Depois
de quase 22 anos da morte de Nélson Rodrigues, montagens
de suas peças continuam levando aos palcos suas personagens
suburbanas. As produções extrapolam os limites das
cochias e chegam ao grande público em forma de minisséries
televisivas e nas grandes telas de cinema. São inumeráveis
as releituras de sua obra. O público as absorve, muitas vezes,
direcionando o olhar para o enredo folhetinesco e chocante, como
nas décadas de 40 e 50, quando a maior parte dos textos foi
escrita. Observando essa valorização das histórias
de Nélson, não só por parte do público
mas principalmente pelos idealizadores das montagens, a aluna do
Departamento de Artes Cênicas (CAC) da USP Ana Roxo concebeu
o espetáculo Overnelson, que está em cartaz no Teatro
Laboratório da Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da USP.
Na
peça, um Nélson agonizante recebe suas personagens
em seu leito de morte. Antes de morrer, como na vida real, o dramaturgo
sofre sete paradas cardíacas e, conforme elas acontecem no
palco, as personagens fazem perguntas a ele, levantando uma série
de questões. Ana selecionou os arquétipos mais marcantes
do autor para compor as cenas: a ninfeta, o malandro, o herói,
a heroína trágica, a prostituta, o menino reprimido
e o pai repressor. Personagens consideradas por muitos polêmicas
e imorais, eram definidas pelo autor como “vis, para que não
o sejamos. Elas realizam a miséria inconfessa de cada um
de nós”.
A peça
se torna uma brincadeira, ao mesmo tempo em que é uma crítica.
Através de crises de identidade dos arquétipos, Ana
quis brincar com a leitura psicologizante que os textos e as próprias
personagens recebem. “É burrice montar Nélson
para chocar, porque ele não choca mais. As pessoas precisam
fazer paralelos com a atualidade, colocar o questionamento social
que é deixado de lado na construção de histórias
erotizadas.”
Para
ela, acontece um apego muito grande ao enredo, o que faz com que
o autor seja mal explorado. “A dramaturgia de Nélson
Rodrigues é muito rica, apresenta diversos elementos como
flash-backs e personagens mortas que têm participação
na vida de outras. Mas eles não são valorizados.”
A peça é calcada em cenas de Nélson Rodrigues
intercaladas e entrecortadas por diálogos construídos
por Ana. Dessa maneira, são mostrados, além de fragmentos
de cena, alucinações das personagens e delírios
de um Nélson em coma.
E se
em Overnelson questões são discutidas por um grupo
de sete atores, em Bis, trabalho final de interpretação
de Clarissa Kiste, apenas duas personagens encenam a vida como ela
é, bem dramática pela sua própria existência.
Com texto de Luiz Cabral e direção da professora Beth
Lopes, a peça gira em torno de um casal que tenta dormir
mas não consegue. Uma situação cotidiana que
se repete e é retratada por gestos e falas que também
se repetem, formando um grande ciclo ininterrupto.
Os
problemas de comunicação e a rotina são tratados
no palco por meio do teatro físico. “Os movimentos
são bem definidos, o corpo entra no lugar do tempo psicológico”,
define Clarissa. Ela também explica que as personagens resultam
das suas ações, e são realizados atos concretos
de modo a proporcionar uma identificação visual no
lugar de diálogos psicologizados.
A revisão
de conflitos, a obscuridade do passado dos dois e as conversas cortadas
têm como base o trabalho dos atores, já que o único
elemento cenográfico se resume a um lençol. E é
nesse lençol que se enroscam lembranças e onde ficam
marcados ressentimentos e as angústias de um casal que já
esqueceu a razão por que permanece unido por tanto tempo.
O
Teatro Laboratório da ECA fica na av. Prof. Luciano Gualberto,
trav. J, 215, Cidade Universitária. Overnelson tem última
apresentação neste sábado, às 20h. Bis
fica em cartaz até o dia 13 de outubro, sábados e
domingos, às 21h. Os ingressos são gratuitos e devem
ser retirados com uma hora de antecedência. Mais informações
pelo tel. 3091-4375.
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