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Pesquisadores
brasileiros e estrangeiros se reuniram na USP para discutir
os caminhos do País rumo ao desenvolvimento econômico
e social |
Quem
quer que venha a ser escolhido no próximo dia 27 para ocupar
a Presidência da República pelos próximos quatro
anos – Luiz Inácio Lula da Silva ou José Serra
–, terá pela frente uma missão das mais complexas:
fazer o País retomar o seu crescimento. Por crescimento,
nesse caso, não se entenda apenas o econômico, o mais
óbvio e aquele que fez candidatos praticamente transformarem
o tema em “samba de uma nota só” durante a campanha
e eleitores perderem o sono até apertar a tecla “confirma”
no último dia 6. O crescimento de uma nação
vai muito mais além do que pode mostrar seu aspecto endinheirado
ou não. Ele passa por soluções não só
econômicas, mas também – e tão importante
quanto – por questões políticas, sociais e tecnológicas.
Foi
exatamente para debater esse crescimento homogêneo e amplo
do País que pesquisadores nacionais e estrangeiros se reuniram
entre os dias 7 e 9 para o seminário “Brasil: Como
Crescer? Para Onde Crescer?”. Realizado no Anfiteatro Camargo
Guarnieri e organizado pelo Departamento de Sociologia da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), pela Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e
pela Escola Politécnica, esse terceiro seminário internacional
da USP reuniu nomes como Saskia Sassen, professora de Sociologia
da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e da London School
of Economics; Ha-Joon Chang, diretor do Centro de Estudos do Desenvolvimento
da Faculdade de Economia e Política da Universidade de Cambridge,
na Inglaterra; Michael Storper, professor de Urbanismo e Planejamento
e Geografia Econômica da Universidade da Califórnia;
o professor emérito da USP José Arthur Gianotti; o
físico Luiz Pinguelli Rosa; o economista Luiz Carlos Bresser
Pereira e o professor da FEA Ricardo Abramovay, entre outros. O
encontro foi aberto pelo reitor Adolpho José Melfi, que dividiu
a mesa no dia 7 com o ex-reitor e atual secretário de Planejamento
de São Paulo Jacques Marcovitch, o vice-reitor Hélio
Nogueira da Cruz, a diretora da FEA Maria Teresa Fleury, o diretor
da FFLCH Sedi Hirano e Glauco Arbix, coordenador-geral do seminário.
“Nossa intenção é reunir centenas de
professores, pesquisadores e estudantes para pensar como retomar
o desenvolvimento. Isso será fundamental para esse novo capítulo
da história brasileira que está se abrindo agora”,
disse Arbix. O seminário teve 832 inscritos e deverá
ser transformado em livro.
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Aloizio Mercadante e o vice-reitor
da USP, Hélio Nogueira da Cruz |
Havia
a possibilidade de tanto Serra quanto Lula participarem do encontro,
mas os dois candidatos que passaram para o segundo turno preferiram
mandar representantes: Serra enviou o professor da Fundação
Getúlio Vargas Gesner de Oliveira, coordenador de seu programa
econômico, e Lula deu lugar a Aloizio Mercadante, o senador
mais votado do País. Mas a ausência do futuro presidente
do Brasil não ofuscou o encontro. Pelo
contrário. Durante os três dias foram discutidos temas
essenciais para se redirecionar o crescimento brasileiro, com os
debates abordando desde a Alca e a tão propalada –
e questionada – globalização até educação
continuada, ciência e tecnologia e o combate à fome.
E não há como dissociar o Estado dessa discussão.
“O Estado não é um mero participante, mas um
protagonista do desenvolvimento”, afirmou Marcovitch, cuja
opinião, posteriormente, teve a concordância tanto
de Gesner de Oliveira quanto de Mercadante (veja texto nesta página).
E foi exatamente como ator principal de todas as mudanças
que poderão ocorrer no País que ele foi tratado durante
todo o encontro.
Paradigmas
de desenvolvimento
Nesse
papel de protagonista, muitos debatedores acreditam que o novo governo
deva dar uma atenção especial à questão
da globalização, como apontou a professora Saskia
Sassen. “A globalização econômica e política
é um processo multivalente. No desenvolvimento econômico
e social não há como não lidar com a globalização,
mas isso não significa que ela tenha que ocorrer com rapidez”,
disse a socióloga. “O que temos que fazer é
criar condições para que ela ocorra sem muitos prejuízos
e, para isso, devemos maximizar a participação das
pessoas, pois a crise da globalização pode diminuir
nossa crença cívica, política e social.”
