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Disfunção genética caracterizada por uma falha no funcionamento do processamento da linguagem, a dislexia é um dos muitos distúrbios da aprendizagem identificados, em geral, somente na idade escolar. A novidade é que um grupo de pesquisadores brasileiros, docentes das três maiores universidades paulistas – USP, Unesp e Unicamp –, vai dar início, a partir de fevereiro de 2003, ao projeto Dislexia e Distúrbio de Aprendizagem: estudo genético, fonoaudiológico e neuropsicológico, que visa ao diagnóstico da dislexia. O projeto foi aprovado recentemente pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Inicialmente, a intenção é descobrir o fator genético causador da dislexia. Em setembro passado, os dez pesquisadores que integram o projeto estiveram reunidos pela primeira vez no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, o Centrinho, de Bauru. “A idéia do projeto surgiu da prática do Serviço de Fonogenética do Centrinho, que desde 1990 vem atuando com crianças que têm queixas de dificuldades de fala, audição, escrita e fracasso escolar com histórico familiar – o que fez a equipe elaborar um projeto para estudar as dificuldades escolares e suas origens”, declara Célia Giacheti, professora do curso de Fonoaudiologia da Unesp de Marília, uma das pesquisadoras do projeto.

“Teremos quatro anos para executar o trabalho de campo e analisar as amostras de sangue que serão coletadas em cerca de 150 famílias”, explica o geneticista do Centrinho Antonio Richieri Costa, coordenador do projeto. As famílias serão escolhidas nas cidades de Bauru, Botucatu, Marília e Campinas, onde funcionam as instituições de ensino das quais os pesquisadores fazem parte.

Segundo Richieri Costa, um dos principais objetivos da pesquisa é descobrir outros genes vinculados à dislexia. “Já conhecemos três genes ligados a esse problema. Queremos identificar outros, para então chegar ao próximo objetivo, que é o diagnóstico”, afirma. Num segundo momento, com um mapeamento de todos os genes ligados à dislexia, será possível investir em procedimentos de avaliação, intervenção e orientação a pais e professores.

“Esta é uma iniciativa multidisciplinar que vai envolver, além de geneticistas, também fonoaudiólogos, pediatras, psicólogos, neurologistas, neuropsicólogos e outros colaboradores da área de pesquisa e ciência”, acrescenta a neuropediatra da Unesp de Botucatu Niura Padula, integrante do projeto. O grupo – que também conta com a participação do geneticista Danilo Moretti Ferreira, da Unesp de Botucatu, e do psicólogo Fernando Capovilla, da USP de São Paulo – deve voltar a se reunir neste mês de outubro.

Problemas de leitura

Literalmente, dislexia quer dizer dificuldade na leitura e escrita. Para a International Dyslexia Association (IDA), dislexia é um distúrbio específico da linguagem, constitucional (neurológico), de origem genética, caracterizado pela dificuldade de decodificar palavras simples, resultando em problemas como dificuldades de leitura e de aquisição de linguagem, além de falhas na capacidade de escrever e soletrar. Os estudiosos não a consideram uma doença, portanto não é possível falar em cura.

De acordo com a professora do curso de Fonoaudiologia da Unesp de Marília Simone Capellini, a principal característica do disléxico é ter um desenvolvimento na leitura e na escrita abaixo do esperado para sua idade e escolaridade. Isso acontece porque a criança faz confusão na associação da imagem auditiva, visual e mental do som. Em razão dessa confusão, podem acontecer trocas na fala, na leitura e na escrita ou somente na leitura e escrita. Fique atento, por exemplo, se, ao falar, seu filho começar a trocar gato por cato, sorvete por sovete, o nome Daiane por Caiane – características típicas das chamadas trocas surda-sonoras feitas por disléxicos. Daí a importância de avaliar o processamento auditivo da criança. “Uma das avaliações pertencentes ao processo do diagnóstico é o processamento auditivo, ou seja, como o som é processado no caminho da orelha ao cérebro”, explica Marisa Ribeiro Feniman, professora do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, também pesquisadora da Fapesp.

