O
Cebimar possui, atualmente, um grupo de biólogos
residentes em São Sebastião e que constitui o primeiro
núcleo de bolsistas com residência fixa no município.
Fabiana B. Coutinho Leite, formada na Universidade São Judas
(São Paulo) e Álvaro Augusto S. Moura, graduado pela
Universidade Santa Cecília (Santos), são bolsistas
de Treinamento Técnico III da Fapesp e Juliana E. Borges,
graduanda da Universidade de Mogi das Cruzes, trabalha com bolsa
da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. Os três, supervisionados
pelos docentes do CEBIMar, trabalham ativamente no Programa Biota/Fapesp,
ao qual o CEBIMar está engajado. Eles são responsáveis
pela triagem, identificação e conservação
do material coletado pela embarcação a serviço
do Projeto de Biodiversidade Bentônica Marinha do referido
programa, acondicionando-o em recipientes apropriados. O material
bruto com o sedimento é ensacado a bordo da embarcação
e contém uma grande diversidade de seres vivos de tamanhos
variáveis, incluídos nas categorias da macro e meiofauna.
No CEBIMar, este material é transferido para baldes e diluído
em água do mar. Uma fração do sedimento é
separada em recipientes etiquetados e enviada ao grupo responsável
pela análise da meiofauna (animais com tamanho abaixo de
meio milímetro) no Instituto de Biociências da USP.
O restante é lavado em peneiras com abertura de malha cada
vez mais finas, chegando até meio milímetro. Os organismos
contidos no sedimento são, então, separados e identificados
de acordo com o grupo ao qual pertencem, sendo os menores examinados
sob estereomicroscópio. Os animais pertencentes aos grupos
dos Porifera, Cnidaria e Echinodermata são estudados pelos
próprios pesquisadores do Cebimar. Aqueles pertencentes aos
demais grupos zoológicos são enviados para outros
pesquisadores do projeto, de acordo com sua especialidade, para
identificação até o nível de espécie.
O material identificado e preservado constitui uma coleção
de referência a ser depositada no Museu de Zoologia da USP
e poderá ser utilizada por outros pesquisadores no futuro.
Alguns
dos organismos pesquisados são os pepinos-do-mar (holotúrias).
A professora Valéria Flora Hadel e seus alunos mantêm
duas espécies em câmaras de temperatura constante e
aquários, sendo que alguns indivíduos já têm
mais de dez anos de vida. Uma das espécies estudadas, Chiridota
rotifera, vive enterrada no sedimento, ingerindo areia da qual retira
a matéria orgânica que contém os nutrientes
de que necessita. Estas pequenas holotúrias, que atingem,
no máximo, dez centímetros de comprimento, são
vivíparas, isto é, nascem com as características
da holotúria adulta, e hermafroditas (capazes de produzir
tanto óvulos como espermatozóides). Assim, os óvulos
de uma holotúria podem ser fecundados pelos espermatozóides
de outra ou pelos espermatozóides que ela mesma produziu.
Elas atingem a fase adulta, sendo capazes de se reproduzir aos quatro
meses de vida e as ninhadas podem chegar a 160 filhotes. Valéria
tem, no seu laboratório, cerca de 120 exemplares que exigem
a troca da areia e da água do mar dos pequenos aquários
onde são criados uma vez por semana. Durante esta década
de criação, já foram liberados no ambiente
aproximadamente 22 mil indivíduos nascidos no laboratório,
pois apenas quatro exemplares de cada geração são
mantidos para pesquisa.
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No
Cebimar, professores e estudantes de pós-graduação
dedicam seus dias a investigar aspectos ainda desconhecidos
da natureza |
Uma
outra espécie de holotúria, Synaptula hydriformis,
é o tema da dissertação de mestrado de Alessandra
Pereira Majer, pós-graduanda do IB-USP e que desenvolve seu
trabalho de pesquisa no CEBIMar. Ela criou estes animais, que também
são vivíparos, em laboratório e os acompanhou
semanalmente: “Eu analisava os filhotes, dentro e fora dos
indivíduos parentais. Olhei as gônadas e fiz um acompanhamento
em termos reprodutivos, durante um ano. Ao mesmo tempo, fazia coleta
em 19 pontos, interessando-me também por algas, visto que
esta espécie de pepinos-do-mar vive associada a elas”.
Cynthia
Grazziele Martins Delboni, outra pós-graduanda do IB-USP,
também estuda pepinos-do-mar na sua dissertação
de mestrado. Seu estudo enfatiza o desenvolvimento das estruturas
microscópicas do esqueleto destes animais, desde a fase embrionária
até a adulta. Ela utiliza a microscopia eletrônica
de varredura para fotografar estes ossículos e pretende testar
marcadores para a microscopia de fluorescência. Sua pesquisa
tem como objetivo acompanhar a formação dos ossículos
nas diversas fases do desenvolvimento do animal e nas diversas partes
do corpo. Diz ela: “Já encontrei várias modificações
e agora observo a seqüência das formações.