Já a professora Meredith Woo-Cummings, também da Universidade
de Chicago, acredita que o Brasil, para crescer, tenha que se mirar
nos exemplos do Sudeste Asiático, principalmente no da Coréia
do Sul.
Para
ela, tanto Brasil quanto Coréia são países
com economias de porte semelhante e que nos anos 90 se viram abalados
por crises de modelos de desenvolvimento. Segundo a professora,
com o modelo de substituição de importações
esgotado, esses países teriam buscado a abertura de suas
economias, desprezando a importância do Estado na gerência
econômica. “Brasil e Coréia precisariam, neste
momento, buscar novos paradigmas de desenvolvimento”, afirmou.
“A Coréia do Sul vivenciou uma situação
semelhante à que o Brasil vive hoje, com turbulências
econômicas às vésperas de eleições
presidenciais, com os candidatos tendo que assinar uma carta de
intenções com o FMI. A grande diferença entre
os dois países, porém, é que no Brasil existe
uma crise de endividamento público, enquanto na Coréia
do Sul essa dívida é do setor privado. Hoje, Brasil
e Coréia vivem crises e precisam organizar suas economias
para o século 21. No Brasil, por exemplo, já se sabe
quais são os problemas a serem resolvidos: a questão
da desigualdade, da educação, do desemprego”,
disse. “Os brasileiros já sabem como reorganizar sua
economia. Mas, por mais eficiente que seja o mercado, ele não
poderá cumprir essas tarefas, simplesmente porque não
está interessado nelas. Questões como igualdade e
preservação do meio ambiente, por exemplo, têm
que ser resolvidas pelo Estado.”
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O reitor da USP, Adolpho
José Melfi (no centro) fez a abertura do evento |
Se
Meredith Woo-Cummings apontou para o leste, em direção
à Ásia, Bresser Pereira, ex-ministro dos governos
Sarney e Fernando Henrique, ampliou o leque, discutindo modelos
de desenvolvimento para os países das chamadas “economias
intermediárias”, nas quais se incluem, além
do Brasil e da Coréia do Sul, a Argentina, o México,
a Índia e a China. Segundo Bresser, essas economias intermediárias
já teriam realizado suas revoluções capitalistas,
já teriam resolvido o problema de acúmulo de capital
e teriam economias duais, com um núcleo capitalista moderno
e um núcleo arcaico. O desenvolvimento, para ele, seria uma
transição de todo núcleo arcaico em núcleo
moderno. “Para que isso se dê, o que proponho é
que se olhe pelo lado da demanda, entendendo-se demanda como estabilidade
macroeconômica”, disse Bresser. “O grande equívoco
do governo FHC não foi a ausência de política
industrial, mas o equívoco da política econômica,
que trouxe desequilíbrio macroeconômico ao País,
aumentando a dívida externa, criando um grande déficit
em conta corrente e elevando as taxas de juros além do necessário.
A instabilidade desestimula o investimento e agrava a situação.
O que aconteceu é que nos endividamos mas não crescemos.”
“A
revolução não está mais no horizonte”
Longe
da discussão econômica, que monopolizou uma boa parte
do encontro, o professor José Arthur Gianotti achou espaço
para fazer uma análise do quadro político que emergiu
depois do dia 6, saudando a entrada, definitiva para ele, da esquerda
na política brasileira. Gianotti ressaltou que a tensão
criada entre as propostas do PSDB e do PT, que agora disputam a
Presidência no segundo turno, teria sido responsável
pela construção de um projeto nacional. Essa tensão,
segundo o professor, revelaria também o esgotamento da hegemonia
de Fernando Henrique e o surgimento de uma geração
de novos agentes políticos. Grandes caciques da política
nacional foram mandados para casa enquanto houve um avanço
da política de centro-esquerda. “O PT, um partido orgânico,
com vínculo com os movimentos sociais, tem hoje um pragmatismo
necessário para fazer chegá-lo ao poder. Esse seria
o momento da entrada do PT no jogo político”, disse
Gianotti. “A revolução deixou de estar no horizonte
e a palavra ‘socialismo’ pode ter sido alijada dos programas
partidários da esquerda. A esquerda abandonou o seu messianismo
e nós incorporamos grandes agentes nacionais na política.”
Segundo
Gianotti, há apenas dois partidos com configuração
definida: o PT e o PFL. O primeiro saiu vitorioso dessas eleições,
enquanto o PFL, apesar de sua grande bancada, sai como perdedor
e tem a maior parte de seu poder no controle dos sistemas municipais.