A troca surda-sonora, no entanto, é apenas um dos sintomas. Porém, nem todas as crianças que falam e escrevem dessa forma apresentam dislexia. Esse é um dado muito frisado pelos profissionais que acompanham pessoas disléxicas. Segundo eles, toda criança com dislexia apresenta problemas de aprendizagem, mas nem todo problema de aprendizagem está relacionado à dislexia. “A dislexia só é identificada quando a criança está inserida num contexto educacional, ao passo que outros distúrbios de aprendizagem já podem ser verificados desde os primeiros momentos da fala”, esclarece Célia Giacheti. “Pode haver crianças que têm dificuldade para aprender porque a metodologia de ensino é inadequada ou porque ela está com algum distúrbio emocional ou até mesmo por não ser estimulada pelos pais de forma adequada quanto às tarefas de leitura e escrita”, complementa Simone. Por essa razão, o diagnóstico da dislexia é bastante complexo e precisa ser feito por uma equipe multiprofissional que usa como critério a exclusão. “A criança disléxica não tem deficiência auditiva (embora possa apresentar alteração no processamento auditivo), nem tem deficiência visual ou mental. Ela está inserida num contexto educacional e não apresenta lesão neurológica”, explica.

A fonoaudióloga explica também que é difícil saber quantas crianças têm esse problema de aprendizagem no Brasil. “O que se sabe, graças a estudos de diversos pesquisadores, é que de 5% a 10% das crianças, com idade a partir de cinco anos, apresentam dislexia.”

Integração criança, família e escola

Em geral, os pais descobrem o problema quando a criança entra na escola. Por isso os professores são peças-chave na identificação de sinais da dislexia. Eles podem detectar o distúrbio através de vários “sinais” apresentados pelos alunos. Um desses sinais é justamente o maior uso das aptidões ligadas à criatividade e às artes, relacionadas ao hemisfério direito do cérebro, o que, segundo Simone, é uma maneira de compensar as falhas do processo de fala, linguagem, leitura e escrita, cujo responsável é o hemisfério esquerdo. Isso faz sentido quando se lembram de nomes de disléxicos famosos como Auguste Rodin e Pablo Picasso.

O geneticista Richieri Costa adverte que “é preciso entender que o disléxico não tem nenhum comprometimento intelectual, embora muitos confundam a dislexia com quadros de limítrofes ou deficientes mentais – que podem estar relacionados a outros distúrbios de aprendizagem”. Sabe-se, também, que pode haver comprometimentos que agravam o quadro de dislexia, como o emocional, socioeconômico e cultural, porém, esses comprometimentos ocorrem como componentes agravantes das dificuldades da dislexia, e nunca como causas.

O fonoaudiólogo deve discutir estratégias de linguagem (que visam a favorecer o estabelecimento da relação letra-som) e discutir com o professor. Além disso, segundo a fonoaudióloga Simone Capellini, é preciso dar atenção a um tripé determinante para se obter bons resultados com o disléxico: criança, família e escola. Deve haver um planejamento conjunto entre os profissionais e a família para o desenvolvimento de mecanismos compensatórios e adaptativos para a aprendizagem escolar.

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) – em unidades instaladas nos campi de Marília e de Botucatu –, e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) oferecem atendimento a pessoas disléxicas. O serviço é gratuito e pais ou professores que suspeitarem que seu filho ou aluno apresenta algum sinal de dislexia podem procurar informação nos ambulatórios das universidades. Pelo Projeto Fapesp – que envolve profissionais dessas três universidades e também o Serviço de Genética do Centrinho – também é possível fazer inscrição para futuro diagnóstico.


Observe o seu filho

Estas são as características de crianças com distúrbios de aprendizagem:
* dificuldades de contar e recontar histórias e de lembrar canções e rotinas diárias;
* dificuldade em produzir e compreender frases complexas;
* dificuldade de lembrar números e dias da semana;
* dificuldade em aprender o alfabeto e versos;
* trocas na fala que não foram superadas aos seis anos de idade;
* desorganização;
* dificuldades de compreensão de leitura.

 

Mais informações sobre diagnóstico e tratamento para dislexia podem ser obtidas no Centro de Estudos de Educação e Saúde, na Unesp de Marília, pelo telefone (14) 433-0231, ou no Serviço de Genética Clínica do Centrinho pelo telefone (14) 235-8183.

 




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