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Martins: refazer as contas  
 
Fava: garantias serão mantidas
 
 
Mallet: diminuir os extremos
 

Magistrados, advogados e militares vêm defendendo modelo de Previdência diferenciada, usando como argumento especificidades presentes no trabalho que desenvolvem. Em troca do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), funcionários públicos têm estabilidade. E, no lugar de salários pouco compensadores, contam com aposentadoria integral. Comprovam, em seus depoimentos, tais características e mostram-se dispostos a colaborar com as mudanças previdenciárias propostas pelo atual governo. Sugerem formas de combater o recebimento de altos salários mediante pouco tempo de contribuição, fato que está sendo apontado como responsável pelo déficit da Previdência.

Não abrem mão, porém, dos benefícios. Mediante qualquer mudança, assinala o juiz Marcos Fava, diretor cultural da Associação dos Magistrados de São Paulo (2ª Região), a irredutibilidade dos vencimentos, não-remoção e estabilidade são garantias constitucionais e deverão ser mantidas.

Porém, aceitam rever o prazo de cinco anos de contribuição exigido para aposentar-se, com salário integral, de quem entra no serviço público por concurso. Se tiver contribuído durante 30 anos para a iniciativa privada, apenas mais cinco anos de contribuição no serviço público dão esse direito. “Aí não tem como não haver déficit”, concorda.

O aumento do tempo de contribuição é sugerido – “para 45 anos, homens, e 40, mulheres, ou aumento da idade para 65 e 60 anos ” – na tentativa de preservar a integralidade, na opinião do juiz de Primeira Instância da 33ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho, Sergio Pinto Martins, professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.

Porém, o déficit é duramente questionado. A maioria dos juízes contribui com a Previdência por 35 anos, recolhendo 11% sobre tudo o que recebem, dinheiro que vai para o Tesouro Nacional. “Eu não sei qual é o déficit, pois o que está sendo divulgado como tal não é”, afirma, e prossegue: “Nem este nem o governo anterior sabem informá-lo, pois não foram feitas as contas” (leia texto na página 6). Por isso, indica que sejam saneadas as contas da Previdência primeiro, para depois ser implementada política adequada. Para Sergio Martins, o governo não vem divulgando a falta de contribuição da União para a Previdência, importante elemento para medir o déficit previdenciário. Além disso, “não tem projeto, mas apenas uma discussão que parte do pressuposto de que existem privilégios a serem eliminados”, segundo o professor.

Ele aponta distorções que contribuem para o agravamento desse quadro, como a inclusão de funcionários, em 1988, que contavam cinco anos de serviços prestados ao funcionalismo, aos quais foi dado o direito de aposentar-se com salário integral, mesmo sem terem contribuído.

Marcos Fava alerta para a revisão da alíquota de contribuição de 11% para 15%, como forma de manter os salários na inatividade. Ou, ainda, limitar a idade de ingresso no serviço público, atitude que traz como agravante o fato de abrir mão da “valiosa contribuição” de magistrados com idade avançada. Uma média dos melhores anos de contribuição, para chegar ao salário mais razoável, também é sugerida.

São tentativas para atingir o equilíbrio defendido pelo professor de Direito do Trabalho da USP Estêvão Mallet. O valor da aposentadoria, segundo diz, é passível de discussão, embora valores acima de R$ 10.000,00 sejam “inaceitáveis”. “Temos de encurtar a diferença entre extremos, pois o País convive com a concentração de renda”, observa. O governo discute tetos entre R$ 1.561,00, para os que contribuíram com o INSS, e R$ 4.000,00, para os do funcionalismo público.

Magistrados lembram que representa quebra de princípio constitucional a redução de R$ 12 mil, salário atual, para R$ 4 mil, pagos a juízes na inatividade. Mallet acredita que o governo age corretamente quando tenta diminuir desigualdades. Para tanto, deverá reduzir valores máximos e aumentar valores mínimos. Mas não acha elevados os vencimentos dos magistrados, sobretudo se comparados aos da iniciativa privada, porém alerta aos que ingressam: “É um erro entender como atrativo a aposentadoria e não o trabalho a ser desempenhado. A função a ser exercida deverá contar com remuneração adequada ao seu grau de complexidade”, resume.

