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Mural, o maior feito na cidade por Tozzi, exigiu um estudo cromático e ambiental da Angélica e arredores
Cores e formas mudam a paisagem. Escadas estão sempre presentes, mesmo que diluídas
 
Tozzi entre arte e arquitetura
Painel estimula o olhar de quem passa pela Praça da República
Artesãos trabalham na montagem do painel

Quando o semáforo da avenida Angélica, na altura do número 2.000, fechar, o paulistano terá um motivo a mais para aprender a viver com arte. Sentir sem pressa o movimento da cidade. Olhar o vale do Pacaembu se abrindo entre os prédios. E apreciar, na paisagem, o mural de 600 metros quadrados que o artista Claudio Tozzi, também professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, está montando na fachada do Edifício Exclusive, número 2.016, em fase final de construção.
O painel, que deve ficar pronto nas próximas semanas, vai oferecer o azul em todas as nuances. Do mais escuro ao quase branco. “É um azul que irá se fundir com o céu e as suas variações sugerem a vibração da cidade”, planeja Tozzi.
Para chegar a esta multiplicidade de tons, o artista pesquisou pastilhas de diversas marcas nacionais e importadas. Mas a meta não era só buscar a cor e a forma. Ele procurou encontrar uma imagem que se integrasse com o desenho da avenida Angélica. “Fiz uma pesquisa ambiental e cromática”, conta. “Observei a arquitetura dos prédios vizinhos. Percebi que o azul era a cor que propiciava o equilíbrio. Depois, desenvolvi diversos estudos para equacionar o desenho gráfico do painel e fui filtrando as soluções...”
Todo este apuro justifica a seleção do mural em um concurso promovido pela Quota Empreendimentos Imobiliários para valorizar o edifício e presentear a cidade. Participaram 506 artistas plásticos de todo o Brasil. “Este prêmio incentiva o muralismo em São Paulo, que é uma tradição um pouco esquecida”, observa Jacob Klintowitz, curador do prêmio que também participou da comissão julgadora junto com o diretor presidente da Fundação Memorial da América Latina, Fábio Magalhães, e com o crítico de arte Enock Sacramento. “Foi muito difícil escolher o vencedor porque pelo menos cem trabalhos também eram de ótima qualidade.”

Aliar arte e
Arquitetura

Um desenho com a cara da Angélica e o ritmo da cidade. O desafio não chegou a tirar o paulistano Claudio Tozzi da rotina. Desde o início da década de 70, vem defendendo a integração da arte com a arquitetura. Já criou painéis em diversos pontos da cidade. Na Praça da República, nas estações da Sé e Barra Funda e em vários edifícios, a sua pintura tenta despertar um novo olhar sobre a paisagem urbana. Interferir na vida da cidade resgatando seus espaços com mais leveza, luz e cor. É deste jeito que vem aliando também a sua posição como artista e arquiteto.
“As artes plásticas são essenciais na organização da comunicação visual e também no modo de pensar a cidade”, explica Tozzi. “É muito importante que a arte saia dos limites dos museus e das galerias para ocupar as ruas, as praças, os edifícios e fazer parte da paisagem e da vida das pessoas. Esta unidade de ação de pensamento, da arquitetura e da pintura pode determinar uma arte única e resolver as questões entre uma e outra.”
Com 34 metros de altura, o painel da Angélica reforça este conceito. Um recado que fica por conta do azul. “Pensei em vários desenhos. Um deles, por exemplo, tinha linhas curvas, mas eu o eliminei porque iria criar um contraste visual com a forma da avenida. Optei por trabalhar com a leitura de toda aquela quadra. Quando você for em direção à Paulista e se aproximar do prédio, irá observar uma pequena parte lateral. Quis reforçar exatamente o sentido do ângulo que corresponde a aresta do edifício.”
O desenho e a cor criaram uma trama que envolve o prédio em uma coerência perfeita com a arquitetura. “Analisei o comportamento do desenho no edifício, verificando a relação de cada andar com as linhas do painel. Importante também foi o estudo do comportamento técnico para garantir a sua durabilidade. O porcentual de dilatação das pastilhas teve de ser muito bem analisado porque o coeficiente de dilatação dos vidros é diferente do coeficiente de dilatação do concreto. Ou seja, a área de instalação do desenho exige cuidados específicos. Estas informações são importantes na criação de uma obra pública.”
Arte e arquitetura são, na avaliação do secretário de Estado da Cultura, Marcos Mendonça, uma parceria importante para a valorização da cidade. “A iniciativa da Quota Empreendimentos consolida a importância da arte como objeto de convívio público e serve de exemplo para outras instituições privadas”, acentua. “É interessante ver uma empresa particular valorizar o seu empreendimento com o desenho dos artistas. É um jeito saudável de repensar e construir a cidade.”