Analiso todos os estágios do desenvolvimento, podendo ver
a diferença entre o adulto e o jovem. Observei partes da
morfologia nunca descritas antes”.
Nas
altas profundidades, as holotúrias chegam a constituir até
90% da biomassa e sua importância ecológica reside
no fato de serem responsáveis por grande parte da reciclagem
da matéria orgânica depositada no fundo, a qual, de
outra forma, estaria perdida para as cadeias alimentares marinhas.
Sargentos
e donzelas
— O biólogo Eduardo Bessa Pereira da Silva, do Instituto
de Biociências, trabalha desde o ano passado com a família
dos peixes chamados Pomacentrídeos, ornamentais, de grande
interesse no Brasil e no exterior. Faz mestrado e estuda o comportamento
e outros aspectos da biologia reprodutiva da espécie. Uma
vez por mês, vai ao Cebimar para proceder à coleta.
“Quando mergulho, procuro verificar, por exemplo, se o macho
está protegendo a desova e a defendendo dos predadores”,
diz, acrescentando que observa especialmente três espécies,
todas bem representativas do litoral paulista e batizadas com nomes
populares: “sargentinho”, muito comum; “donzela”,
muito agressiva; e “donzela marrom”, que tem ecologia
reprodutiva diferente das outras, é de superfície
e difícil de encontrar. A dissecação, histologia
e análise de dados Eduardo Bessa faz no IB. Os resultados
deverão render-lhe uma dissertação de mestrado,
além de publicações em revistas especializadas.
Realiza o projeto com uma bolsa do CNPq. Por se tratar de peixes
ornamentais, esses animais apresentam importante papel econômico
no aquarismo. Se forem bem estudados, poderão ser criados
em cativeiro. “As lojas de peixes os conseguem sem licença;
geralmente são coletados de maneira inadequada e a maior
parte morre em seguida”, denuncia o pesquisador. Os espécimes
jovens são os mais cobiçados por suas cores marcantes.
Outro
estudo sobre peixes é de Flávia Borges Santos, também
do IB e bolsista da Fapesp. Investiga a biologia e a morfologia
funcional dos blenióideos, que a população
conhece como amboré ou maria-da-toca. De pequeno porte, vivem
no costão. Flávia vai ao Cebimar a cada três
meses: “Coleto e trago os animais para o laboratório
para análise morfológica, utilizando conceitos de
morfometria e ecomorfologia. Assim, posso comparar forma e função,
observando as adaptações, e trabalhar com o que vejo
em campo. Verifico, por exemplo, se o animal tem nadadeira peitoral
que lhe dê postura mais ereta, o que ajuda na corte à
fêmea”. Flávia tem por orientadora a diretora
do Cebimar, Eleonora Trajano.
Aranhas
e ácaros
— Giuliano Jacobucci é o “estrangeiro”
do Cebimar. Tem 33 anos, veio da Unicamp para desenvolver a parte
prática final de sua tese de doutorado, avaliando o efeito
de anfípodes (pequenos crustáceos) sobre as algas,
nas quais vivem e das quais se alimentam. Avalia o potencial de
herbivoria desses animais, estudando-os no mar e em laboratório.
“Fiz uma coleta mensal ao longo de um ano em Ubatuba, tentando
desvendar a estrutura populacional desses organismos. A partir dos
experimentos eu teria como avaliar em campo, fazendo uma extrapolação,
o seu efeito nas algas, no caso a alga parda, o sargaço,
predominante no litoral, inclusive no Rio de Janeiro.” O pesquisador
tem mais um ano para completar o doutorado. Não é
fácil; ele não tem bolsa e para se manter leciona
em uma faculdade particular. Mas está muito satisfeito, com
a pesquisa e as condições de trabalho que encontrou
no Cebimar. “É uma satisfação você
elaborar uma questão e ao longo do trabalho conseguir responder
pelo menos em parte. É a ciência pela ciência.
A parte de triagem dos organismos é meio cansativa, leva
tempo, mas tive ajuda de alunos de iniciação científica
e os resultados são compensadores.” Orientado pela
bióloga da Unicamp Fosca Pedini Pereira Leite, com quem também
fez iniciação científica e mestrado, espera
conseguir o título de doutor em 2004 na área de ecologia.
