As
doenças do coração são responsáveis
por mais de 50% das mortes no mundo desenvolvido, segundo dados
da Organização Mundial da Saúde (OMS). Um dos
principais motivos dessas mortes é o entupimento dos vasos
sangüíneos causado pela aterosclerose, que leva a complicações
maiores, como o infarto do miocárdio, por exemplo. Um estudo
feito pela equipe do Laboratório de Imunofisiopatologia do
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em conjunto
com pesquisadores do Instituto do Coração (Incor),
demonstrou que a terapia de reposição hormonal, no
início do seu tratamento, pode estar associada ao desenvolvimento
de aterosclerose.
Desde
1995, os pesquisadores do laboratório vêm estudando
a participação de uma proteína chamada LDL
(sigla em inglês para lipoproteína de baixa densidade)
no aparecimento da aterosclerose, que se caracteriza por um processo
inflamatório seguido de um acúmulo de lípides
(gordura) nos vasos sanguíneos. Diversos fatores concorrem
para o desenvolvimento dessa doença – como o cigarro,
o ritmo de vida acelerado, a má alimentação
e os efeitos colaterais de remédios. No caso da reposição
hormonal, acontecem alterações que podem agravar o
processo aterosclerótico.
Segundo
Magnus Ake Gidlund, coordenador do laboratório, similarmente
a qualquer tratamento mais agressivo, a terapia com hormônios
provoca um estresse no organismo, capaz de induzir modificações
na LDL. Como essa proteína é responsável pelo
transporte do colesterol na corrente sanguínea, ao ter sua
estrutura modificada passa a transportar o que se conhece por mau
colesterol. “Percebemos que a LDL modificada passa despercebida
ao sistema regulador da entrada de colesterol no interior das células.
Com o acúmulo de gordura, essas células ficam carregadas
e se transformam em células espumosas”, explica Paulo
Boschcov, professor de biofísica da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) e colaborador do laboratório.
Além
disso, os mesmos fatores que danificam a LDL durante a terapia de
reposição hormonal contribuem para a formação
de anticorpos ruins. Os pesquisadores detectaram que grande parte
desses anticorpos é gerada com o objetivo de eliminar uma
proteína chamada HSP (sigla em inglês para proteína
do choque térmico). Os anticorpos ruins são bem conhecidos
por seu envolvimento em doenças auto-imunes, aquelas provocadas
pelo próprio sistema imunológico do organismo, e,
inclusive, no desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Em
condições ideais, o sistema imunológico produziria
anticorpos com o objetivo de eliminar a LDL modificada e fazer a
“limpeza”. Contudo, esse processo também está
sujeito ao estresse da terapia hormonal. Segundo os pesquisadores,
é o conjunto formado por LDL modificada, anticorpos ruins
e células espumosas que contribui para a formação
de uma placa na parede arterial, obstruindo a passagem do sangue
e desencadeando doenças coronarianas, que podem culminar
em angina ou infarto do miocárdio.
De
acordo com Gidlund, toda a terapia envolve uma relação
risco-benefício. Entretanto, ao se falar de reposição
hormonal, a questão do risco fica mais patente, pois as mulheres
tratadas não estão lutando contra uma doença
terminal e sim buscando bem-estar físico. “Se os médicos
conseguirem diagnosticar as alterações no organismo
com segurança, eles poderão seguir dois caminhos:
modificar o tratamento, trocando remédios e diminuindo a
carga de hormônios, ou parar a terapia, buscando alternativas”,
diz o pesquisador.
Para
a realização da pesquisa, foram acompanhadas e avaliadas
20 mulheres, com idade média entre 60 e 65 anos, no período
pós-menopausa. As pacientes foram consideradas normais do
ponto de vista físico e homogêneas quanto ao perfil
lipídico, que diz respeito à quantidade e à
proporção de componentes da gordura no sangue. A avaliação
ocorreu durante o primeiro ano de reposição hormonal
e todas receberam a mesma dose de hormônios. Os resultados
da pesquisa apontaram que as mulheres tiveram aumento na quantidade
de LDL modificada e de anticorpos ruins.
Aids
– Outro fator responsável por severas alterações
no organismo, que podem levar a doenças coronárias,
é o tratamento utilizado atualmente em pacientes portadores
do HIV. Para os pesquisadores do laboratório, a grande quantidade
de pessoas infectadas e a rápida disseminação
da doença levaram à liberação precoce
dos remédios anti-retrovirais para utilização
clínica. Todavia, sem o devido estudo e com o decorrer do
tratamento, alguns pacientes desenvolveram doenças como diabete,
lipodistrofia e aterosclerose.
A síndrome
da lipodistrofia provoca uma distribuição anormal
de gordura no corpo. Segundo os especialistas, não há
estudos para diagnosticar os efeitos do tratamento anti-retroviral
nos mecanismos da doença. Dessa forma, a equipe está
pesquisando alterações na LDL e nos anticorpos gerados
pelo sistema imune, associando-as com a lipodistrofia. “Sabemos
que muitas pessoas dependem da terapia para sobreviver, mas elas
estão morrendo em virtude dos efeitos colaterais dos remédios
e não por complicações decorrentes da Aids”,
aponta Gidlund.
Em
2001, foi ativado, no Hospital Emílio Ribas, um ambulatório
para estudo da lipodistrofia associada ao HIV. De acordo com o pesquisador,
trata-se do primeiro centro com o objetivo de aliar pesquisa e clínica,
buscando, inclusive, estabelecer parâmetros que poderão
ser utilizados para compensar os efeitos colaterais induzidos pelos
remédios anti-retrovirais e novas drogas utilizadas no tratamento
de pacientes com HIV.
Métodos
de diagnóstico – Conforme avançam os
estudos na área das doenças auto-imunes, a pesquisa
da LDL modificada e sua relação com os anticorpos
ruins vêm ganhando espaço na medicina, tornando necessário
o desenvolvimento de um exame que facilite o acompanhamento dessas
alterações no organismo. Um
método de diagnóstico, que possa quantificar e estabelecer
perfis laboratoriais dos efeitos da LDL e dos anticorpos ruins,
é crucial para determinar os caminhos a serem seguidos em
cada tratamento, seja da Aids ou da terapia de reposição
hormonal. “Hoje,
já temos técnicas mais precisas para fazer essas medições.
Nosso projeto de diagnóstico começou em 1995 e, desde
essa época, desenvolvemos uma estrutura multidisciplinar
de pesquisa e passamos por várias etapas. Agora contamos
com um método sorológico desenvolvido em nosso laboratório,
que poderia ser, inclusive, industrializado. Ele identifica a concentração
de LDL intacta, a quantidade e o perfil de LDL modificada e a quantidade
de anticorpos ruins e bons”, conta Gidlund.
Para
Boschcov, o diagnóstico constante ajudaria a entender o comportamento
do sistema imunológico dos pacientes, pois os anticorpos
são mediadores indiretos de várias doenças.
“No caso da aterosclerose e da LDL modificada, estamos analisando
a ação dos anticorpos ruins na progressão das
lesões nos vasos sanguíneos. O próximo passo
pode ser o desenvolvimento de uma terapia com anticorpos bons que
elimine a LDL modificada e evite a produção de anticorpos
ruins”, diz.
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