Direito adquirido ou privilégio?–

Funcionários públicos de vários níveis reivindicam direitos adquiridos, que líderes sindicais vêm chamando de privilégios. Policiais militares reclamam por ressarcimento de 13º salários e reajustes não-concedidos, além de FGTS e horas-extras, trabalhadas quase diariamente, não pagas.

O coronel Carlos Alberto Camargo, ex-comandante da Polícia Militar (1997-99) e presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Oficiais da PM, teme o que chama de “síndrome do dragão”. Segundo ele, o governo precisa apresentar algum resultado imediato, para mobilizar a opinião pública. Nessa trajetória, “meu receio é de que se cultue a figura do funcionário público como a de um dragão maldito, que precisa ser eliminado pela espada de São Jorge”. O coronel espera que o governo reconsidere, nessas discussões, tudo o que deixou de pagar, partindo, assim, para o debate democrático. “Não recebi 13º salário por 22 anos, até 1988, tendo como ‘consolo’ o adiantamento do salário de janeiro.” Nesse mês, entretanto, não havia salário. Horas extras no trabalho policial militar são freqüentes e obrigatórias, passíveis de serem consideradas insubordinação quando não atendidas. Além disso, o segundo emprego é proibido. O policial estará clandestino no chamado “bico”, sujeitando-se ao que o coronel define como “trabalho escravo”, por estar totalmente desprovido de direitos, já que se esconde sob a clandestinidade. “Se potencializadas todas essas causas, chega-se a um efeito injusto, que se agrava cada vez mais.”

Também juízes estão impedidos de ter outro emprego, a não ser o de professor, profissão economicamente pouco atraente, e que “prejudica a magistratura, em razão da necessidade de preparar aulas”, emenda o juiz Marcos Fava. Porém, se as mudanças pretendidas pelo governo forem desfavoráveis, a tendência é que se fortaleça a figura do segundo emprego para magistrados, para complementar a aposentadoria. Entidades como a Associação Nacional dos Magistrados (Anamaca) vêm participando dessas discussões no Ministério da Previdência.

A ameaça de transferência para a inatividade, já, por parte de funcionários públicos, caso o governo Lula envie ao Congresso Nacional projeto que elimine garantias de vencimentos totais, é vista como “justificável” por Sergio Martins, diante das “incertezas” demonstradas até agora, e como “precipitada” por Estêvão Mallet, para quem os que já completaram tempo de aposentadoria em hipótese nenhuma serão prejudicados. Para as situações-limite (quem está a pouco tempo de aposentar-se), deverão ser estabelecidas regras de transição.

O juiz Marcos Fava entende que tal movimentação sempre se dá em tempos de mudança na Previdência. Muitos juízes requereram a aposentadoria, quando da mudança na Constituição, lembra. “São 64 juízes do Segundo Grau, boa parte com tempo de aposentadoria cumprido, que poderão deixar o cargo mediante qualquer ameaça de perda de direitos”, explica. Situação que agrava a já sobrecarregada Justiça do Trabalho, em razão da falta de juízes.

Estabilidade e aposentadoria integral compensam a falta de perspectiva de bons ganhos e ajudam a trazer bons elementos para o quadro. Caso contrário, a carreira deverá ser procurada pelos “menos preparados”, pois os juízes estarão obrigados a complementar a aposentadoria.

Mudanças na Previdência agravam a crise de eficiência “histórica” do Judiciário, há décadas atrasado em relação à sociedade. A outra crise é operacional, pois não há funcionários nem juízes suficientes. A boa média indica um juiz para cada 1.800 habitantes, enquanto temos um para cada 120 mil pessoas. “O Tribunal Superior do Trabalho tem 11 mil processos para cada ministro. Acho que a Suprema Corte americana não julgaria esse volume em cem anos”, relata Marcos Fava, ao demonstrar descontentamento com o governo passado: “Em oito anos, o governo FHC teve o mérito de estraçalhar a máquina estatal, onde não há ninguém ganhando bem e os bons funcionários saíram”.

O consenso para as reformas não será alcançado com facilidade. “A CUT passou a ser contra a aposentadoria integral após virar governo”, afirma o juiz. Nada disso impede, porém, que a missão da Previdência esteja muita clara, na visão de Mallet, que é a de “redistribuir riquezas, embora, por vezes, no Brasil funcione como fator adicional de concentração de renda”.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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