Algas
têm também a ver com a pesquisa de Elisa Palhares de
Souza, graduanda do IB, só que ela faz um levantamento preliminar
de aranhas do mar (pantópodes ou picnogônidas), animais
carnívoros e predadores que são encontrados nas algas
e não têm correspondente em terra. Ela recebe material
do projeto temático do Programa Biota/Fapesp, mas também
realiza suas coletas no Canal de São Sebastião. Para
caçar as aranhas-do-mar, Elisa pega um balde, vai ao mar,
mergulha, arranca da base frondes de algas, separa os animais que
precisa, devolvendo ao ambiente os que não fazem parte da
pesquisa; no laboratório, corta as algas, observa na lupa
os aracnídeos, anestesia-os, coloca-os no álcool e
os etiqueta.
Elisa
é de Campinas, mora em república na capital e tem
bolsa de iniciação científica da Fapesp. Por
que ela (e todos os outros pesquisadores) anestesiam os animais
antes de sacrificá-los? O orientador de Elisa, professor
Claudio Tiago, diz que, em primeiro lugar, é uma questão
ética — “o respeito à vida é uma
questão crucial no nosso código de ética”;
depois, porque a anestesia ajuda a prevenir que os indivíduos
coletados e fixados no álcool fiquem contraídos. No
Cebimar, todo animal retirado da água mas não usado
é devolvido ao seu ambiente. O orientador observa que campanhas
do tipo “salvem as baleias” levam às ruas milhares
de pessoas, mas poucos são os que respeitam formas menores
de vida. Às vezes, pelo contrário, o respeito pela
vida é extremo, como no caso de cientistas russos que se
negam a destruir a única amostra do mundo de vírus
da varíola, alegando necessidade de preservar a biodiversidade
na Terra, apesar dos perigos que estes organismos possam representar
para a vida humana.
Na
mesma sala de Elisa trabalha, com o mesmo orientador e em levantamento
semelhante, mas de ácaros marinhos (aracnídeos do
grupo dos carrapatos), Almir Rogério Pepato. Como cientista,
esse tem sorte, porque é o único no Brasil a estudar
esses animais. Tudo o que descobrir poderá ser tranqüilamente
publicado, sem receio de repetição. Do mesmo grupo,
segundo ele, existem apenas nove espécies descritas para
o Brasil, em trabalhos antigos publicados por pesquisadores alemães
e franceses. Pepato acha que deve haver pelo menos 130 espécies,
tendo encontrado até agora 14, que serão incorporadas
ao levantamento do Programa Biota/Fapesp. Seu interesse está
em coletar material não apenas no litoral de São Sebastião,
mas de outros ambientes. Os espécimes são tão
minúsculos que só podem ser observados ao microscópio.
Os ácaros marinhos alimentam-se de algas ou de outros animais,
causando-lhes danos. Os “testemunhos” destinados ao
museu são fixados em lâminas, e ele já depositou
alguns no Museu de Zoologia da USP. Pepato, que é casado
e tem uma filha, está sem bolsa de estudo e leciona em colégio
da zona Norte na Capital.
Vermes
do mar —
Vermes marinhos existem de todos os tipos e tamanhos. Gisele Yukimi
Kawauchi, orientada pelo professor e vice-diretor do Cebimar Alvaro
Esteves Migotto, pesquisa os sipúnculos, dos quais existem
por volta de 140 espécies conhecidas. Estes animais, que
são exclusivamente marinhos, possuem o corpo cilíndrico
com uma característica que os difere de outros vermes: a
localização do ânus na região dorsal,
na parte anterior do corpo. Estes organismos são encontrados
enterrados tanto nas praias como nas regiões de grande profundidade.
A pesquisadora trabalha com o material proveniente de projetos realizados
com recursos dos Ministérios de Ciência e Tecnologia
e da Marinha e do projeto temático do Programa Biota/Fapesp,
além de material que recebe de pesquisadores de outros Estados
do Brasil.
O primeiro
orientador de Gisele foi o professor Antonio Sérgio Ferreira
Ditadi, recentemente falecido. Como Migotto já tinha pesquisado
o assunto, sob orientação daquele professor no seu
próprio mestrado, aceitou orientar a aluna.
Esses
vermes marinhos pertencem a um grupo pouco estudado no Brasil e
para quem não é especialista é até difícil
de reconhecer. Gisele descreve assim o seu trabalho: “Eu examino
cada um dos animais, para depois abri-los, desenhá-los, medi-los,
identificá-los e verificar se não encontrei uma espécie
não registrada para o litoral brasileiro ou mesmo nova para
a ciência”. A
pesquisadora é doutoranda do IB, mas desenvolve a parte prática
do seu trabalho no Cebimar. “Aqui eu posso me dedicar integralmente
ao meu trabalho, além de contar com bons equipamentos ópticos
à minha disposição que me auxiliam muito nas
identificações dos animais.” Alguns instrumentos
usados por ela, alfinetes entomológicos, pinças de
ponta fina e tesouras oftalmológicas, servem para abrir o
verme ao meio longitudinalmente, seja de que tamanho for.
