Se
atualmente já existe uma infinidade de alimentos desenvolvidos
exclusivamente para crianças, com menos conservantes, enriquecidos
com vitaminas, cálcio, ferro e outras substâncias fundamentais
para o pleno desenvolvimento humano, disponíveis nas prateleiras
dos supermercados, criando um verdadeiro banho para os olhos, imagine
quando as empresas do setor desenvolverem novos produtos, exclusivos
para meninas e outros, específicos para meninos, atendendo
às diferenças de paladar de cada um. Essa é
uma das hipóteses do que pode ocorrer a partir dos dados
obtidos pela nutricionista Hellen Daniela de Sousa Coelho, que realizou
experimentos inéditos com crianças de 4 a 7 anos de
idade com a meta de detectar se havia diferenças na percepção
dos gostos (azedo, doce, salgado e amargo), de acordo com as variações
de sexo, estado nutricional e idade. Os resultados do trabalho,
orientado pela professora Maria Elisabeth Machado Pinto e Silva,
estão reunidos na sua dissertação de mestrado,
intitulada “Análise dos limiares de detecção
dos gostos básicos em crianças”, defendida recentemente
na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. “O
estudo do paladar infantil nos permite identificar se certos alimentos
têm ou não boa aceitação nesse público,
cuja importância consumidora não pára de crescer”,
explica. “A resposta ao teste de paladar é individual,
mas há características comuns no processo de identificação
dos gostos, que se apresentam com mais freqüência em
determinados grupos de crianças”, diz. “Mas,
além da questão das preferências de sabor e,
conseqüentemente, de consumo, os dados nos permitem identificar
a origem ou as relações entre certas patologias, principalmente
às que têm alta incidência na infância,
e os hábitos alimentares.”
A pesquisa
mostrou que, para os gostos salgado e doce, não houve nenhum
tipo de variação. Já no azedo, as meninas apresentaram
maior sensibilidade de percepção do que os meninos.
A idade também interferiu: quanto mais nova a criança,
mais sensível ela é ao azedo.
Segundo
Hellen, seu interesse pelo tema surgiu ao perceber que havia poucas
informações sobre essa questão na literatura
mundial. “Essa área de pesquisa ainda é muito
nova”, afirma. “Não há registros de testes
de paladar com essa faixa etária na literatura científica,
o que dificulta a comparação dos resultados”,
informa. “Nosso estudo representa uma contribuição
para o desenvolvimento dessa área no Brasil, que precisa
gerar rapidamente novas pesquisas que comparem outras faixas etárias,
somando informações fundamentais para a construção
de um sólido conhecimento científico sobre a questão.”
Criações
literárias
Os
dados foram coletados entre março e julho de 2001, em duas
creches do campus da capital e outra de Ribeirão Preto, ligadas
à Coordenadoria de Assistência Social da USP (Coseas),
onde a pesquisadora começou a desenvolver suas atividades
de estágio, quando era estudante de graduação,
estimulada por sua afinidade com crianças. “Já
trabalhava em creche e iniciei o estudo para provar que era possível
e simples realizá-lo com crianças dessa idade, ao
contrário do que diz a literatura científica da área”,
explica. “Os testes foram feitos e o número de participantes
superou o de estudos anteriores, pois, de uma amostra de 180 crianças,
174 contribuíram com o estudo até sua conclusão.”
A participação
ativa das crianças foi conseguida graças à
criação de um método interativo, inusitado
e pioneiro: Hellen escreveu um livro, que recebeu ilustrações
do assessor de comunicação da FSP, Marcellus William
James, sobre a história dos “glubes”, habitantes
de um outro planeta que vieram à Terra para conhecer os sabores,
inexistentes no seu mundo. Após
um período de coleta de água com gostos diferentes
(azedo, amargo, salgado e doce), posteriormente armazenadas em garrafinhas,
os alienígenas embarcaram em sua nave, de volta para casa.
Mas um acidente com o veículo fez as garrafas se abrirem
e os diferentes tipos de água se misturaram. De volta à
Terra, os glubes pediram a ajuda das crianças para separar
novamente os sabores.
Assim,
elas experimentaram, ao longo da trama, 16 “copinhos”
de água contendo seis diferentes concentrações
de cada substância utilizada para dar gosto – no doce,
açúcar; sal no caso do salgado; cafeína cristalizada
para criar o amargo; e ácido cítrico para o azedo
–, e mais oito de água pura (destilada), somando 24
copos para cada sabor, num total geral de 96. Após cada experimentação,
copo a copo, a pesquisadora anotava os depoimentos das crianças.
As soluções eram apresentadas sempre aos pares –
uma solução com sabor e outra sem (água pura)
– e em ordem crescente e decrescente de concentração.
A exceção foi na identificação do sabor
amargo que, por causar aversão na maioria das crianças,
foi realizada em duas séries crescentes.
Ainda
com relação à identificação do
gosto amargo, uma das constatações chamou muito a
atenção: os dados dos testes de paladar mostraram
que as crianças do interior tinham mais sensibilidade a esse
sabor do que as da capital. Segundo Hellen, a hipótese mais
provável é que isso esteja associado aos hábitos
alimentares, uma vez que, na creche de Ribeirão Preto, a
dieta diária inclui alimentos amargos, como jiló e
tamarindo, facilitando a identificação do gosto pelas
crianças locais.
Os
resultados também mostraram que, em média, as crianças
identificam o sabor numa concentração mais baixa do
que o esperado: o sabor doce foi identificado com a concentração
de 2 gramas de sacarose por litro de água, enquanto o salgado
com 0,18 grama, o azedo com 0,03 e o amargo, 0,0025 grama por litro.
De
acordo com Hellen, cada creche recebeu algumas cópias do
livro. “As crianças gostaram muito da história
interativa e muitas continuam escrevendo ou desenhando cartas para
os glubes que, com o término da separação dos
sabores, voltaram para o seu planeta”, conta. “Uma das
minhas metas é publicar o livro em grande escala para que
ele possa divertir outras crianças, além de ser usado
por mais pesquisadores”, diz. “Com relação
à pesquisa, estarei dando continuidade ao tema por meio de
um projeto de doutorado que terá como objeto de ectudo a
percepção dos sabores em crianças de 7 a 10
anos de idade.”
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