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Zuffo: a TV digital pode promover a inclusão social

O governo brasileiro precisa elaborar uma ampla política pública com a finalidade de implantar no País a TV digital – capaz de transmitir muito mais dados do que a tradicional TV analógica hoje em uso nos lares brasileiros. A sugestão é do professor Marcelo Zuffo, coordenador do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP. Segundo ele, uma política nesse setor que envolva diferentes ministérios – como os da Fazenda, Telecomunicações, Cultura, Indústria e Comércio e Ciência e Tecnologia – trará “inúmeros” dividendos ao Brasil. Entre esses benefícios estão a dinamização da indústria de eletroeletrônicos, o incremento da exportação de aparelhos de televisão e o acesso da população de baixa renda aos serviços de Internet – a chamada “inclusão digital”.

A inclusão digital se dará porque – caso o governo execute a política de incentivos correta – a TV digital terá um custo pouco superior a R$ 100,00. Por essa módica quantia, as famílias brasileiras poderão ter em casa um aparelho que, ao invés de sinais analógicos, capta sinais transmitidos na forma digital, através de bits de informação. A diferença não é pequena. A nova tecnologia processará dados numa velocidade mil vezes maior do que o mais moderno modem de computador em operação atualmente. Além de sinais de vídeo, ela transmitirá qualquer tipo de informação – inclusive o sinal de Internet. Isso dará às famílias de baixa renda acesso à rede mundial de computadores e a um endereço eletrônico, o e-mail.

“A TV digital cria imensas possibilidades de inclusão social através da inclusão digital”, afirma Zuffo. “As crianças poderão fazer pesquisas escolares via Internet e seus pais poderão utilizar os vários serviços disponíveis na rede.” Marcação de consultas em hospitais públicos e serviços oferecidos pelo sistema bancário e pelo governo estão entre as ofertas a ser disponibilizadas. Na semana passada, Zuffo finalizou o documento intitulado TV digital terrestre no Brasil – Proposta de projeto estruturante de um modelo nacional, em que expõe suas sugestões para a formulação de políticas públicas nessa área (leia texto ao lado). No LSI, o professor e sua equipe desenvolvem um terminal de acesso – pequeno aparelho capaz de converter o televisor analógico em digital –, atualmente em fase de patenteamento, que deverá ser comercializado em cerca de seis meses.

Um “filão” para a indústria – As camadas mais carentes da população não serão os únicos beneficiados com o advento da TV digital no Brasil. A tecnologia representa um imenso “filão” para a indústria de televisores, destaca Zuffo. Atualmente, o País tem capacidade para fabricar 12 milhões de aparelhos por ano, mas produz apenas 6 milhões, dos quais 5 milhões são vendidos no mercado interno e 1 milhão são exportados. “Para a indústria brasileira, a TV digital representa a grande oportunidade de criar uma plataforma de exportação que trará muitos recursos para o Brasil, além de mais empregos”, diz Zuffo. Ele destaca, porém, a necessidade de o governo conceder incentivos para a fabricação, no Brasil, de componentes semicondutores e sistemas, que compõem a TV digital. Hoje, 100% da tecnologia usada na fabricação de televisores é trazida do exterior. “Por isso é importante uma política que integre diferentes ministérios”, insiste Zuffo. “No caso da indústria, por exemplo, é fundamental que o Ministério da Ciência e Tecnologia invista na produção de tecnologia nacional, enquanto o Ministério da Indústria e Comércio incentiva as exportações.”

Para o professor, o advento da TV digital interferirá também nas concessionárias de televisão atuantes no Brasil, que arcarão com a maior parcela de investimentos. Elas terão de reavaliar o modelo de negócios existente hoje e pensar criativamente em como obter receitas com o novo sistema digital e interativo. “As possibilidades são imensas”, diz Zuffo. “As grandes redes de emissoras no Brasil alcançam mais de 5.450 municípios e atingem quase 100% dos lares, de todas as classes sociais.”

