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 NESTA EDIÇÃO
prato comemorativo
peça kitsch, um paliteiro da década de cinqüenta
vaso de porcelana, resultado de uma experiência feita por Romeo Ranzini

 

Primeira fábrica a produzir porcelanas finas

Quem não tem em casa nenhuma xícara ou prato de porcelana decorado que foi presente de parentes de outra geração? Quem sabe ainda algum modelo kitsch de um gatinho ou de um palhaço? Se mesmo atualmente – quando o plástico e o vidro se apresentam como alternativas práticas às louças de porcelana ou faiança (espécie de porcelana mais grossa) – essas peças ainda fazem parte de nosso dia-a-dia, não é difícil imaginar que, na época em que eram produzidas, fossem utilizadas freqüentemente por diferentes camadas sociais para variadas funções. Para retornar àqueles tempos, o Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, apresenta ao público louças como essas, carregadas de histórias da sociedade, para comemorar o aniversário da cidade de São Paulo.

A exposição “Louça Paulista” tem o enfoque na produção industrial de louças na região da Grande São Paulo, que foi de larga escala entre as décadas de 1910 e 1940. Este que foi um dos mais importantes ramos industriais daqueles anos, atualmente é relegado ao esquecimento pela história do Brasil. “A fabricação de faianças e porcelana é uma lacuna na história brasileira. É como se a sociedade não tivesse produzido. Assim, perde-se a noção do quanto houve de história do trabalho no País”, comenta a pesquisadora Heloísa Barbuy. Normalmente, a indústria nacional de consumo não é considerada relevante pela história, que prioriza a indústria mais pesada. Por isso, o estudo de materiais como louças pode trazer à luz novos conhecimentos sobre a sociedade paulistana. É para isso que a pesquisa de iniciação científica de Heloísa Barbuy e Hermes Martins procura atentar. “O porte das fábricas surpreendeu a mim mesmo, já depois de iniciada a pesquisa”, conta Martins, originário de Mauá, um importante centro da fabricação de louças. A grandeza dessas indústrias pode ser percebida por meio de fotografias de seus prédios, também apresentadas na exposição, e pela quantidade de funcionários que contratavam, que alcançava o número 1.800.

Peças em série, mas artesanais

Quando essas fábricas nasceram em São Paulo, o mercado consumidor já existia aqui, formado por pessoas que possuíam o costume de utilizar louças, porém, importadas. Com o advento da produção nacional, o hábito se expandiu, deixando de se restringir às classes mais favorecidas. Entretanto, assim como a difusão de tal produção foi rápida, seu desaparecimento também o foi. Hoje, somente três fábricas dentre as oito anteriormente existentes ainda funcionam. Foram criadas técnicas exclusivas brasileiras, alguns modelos de louças adquiriram cores e estampas locais. Também eram fabricados estatuetas, santos e louças mais grossas para uso diário. A produção, portanto, refletia uma preferência popular, além daquela mais refinada. “Através do acervo é possível entender muito mais a sociedade, por meio dos gostos das pessoas ou da sofisticação a que chegou nosso país”, explica Ricardo Bogus, curador da exposição.

Ao mesmo tempo em que produziam em grandes quantidades, para o País e para exportação, as fábricas ainda mantinham um caráter artesanal: as receitas estavam em experimentação permanente. Chegavam a aparentar receitas caseiras de fato: anotadas em cadernetas pelo próprio dono da fábrica, com sugestões de utilização de matérias-primas. No Museu Paulista estão presentes as anotações daquele que foi o primeiro proprietário de fábrica de louças do Brasil, Romeo Ranzini. De sua indústria Santha Catarina, fundada em 1912 no bairro da Água Branca, outras surgiram mais tarde: seus operários trazidos da Itália fundaram suas próprias unidades, o que favoreceu bastante a difusão do ramo. Em um de seus muitos testes, Ranzini conseguiu fazer porcelana, após produzir várias peças de faiança. O vaso resultante foi então oferecido como presente a sua nora, que hoje colabora com a pesquisa e a exposição ao doar diferentes modelos de louça e as cadernetas do sogro, além de fotografias das fábricas, ao acervo do museu. Assim foram angariadas as cerca de 150 peças da exposição: com as famílias proprietárias das antigas indústrias ou os museus localizados em regiões em que a produção de louças se destacou, como Mauá e São Caetano.

Quando o patrimônio industrial se encontra em processo de destruição, com prédios desaparecendo, como o de uma das fábricas analisadas, que foi demolido há cerca de um mês, a importância da preservação do próprio produto industrial cresce. Para o curador Bogus, a idéia comum é a de que os museus só trabalham com peças excepcionais. No entanto, objetos de uso cotidiano são fundamentais na construção da história da cultura, especialmente da cultura material. “Se demorasse para coletar esse material, poderia ser que mais adiante ele não existisse”, declara Heloísa. A preservação e a catalogação das peças é a base para estudos de seu uso cotidiano. E aos visitantes do museu, a exposição pode despertar uma vontade de descobrir um pouco mais sobre aquela xícara presenteada pela avó, procurando no fundo da louça um pouco da sua história e do País.

Anotações do primeiro dono de fábrica de louças

A exposição “Louça Paulista” entra em cartaz a partir deste sábado e fica até o dia 25 de julho, no Museu Paulista da USP (Parque da Independência, s/nš, tel. 6165-8000). De terça a domingo, das 9h às 16h45. Os ingressos custam R$ 2,00. Porém, no sábado, o museu estará aberto das 8h às 18h com uma programação especial e a entrada será franca. Também no terceiro domingo de cada mês a entrada é gratuita.

Programação especial

O Museu Paulista oferece, além da exposição “Louça Paulista”, outras atividades no dia 25. A partir das 9h30, em diferentes horários ao longo do dia, será exibido o vídeo Museu Paulista da USP e São Paulo Antiga: Uma encomenda da modernidade. Também às 9h30, há o lançamento do Suplemento Especial do Diário Oficial do Estado dedicado à indústria de São Paulo, inclusive com artigos sobre o mesmo tema da exposição. Às 16h30, acontece um recital de violões, com o Duo Bartoloni – Fábio e Giacomo Bartoloni. E das 20h15 às 23h15h, o museu vai estar iluminado.
A programação do Museu do Ipiranga está incluída no projeto São Paulo – A cultura é presente, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, que envolve também outras unidades da Universidade, como o Instituto de Estudos Brasileiros, que sedia a exposição “A arte brasileira pelo olhar de Mário de Andrade”, com obras de Di Cavalcanti, Portinari, Anita Malfatti, entre outros; e o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) com “Formas de Humanidade”, mostrando como viviam as pessoas de várias épocas e lugares do mundo. Ainda será realizada a palestra “Água demais e água de menos na cidade de São Paulo” (no Parque CienTec, na Água Branca, com agendamento pelo tel. 5073-9151). Mais informações sobre os horários e os locais dos eventos podem ser obtidas pelos tels. 3091-2093 ou 3091-3575.

 




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