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John Sulston
 
 
 
 

Avanços da ciência são responsáveis por grandes mudanças na vida da humanidade. Homens e mulheres hoje têm maior expectativa de vida, por exemplo, por causa do estudo e das descobertas científicas daqueles que mergulharam neste mundo cheio de surpresas. O Prêmio Nobel, dado anualmente desde 1901 para as áreas de física, química, medicina e fisiologia, literatura, economia e para quem promove a paz, tem como preocupação pré-estabelecida por seu idealizador, o inventor da dinamite Alfred Nobel, homenagear aqueles que contribuem para a melhoria da qualidade de vida e para o avanço da sociedade, seja através da ciência, da arte, da cultura ou da religião.

Este ano, o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia foi dividido entre três cientistas: os ingleses Sydney Brenner e John Sulston e o norte-americano Robert Horvitz. Suas descobertas acerca da regulação genética do desenvolvimento dos órgãos e tecidos e sobre o processo de morte celular programada – também conhecido como “suicídio”das células – foram reconhecidas pela sua importância mundial, principalmente no que se refere à saúde.

O corpo humano consiste em milhares de tipos de células, todas originárias do óvulo fertilizado. Durante o processo embrionário e o período fetal, o número de células cresce demasiadamente. Mais tarde, elas amadurecem e especializam-se na forma de vários tecidos e órgãos para a formação do corpo. No entanto, muitas células também surgem somente na fase adulta. Paralelamente a essa geração de células novas, o processo de morte que outras sofrem também é normal. “Durante a formação de nossas mãos, por exemplo, várias células tiveram que morrer para que nossos dedos pudessem ser formados de maneira adequada. E assim acontece com outras partes do nosso corpo, como na formação do nosso tubo digestivo, por exemplo”, explica o professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Gustavo P. Amarante-Mendes. “Outro exemplo interessante é a morte que acontece durante a regressão da cauda do girino em seu processo de metamorfose até tornar-se o sapo adulto”, exemplifica o professor.

Genes que matam

Cada um dos três vencedores teve participação bem definida nas várias etapas do estudo. Sydney Brenner, por exemplo, foi quem definiu que o verme Caenorhabditis elegans era uma boa espécie para servir como modelo de organismo. Trata-se de um animal multicelular, relativamente simples, microscópico e transparente, que pode ser facilmente observado durante seu desenvolvimento. De acordo com Amarante-Mendes, Brenner é contemporâneo à descoberta da estrutura do DNA, e foi a partir disso que decidiu dedicar-se à tentativa desenvolver um sistema biológico onde se tentasse ver qual era a relação entre genes e proteínas no desenvolvimento dos tecidos e dos órgãos desde o embrião. Em 1974, Brenner demonstrou que mutações em alguns genes específicos do Caenorhabditis elegans podiam ser induzidas através do uso de um composto químico chamado EMS (Ethyl Methane Sulphonate), e que diferentes mutações poderiam estar relacionadas a genes específicos e a determinados efeitos no desenvolvimento dos órgãos. Foi essa combinação de análise genética com a visualização das divisões celulares observadas que possibilitaram a ida de parte do prêmio a Brenner.

John Sulston estendeu o trabalho de Brenner com o C. elegans e desenvolveu técnicas para estudar todas as divisões celulares no nemátodo. Brenner já havia descoberto que o animal possuía 1.090 células somáticas, mas que, ao longo de seu desenvolvimento, 131 morriam, sobrando 959 no final.

Sulston estudou todas as divisões, da época embrionária à fase adulta. Em 1976, ele descreveu a linhagem celular para uma parte do desenvolvimento do sistema nervoso. Com isso, ele provou que a linhagem é invariável, ou seja, em todos os vermes ocorreriam a divisão e a morte das mesmas células, sempre no mesmo tempo programado. Sulston descreveu os passos visíveis do processo de morte celular e demonstrou a primeira mutação genética que faz parte dele.

Coube a Robert Horvitz continuar o trabalho dos colegas investigando, também no C. elegans, onde havia um programa genético controlador da morte celular. “Foi ele quem mapeou, definiu e caracterizou os genes mais importantes que regulam a morte daquelas 131 células. Horvitz descobriu três genes que, trabalhando em conjunto, induzem à morte”, conta Amarante-Mendes.

Os genes descobertos por Horvitz foram chamados EGL-1, CED-4, CED-3 e CED-9. Os três primeiros são os indutores à morte. O gene CED-4 ativa o CED-3, que é conhecido também como molécula efetora – aquela que efetiva a ação – conduzindo, assim, à morte. O gene CED-9 é o que impede que o CED-4 ative o CED-3, funcionando dessa forma para aquelas células que não devem morrer. Quando uma célula realmente tem que morrer, é o EGL-1 que entra em ação para evitar que o CED-9 “seqüestre” o CED-4.

Importância para a saúde humana

Com as descobertas dos vencedores do Nobel de Medicina e Fisiologia de 2002 já foi possível verificar que existem genes correspondentes em espécies mais complexas e até no homem.

Amarante-Mendes exemplifica que, se no caso do verme, a molécula executora é só o CED-3, no caso de mamíferos já foram clonadas 14 moléculas que possuem a mesma formação estrutural e funcional. Ele conta que há uma família de proteases – enzimas que quebram proteínas –, chamadas caspases, que podem ser subdivididas em dois grupos: o que é relacionado a processos inflamatórios e um outro relacionado à morte celular programada ou apoptose.

As caspases envolvidas no processo de apoptose em mamíferos ainda são subdividas em dois subgrupos, chamadas de iniciadores e executores do processo, o que ilustra a maior complexidade do processo em animais superiores.

O conhecimento da morte celular programada tem ajudado a compreender mecanismos utilizados por alguns vírus e bactérias para invadir células humanas. Também é sabido que no caso da Aids, de doenças neurodegenerativas e do infarte no miocárdio, por exemplo, células são perdidas como um resultado do número excessivo de mortes. Ao contrário, doenças como alguns tipos de câncer são caracterizadas por uma extrema redução no número de mortes celulares, deixando vivas as que deveriam morrer. Atualmente, a pesquisa sobre a morte programada celular é intensa, principalmente no campo da procura pela cura do câncer.

 
Esquema que exemplifica o processo de morte celular no C. elegans

O professor Gustavo Amarante-Mendes, que chefia o laboratório de biologia celular e molecular e trabalha na área há mais de dez anos, coordena no ICB da USP um estudo de mecanismos moleculares que controlam o processo de morte celular programada em mamíferos, principalmente em células humanas e de camundongos.

O trabalho concentra-se basicamente em duas áreas: resistência à morte celular induzida pelo oncogene bcr-abl, que é responsável pela patologia associada a determinadas formas de leucemia; e a que diz respeito ao controle da morte celular em linfócitos, que são as principais células de defesa do corpo humano contra agentes infecciosos. Uma desregulação da morte de linfócitos pode levar a doenças auto-imunes ou imunodeficiências nas pessoas.

No primeiro caso, a resistência à morte pode levar a tipos de leucemia como a mielóide crônica e as agudas linfocíticas.
Amarante-Mendes concorda com a escolha do prêmio este ano: “Realmente, para todas as pessoas que investigam o processo de morte celular relacionado às áreas de saúde, a descoberta das bases moleculares que regulam o processo de morte programada no C. elegans, mesmo sendo mais simplificada, permitiu que nós nos espelhássemos e aprendêssemos coisas valiosíssimas”.

 




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