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O
duro trabalho de campo é seguido por um paciente estudo
nos laboratórios |
Em
junho do ano passado, o maior especialista nesses animais, Edward
B. Cutler (Universidade de Harvard, EUA), convidou Gisele para um
workshop em Barbados, com hospedagem e alimentação
custeadas pela organização do evento. Um auxílio
da Pró-Reitoria de Pós-Graduação permitiu
a compra da passagem aérea e a sua participação
na reunião. A brasileira gostou muito de ter comparecido
ao encontro e, principalmente, de ter estreitado relações
com os poucos especialistas no assunto. “Apesar das condições
precárias do laboratório, foi muito importante ter
conhecido os atuais estudiosos deste grupo de invertebrados marinhos.
Tive a oportunidade de conversar e mostrar que o nosso país
tem pessoal e condições para desenvolver pesquisa
de boa qualidade.”
Microcrustáceos
— A bióloga aposentada Tagea Cristina Simon Björnberg
(ver texto na página 12) supervisiona no Cebimar pesquisas
numa área em que é internacionalmente reconhecida
como especialista: sobre copépodes, grupo de microcrustáceos
que somam 12 mil espécies. Um destes estudos é desenvolvido
por Bernardo Barroso Abiahy, bolsista de pós-doutorado da
Fapesp, que está interessado no desenvolvimento embrionário
desses seres. “A comunidade científica em geral construiu
a classificação baseada em indicadores intuitivos
e, principalmente, a partir de indivíduos adultos. Mas, quando
ignoramos a fase jovem do animal, perdemos informações
importantes”, explica. Para
coletar amostras, Abiahy pega os microcrustáceos no plâncton,
onde vivem. São extremamente frágeis e, no aquário,
se a água não for trocada de seis em seis horas, no
máximo em oito horas, morrem. A sua vida também é
curta, de uma semana a dez dias. Alimentando-se de fitoplâncton,
constituído de microalgas e bactérias, os copépodes
servem, por sua vez, de alimento para peixes, caranguejos, crustáceos
maiores, baleias e outros animais marinhos. “Indiretamente,
por transporte, alimentam toda a cadeia”, informa. No laboratório,
o pesquisador separa as fêmeas que trazem ovos e os faz eclodirem,
a fim de acompanhar o seu desenvolvimento. Observando os caracteres
dos organismos novos pode-se confirmar ou não a existência
de grupos zoológicos que já existem ou aparentados.
Pesquisas semelhantes são desenvolvidas nos Estados Unidos,
Inglaterra e Alemanha.
Nas
esponjas-do-mar trabalha o carioca Márcio Reis Custódio,
bolsista vinculado ao Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores em
Centros Emergentes da Fapesp. As esponjas, conforme explica, são
os primeiros animais que aparecem na cadeia da evolução,
os primeiros multicelulares. Antes delas, só as amebas. Apesar
de primitivos, são seres capazes de reconhecer os elementos
próprios do indivíduo, o que é deles e o que
pertence a outro organismo. “Estudo esse tipo de reação
para ver como se deu a evolução e quais os elementos
que possibilitam tal fenômeno de reconhecimento.” Já
se vê que o tema é interessante para entender a evolução
dos sistemas multicelulares, como as células se agrupam e
evoluem na cadeia animal, até chegar ao homem. Todo sistema
simples ajuda a entender os mais evoluídos. Custódio
iniciou a pesquisa em 2002 e vai até 2004.
Águas-vivas
— Outro grupo de cinco alunos é orientado pelo professor
e pesquisador Alvaro Esteves Migotto, vice-diretor do Cebimar, que
trabalha com cnidários, filo de animais invertebrados, geralmente
marinhos, que inclui águas-vivas, anêmonas-do-mar e
corais. Por se tratar de animais geralmente portadores de veneno,
interessam também à medicina, além da zoologia
básica. Os projetos de duas pesquisadoras, Janaína
Fontoura Caobelli (IB) e Alice Mondin (Unesp/Botucatu), estão
vinculados ao programa Biota/Fapesp. Janaína prepara o mestrado
e Alice é da iniciação à pesquisa.
Valquíria
Tronolone (IB) faz o doutorado pesquisando medusas — cnidário
de corpo gelatinoso — na costa sul-sudeste brasileira. André
Scharlach Cabral (IB e IC) estuda o ciclo de vida de Campanulinida
(hidrozoários e leptomedusas). Giselle Kawauchi (acima) é
quinta orientanda do professor Migotto.
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