“Nesse quadro, o jogo de alianças, pautado por finalidades
pragmáticas e não programáticas, como o caso
da aliança PT-PL, se torna regra”, afirmou Gianotti,
para ressaltar que o fundamental, contudo, é como essas alianças
são efetivadas. “As alianças de Fernando Henrique
Cardoso com os caciques nacionais impediram a evolução
das reformas necessárias. Nenhum dos dois candidatos definiu
até agora como se dará a organização
para fazer aquilo que estão propondo. É preciso haver
um nível eficaz de controle de quem serão os aliados
e quem serão os adversários. É preciso deixar
bem claro com quem irão atuar.”
A
educação na pauta do segundo turno
Mesmo
sem a presença dos convidados mais aguardados – Lula
e José Serra –, o debate sobre o crescimento do País
com seus dois representantes, Gesner de Oliveira no dia 8, Aloizio
Mercadante no dia 9, cumpriu o seu papel social de informar como
poderá ser o futuro governo. Tanto Oliveira quanto Mercadante
tocaram em várias questões de fundo e que dizem respeito
diretamente à tão desejada retomada do crescimento
brasileiro, como investimentos em tecnologia, educação,
participação ou não na Alca, FMI e Universidade
Pública – além, é claro, de crescimento
do PIB, combate à inflação... Por mais que
possam ter divergido em determinados pontos, os dois entraram em
acordo em outros. Como no caso da Alca – que foi, por exemplo,
duramente criticada por Pinguelli Rosa.
Para
ambos, o Brasil deve, sim, entrar na Área de Livre Comércio
das Américas, mas não às cegas. “O caminho
é escapar da globofobia, que faria o Brasil perder oportunidades,
e também da globomania, que seria um ingresso sem negociação.
A saída é um ingresso acompanhado de acesso também
aos mercados americanos”, disse Gesner de Oliveira. “Não
é possível dar as costas às negociações
porque elas vão ocorrer. Mas é preciso exigir reciprocidade.”
O tom de Mercadante foi praticamente o mesmo.
“Não
adianta dizer simplesmente não à Alca, negar o problema
e dizer que não vamos participar. Nós precisamos exportar
para os Estados Unidos, eles são grandes compradores, mas
não podemos aceitar a forma como o acordo está sendo
proposto. É preciso defender nossos interesses”, disse
o recém-eleito senador. “Existe uma lista de 297 produtos,
justamente aqueles com os quais somos mais competitivos, que eles
não aceitam negociar e mantêm as barreiras. É
preciso promover uma discussão ampla a respeito com a sociedade
brasileira, o que ainda não foi feito.” Segundo Mercadante,
para quem o ciclo do neoliberalismo está esgotado, “é
preciso criar fundos de compensação para os países
em desenvolvimento”.
Quando
o assunto mudou seu eixo e apontou para questões como ciência
e tecnologia, educação e universidade pública,
os discursos mudaram um tanto de tom. Oliveira, por exemplo, acenou
com números para o crescimento dos investimentos em C&T
em um eventual governo Serra. “O governo Serra pretende dobrar
o investimento em Ciência e Tecnologia, algo em torno de 2%
do PIB. Essa área será vista como essencial para o
crescimento econômico, fazendo com que cresça não
só a participação pública, mas também
privada no financiamento de pesquisas. Nesse caso, a universidade
será uma parceira do governo”, afirmou ele para, a
seguir, responder a um questionamento sobre qual o papel que a universidade
pública, cuja importância teria sido relativizada no
governo FHC, teria com José Serra. “O programa de governo
tem metas para cada setor de ensino no Brasil. A universidade será
importante no desenvolvimento de novas tecnologias, também
tem um papel de destaque na área da saúde, como, por
exemplo, na questão das doenças tropicais.”
Já
o discurso de Mercadante, se tocou nos mesmos pontos e aprofundou
outros, foi mais crítico. “O investimento na educação,
na ciência e na tecnologia é fundamental. A educação
é hoje o problema estrutural mais grave do País, o
ensino está tomado por uma grande mediocridade e isso está
dentro da própria universidade”, afirmou. “É
preciso envolver a universidade no projeto de formação
de um novo País. Sem cultura, sem inteligência, sem
ciência não há como o País crescer”,
continuou, para, olhando a platéia, concluir: “Vocês
não têm o direito de estar em uma universidade como
a USP se não for para estudar e pesquisar muito para ajudar
o Brasil a crescer. O projeto de nação passa pela
universidade, mas também é preciso mudar a universidade,
acabar com a burocracia e a mediocridade e com privilégios
inaceitáveis, como as aposentadorias precoces”.
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