Colcha de retalhos: obra em pastilhas fragmentadas em um centímetro é o destaque da Estação Sé do Metrô

A meta é sair pelas ruas

Os pincéis estão prontos para serem utilizados. Os tubos de tintas, no lugar. E o mais importante: a praça Joanópolis, Sumaré, entrando no ateliê com as árvores frondosas, o canto dos pássaros. E muita luz. De manhã ou de tarde, a arte de Claudio Tozzi recepciona o sol. É o único a ocupar o espaço enquanto ele pinta. “O dia-a-dia no ateliê é muito solitário”, diz. “Passo a maior parte do tempo aqui dentro. Só saio duas tardes para dar aulas na FAU. Ou ir ao cinema, teatro e restaurantes à noite.”
Apesar da aparente tranqüilidade – ele não gosta nem de ouvir música enquanto trabalha – a cidade invade o espaço através dos papéis que rabisca, nos quadros, esculturas. As cores e as formas estão sempre pulsando. Têm um ritmo próprio. E quando volta às ruas sai levando a mão do artista.
Um bom exemplo deste movimento pode ser observado na Estação Sé do Metrô. Para criar o mural ali exposto, em 1979, Tozzi fez uma pesquisa entre os passageiros. Perguntou o que eles queriam ver pelas paredes e fez três maquetes. Uma era um astronauta em uma nova sensação do espaço, do céu. Era um elemento do ar na terra. Outra, uma série de silhuetas caminhando pela cidade. E a terceira lembrava uma colcha de retalhos feita pelas mulheres da periferia em seus momentos de lazer.
A população acabou elegendo a colcha de retalhos. “Era a arte que muita gente conhecia de perto.” Tozzi instalou o painel com pastilhas fragmentadas de um centímetro. A integração com o espaço foi harmoniosa. Em azul, amarelo-ouro, branco, marrom, tem todo um clima de festa com janelas, bandeiras e flores. “A meta da arte é este diálogo com a cidade”, diz o artista. “É necessário que o designer, o arquiteto e o artista plástico se unam em um processo de trabalho interdisciplinar. E a sua formação deve ser ampla de informações tecnológicas e conhecimento de valores humanos abrangendo questões que extrapolam o simples ato de criar ou de projeto, um objeto isolado.”

Artista da massa

Tozzi começou o seu percurso em 1963, ganhando um concurso para o cartaz do XI Salão Paulista de Arte Moderna. Era um estudante típico da FAU – na época, a graduação ficava no prédio da rua Maranhão –, entre sonhos de liberdade e muitos motivos para protestar. “Ele se agitava e corria pelas ruas de São Paulo, fotografando as multidões em passeatas. Lançava um olhar atento e comprometido com o momento, fixava flagrantes do contemporâneo conturbado”, conta Daisy Peccinini, crítica de arte e pesquisadora do Museu de Arte Contemporânea da USP. “As fotos, segundo seu proceder minucioso, eram trabalhadas em laboratório, para chegar às margens em alto contraste, recortadas, montadas e justapostas. Compareciam em sua pintura, imediatista, em termos de comunicação de massa. Imagens do momento, de forte caráter semântico, constituindo-se em uma iconografia urbana.”
Astronautas, Guevara, movimentos da massa estavam presentes nas primeiras páginas dos jornais e também na arte de Tozzi. “Sua narração se desenvolvia em séries como a Guerra do Vietnã, O Bandido da Luz Vermelha ou a crítica ao poder através de um conjunto de imagens de parafusos”, explica Daisy. A mais famosa delas foi criada em 1977: um parafuso apertando o cérebro. “Eu ainda continuo utilizando este objeto, mesmo que diluído entre outras imagens”, diz o artista. “Como a escada, é um símbolo sempre presente.”
A emoção dos anos rebeldes interou-se, nos anos seguintes, com a razão. “Não gosto de definição do meu trabalho por fases ou por décadas”, observa. “Prefiro apresentá-lo como um todo, mesmo porque há imagens feitas há muito tempo que estou retomando e reavaliando. E tem coisas como a série Papagália que hoje eu não faria.”
A presença da cidade e da massa evoluiu nos trabalhos de Tozzi. Buscou caminhos diferentes. Hoje, ela não está tão explícita. As emoções vêm à tona com precisão estética. Os sentimentos fluem no ritmo dos contornos de cada desenho. Nada óbvio. E a São Paulo e os rostos, ao contrário dos anos 60, não aparecem. São imagens que transparecem, insinuando-se na paisagem. O artista deixa as formas por conta de quem vê. Concede autonomia para o espectador. Uma autonomia que nasce do tumulto de idéias no ateliê.
Claudio Tozzi, 58 anos, começa a pintar logo cedo em uma rotina disciplinada. Apesar dos projetos fluírem no espaço urbano com organização, o artista não gosta de prever o futuro dos seus trabalhos. “Eu não sei como eles irão evoluir”, diz. “Nos últimos anos, tenho feito imagens monocromáticas. Talvez um dia transforme um único detalhe em uma tela. Acho que a tendência é simplificar. Buscar o essencial.”

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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