo se tornou emblemática. Nesse caso, a greve que paralisou inicialmente o Departamento de Letras e, posteriormente, toda a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) deve ter algum tipo de recorde: iniciada no dia 2 de maio, ela só foi encontrar seu ponto final na última quarta-feira, quase madrugada de quinta. Tinham se passado exatos 104 dias e a volta à normalidade na faculdade que é uma das bases da criação da Universidade de São Paulo finalmente pôde ser empreendida. Mas não sem muito esforço. Por várias vezes a paralisação pareceu que iria ser suspensa: quando foi criada uma comissão tripartite, formada por professores, alunos e a Reitoria; quando a Reitoria autorizou a contratação de 92 docentes para a FFLCH em três anos, número que os alunos grevistas acharam muito distante dos 259 pedidos; ou quando a congregação da faculdade aprovou o calendário de reposição de aulas para o primeiro semestre e o calendário para o segundo, marcando o reinício dos cursos para o último dia 12. Mas nada disso surtiu efeito e só depois de muitos encontros, muitos debates durante a semana passada e de uma assembléia concorridíssima na última quarta é que os alunos chegaram à conclusão final: por 637 votos a 511 – além de 28 abstenções –, a greve da FFLCH estava encerrada.
Se a sensação agora é de alívio, não era isso que o início da semana prometia. Com o calendário de reposição de aulas divulgado, o primeiro semestre se reiniciaria no último dia 12 e iria até o dia 28 de setembro, com o segundo semestre começando no dia 7 de outubro e se esticando até 1o de fevereiro de 2003. Só que na segunda-feira, dia 12, praticamente não houve aulas nem pela manhã nem à noite na FFLCH. Os professores e alunos de Letras que tencionavam retomar a vida acadêmica foram impedidos de entrar no prédio devido a piquetes montados por outros alunos, favoráveis à manutenção da greve. A situação se repetiu, quase da mesma forma, na terça e na quarta-feira, com grupos de alunos e professores querendo aula e impedidos por outros colegas. Se não houve aulas, o mesmo não se pode dizer de assembléias. Foram pelo menos duas a cada dia, uma pela manhã, outra à noite. E praticamente todas para deliberar, primeiro, que a greve continuaria e, segundo, que haveria nova assembléia no dia seguinte. Para tudo se acabar na quarta-feira, quando aconteceu o grande, e finalmente decisivo, encontro, com mais de mil alunos lotando o saguão do prédio da História, em uma reunião que começou às 19h30 e só foi acabar por volta da meia-noite.

Racha Estudantil

Na verdade, a greve iniciada pelos alunos de Letras em 2 de maio e que depois ganhou a adesão de toda a FFLCH, estava perdendo o fôlego gradativamente, mesmo antes das teóricas (para os grevistas) férias de julho. Com o início do segundo semestre, o racha estudantil entre alunos da faculdade ficou mais explícito, com uma boa parte dos estudantes desejando retornar à normalidade de seus cursos, enquanto uma outra parcela apregoava a continuidade da paralisação. O bloco monolítico que havia se formado em maio em torno do pedido por mais docentes para a Letras – considerado justo por vários professores – estava fragmentado e, para muitos, o fim da greve era questão de tempo. O caso era saber de quanto tempo. E as opiniões divergiam cada vez mais. “Sou a favor do fim da greve. Construí a paralisação por três meses, mas considero que é o momento para terminá-la. Acho que os professores impuseram um dilema aos estudantes quando disseram que iriam voltar à sala de aula. E ainda há o risco do cancelamento do semestre”, ponderava, na terça-feira, dia 13, o aluno Dimitri da Silva, quartanista de Ciências Sociais. E na contramão vinha Leandro Paixão, do terceiro ano de Letras: “Esse movimento foi vitorioso em todos os momentos. Foi vitoriso quando conseguiu 12 professores, foi vitorioso quando conseguiu 50 e quando conseguiu 92. Nós poderíamos ter parado a greve a qualquer momento. Mas isso não é razão para terminá-la. Ela é o nosso único instrumento de negociação com a Reitoria”.
Entre essas vozes discordantes, porém, havia espaço para a moderação. “Pessoalmente penso que a greve dos alunos está em um momento difícil. Acho que ela deveria acabar de forma unitária, com todos os alunos e docentes. Está se criando um clima de enfrentamento entre professores e estudantes e essa é uma situação que só favorece aos inimigos da FFLCH e da universidade pública”, considerou o professor Oswaldo Coggiola, do Departamento de História e vice-presidente da Adusp. De forma talvez um tanto enigmática, Coggiola não mencionou quais seriam os “inimigos” da FFLCH, mas indicou muito bem o caminho a ser seguido.

Bom começo

O fim da greve na FFLCH, se foi uma boa notícia para todos, foi ótima para uma pessoa em especial: o novo diretor da unidade Sedi Hirano, que tomou posse ainda na tarde do dia 12, quando todas as soluções pareciam obliteradas. Tendo recebido a paralisação como herança, o novo diretor tinha como meta resolvê-la o mais breve possível, mas sem abrir mão de determinados princípios – apesar de ver como válido o movimento dos estudantes. “O patrimônio cultural humanístico da FFLCH foi resultado do debate dialético de idéias e concepções diversas. Portanto, o espaço para o dissenso e a possibilidade de consenso são imprescindíveis para a própria vida acadêmica, que repousa em um primado democrático de ensino”, afirmou o novo diretor em seu discurso de posse.

 




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