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Ellen: pesquisa inédita
 
 
Da esquerda para a direita, no sentido horário: João Vítor, Leonardo, Letícia e Nicole , alunos da creche central do campus da USP na Capital

Se atualmente já existe uma infinidade de alimentos desenvolvidos exclusivamente para crianças, com menos conservantes, enriquecidos com vitaminas, cálcio, ferro e outras substâncias fundamentais para o pleno desenvolvimento humano, disponíveis nas prateleiras dos supermercados, criando um verdadeiro banho para os olhos, imagine quando as empresas do setor desenvolverem novos produtos, exclusivos para meninas e outros, específicos para meninos, atendendo às diferenças de paladar de cada um. Essa é uma das hipóteses do que pode ocorrer a partir dos dados obtidos pela nutricionista Hellen Daniela de Sousa Coelho, que realizou experimentos inéditos com crianças de 4 a 7 anos de idade com a meta de detectar se havia diferenças na percepção dos gostos (azedo, doce, salgado e amargo), de acordo com as variações de sexo, estado nutricional e idade. Os resultados do trabalho, orientado pela professora Maria Elisabeth Machado Pinto e Silva, estão reunidos na sua dissertação de mestrado, intitulada “Análise dos limiares de detecção dos gostos básicos em crianças”, defendida recentemente na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. “O estudo do paladar infantil nos permite identificar se certos alimentos têm ou não boa aceitação nesse público, cuja importância consumidora não pára de crescer”, explica. “A resposta ao teste de paladar é individual, mas há características comuns no processo de identificação dos gostos, que se apresentam com mais freqüência em determinados grupos de crianças”, diz. “Mas, além da questão das preferências de sabor e, conseqüentemente, de consumo, os dados nos permitem identificar a origem ou as relações entre certas patologias, principalmente às que têm alta incidência na infância, e os hábitos alimentares.”

A pesquisa mostrou que, para os gostos salgado e doce, não houve nenhum tipo de variação. Já no azedo, as meninas apresentaram maior sensibilidade de percepção do que os meninos. A idade também interferiu: quanto mais nova a criança, mais sensível ela é ao azedo.

Segundo Hellen, seu interesse pelo tema surgiu ao perceber que havia poucas informações sobre essa questão na literatura mundial. “Essa área de pesquisa ainda é muito nova”, afirma. “Não há registros de testes de paladar com essa faixa etária na literatura científica, o que dificulta a comparação dos resultados”, informa. “Nosso estudo representa uma contribuição para o desenvolvimento dessa área no Brasil, que precisa gerar rapidamente novas pesquisas que comparem outras faixas etárias, somando informações fundamentais para a construção de um sólido conhecimento científico sobre a questão.”

Criações literárias

Os dados foram coletados entre março e julho de 2001, em duas creches do campus da capital e outra de Ribeirão Preto, ligadas à Coordenadoria de Assistência Social da USP (Coseas), onde a pesquisadora começou a desenvolver suas atividades de estágio, quando era estudante de graduação, estimulada por sua afinidade com crianças. “Já trabalhava em creche e iniciei o estudo para provar que era possível e simples realizá-lo com crianças dessa idade, ao contrário do que diz a literatura científica da área”, explica. “Os testes foram feitos e o número de participantes superou o de estudos anteriores, pois, de uma amostra de 180 crianças, 174 contribuíram com o estudo até sua conclusão.”

A participação ativa das crianças foi conseguida graças à criação de um método interativo, inusitado e pioneiro: Hellen escreveu um livro, que recebeu ilustrações do assessor de comunicação da FSP, Marcellus William James, sobre a história dos “glubes”, habitantes de um outro planeta que vieram à Terra para conhecer os sabores, inexistentes no seu mundo. Após um período de coleta de água com gostos diferentes (azedo, amargo, salgado e doce), posteriormente armazenadas em garrafinhas, os alienígenas embarcaram em sua nave, de volta para casa. Mas um acidente com o veículo fez as garrafas se abrirem e os diferentes tipos de água se misturaram. De volta à Terra, os glubes pediram a ajuda das crianças para separar novamente os sabores.

Assim, elas experimentaram, ao longo da trama, 16 “copinhos” de água contendo seis diferentes concentrações de cada substância utilizada para dar gosto – no doce, açúcar; sal no caso do salgado; cafeína cristalizada para criar o amargo; e ácido cítrico para o azedo –, e mais oito de água pura (destilada), somando 24 copos para cada sabor, num total geral de 96. Após cada experimentação, copo a copo, a pesquisadora anotava os depoimentos das crianças. As soluções eram apresentadas sempre aos pares – uma solução com sabor e outra sem (água pura) – e em ordem crescente e decrescente de concentração. A exceção foi na identificação do sabor amargo que, por causar aversão na maioria das crianças, foi realizada em duas séries crescentes.

Ainda com relação à identificação do gosto amargo, uma das constatações chamou muito a atenção: os dados dos testes de paladar mostraram que as crianças do interior tinham mais sensibilidade a esse sabor do que as da capital. Segundo Hellen, a hipótese mais provável é que isso esteja associado aos hábitos alimentares, uma vez que, na creche de Ribeirão Preto, a dieta diária inclui alimentos amargos, como jiló e tamarindo, facilitando a identificação do gosto pelas crianças locais.

Os resultados também mostraram que, em média, as crianças identificam o sabor numa concentração mais baixa do que o esperado: o sabor doce foi identificado com a concentração de 2 gramas de sacarose por litro de água, enquanto o salgado com 0,18 grama, o azedo com 0,03 e o amargo, 0,0025 grama por litro.

De acordo com Hellen, cada creche recebeu algumas cópias do livro. “As crianças gostaram muito da história interativa e muitas continuam escrevendo ou desenhando cartas para os glubes que, com o término da separação dos sabores, voltaram para o seu planeta”, conta. “Uma das minhas metas é publicar o livro em grande escala para que ele possa divertir outras crianças, além de ser usado por mais pesquisadores”, diz. “Com relação à pesquisa, estarei dando continuidade ao tema por meio de um projeto de doutorado que terá como objeto de ectudo a percepção dos sabores em crianças de 7 a 10 anos de idade.”

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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