Zuffo lembra que o Brasil já conta com uma “grande vantagem” para a implantação da TV digital – a bem-sucedida estrutura montada ao longo dos últimos 30 anos para o funcionamento da TV analógica. A televisão aberta universalizou-se no País: de cada 100 brasileiros, 98 têm acesso à TV, conta o professor. É a única rede de telecomunicações, gratuita para o consumidor, com cobertura nacional durante praticamente as 24 horas do dia. “Ela constitui hoje um verdadeiro instrumento de inclusão social: mesmo com tantas diferenças culturais, sociais e econômicas, conseguimos unir o País por intermédio do televisor, através dos serviços prestados de informação e entretenimento, da distribuição do sinal analógico num país de dimensões continentais e da difusão do nosso patrimônio cultural, artístico e histórico no Brasil e no mundo”, nota Zuffo. “Não podemos desperdiçar toda essa estrutura. Ao contrário, temos que aproveitá-la para implantar a TV digital, gerar recursos e criar empregos.”

Em sua proposta de política pública na área da TV digital, Zuffo não deixa de citar a importância do Ministério da Cultura e das universidades. Segundo ele, o governo precisa incentivar a formação de “pólos de cultura”, a quem caberia produzir programas que, feitos em tecnologia digital, seriam destinados à exportação, rendendo mais empregos e mais dólares – além de divulgar ao mundo a rica diversidade cultural brasileira. Os “pólos de cultura” – semelhantes a iniciativas como o estúdio Vera Cruz, que nos anos 50 e 60 impulsionou a indústria cinematrográfica no Brasil – deveriam ser instalados em diferentes regiões do País, a fim de expressar a cultura local, acrescenta Zuffo.

Já as universidades têm a missão de fornecer a mão-de-obra especializada na produção de programas e na operação de mídias digitais, segundo Zuffo. Ele se diz inconformado com o fato de a USP ou outra universidade pública não oferecer nenhum curso nessa área. “Só a PUC de São Paulo e o Senac já perceberam essa necessidade e mantêm cursos sobre mídia digital”, destaca o professor, lembrando que, atualmente, as redes de TV contam com sofisticados estúdios digitais, dirigidos por pessoas com formação no exterior. “A USP também precisa se preocupar em formar esse tipo de profissional.”

O Brasil tem muito a ganhar

No documento TV digital terrestre no Brasil – Projeto de proposta estruturante de um modelo nacional, o professor da Escola Politécnica da USP Marcelo Zuffo expõe com detalhes as suas sugestões para a implantação da TV digital no Brasil. No texto – cuja primeira versão foi concluída na semana passada –, Zuffo mostra o legado da TV analógica aberta no Brasil e no mundo, aborda as perspectivas do advento da TV digital no planeta e discute as possibilidades de um sistema nacional de TV digital no território nacional. O professor antecipa ainda os benefícios que a nova tecnologia trará para a sociedade, na forma de incremento da indústria de televisores, de ampliação de exportações e de inclusão digital da população carente. “A nossa defesa é o estabelecimento de uma política sistêmica, contemplando um sistema nacional de TV digital terrestre através de um projeto estruturante”, afirma Zuffo, referindo-se a uma política que integre vários ministérios. Ele lembra que algumas atividades nessa área já vêm sendo realizadas no Brasil por universidades – entre elas USP, Mackenzie e Unicamp –, agências de financiamento, a exemplo da Finep, e associações de concessionárias, de profissionais e da indústria. Tais atividades deveriam ser aproveitadas e articuladas pela política a ser adotada, diz o professor.

“Com a introdução gradativa da TV digital a médio prazo (entre 2005 e 2010), espera-se uma verdadeira transformação do atual conceito conhecido de TV”, escreve Zuffo. “Entre as inovações esperadas, destacamos a grande capacidade bidirecional de intercâmbio de dados multimídia, o relacionamento mais personalizado entre o usuário e a TV/Internet e a integração de vários serviços à TV/Internet, como a automação de eletrodomésticos, segurança, telejogos, teleducação, telemedicina e telecomércio, entre outros.”

Para Zuffo, o advento da TV digital no mundo é “inexorável”. No Brasil, a tecnologia chegará mais cedo ou mais tarde, dependendo do empenho do governo em propor políticas corretas e de longo prazo. “Essa questão é importante não somente para o Brasil, mas para 2/3 da humanidade que atualmente não encontram perspectivas animadoras dentre os padrões de TV digital existentes”, destaca ainda o professor. “Com a política certa, a sociedade brasileira vai ganhar muito com a TV digital.”

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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