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Na imensidão branca do continente antártico, povoado por exuberantes espécies marinhas,
os cientistas da USP buscam
nas rochas vestígios de fatos que, ocorridos
há milhões
de anos, alteraram
a face
da Terra

Para quem vive no Brasil, país tropical abençoado com lindas praias e muitos dias ensolarados, as imagens da Antártica mais se assemelham a quadros da vanguarda surrealista do que a cartões-postais propriamente ditos, apesar de contemplarem paisagens impressionantes. É difícil crer que exista realmente um lugar com praticamente 14 milhões de quilômetros quadrados cobertos por gelo, onde venta, neva e chove quase todos os dias do ano. Há muitas pessoas que gostariam de se aventurar nesse paraíso inóspito, dominado por pingüins, gaivotas, baleias e leões-marinhos, mas ir para a Antártica ainda é um privilégio de poucos. Apenas cientistas e pesquisadores têm acesso ao continente por meio de expedições organizadas em datas específicas.

Essa decisão foi tomada pelos 12 países que compõem o Comitê Científico para Pesquisas Antárticas (Scar) e passou a vigorar em 1961, com o Tratado da Antártica. O Brasil aderiu ao tratado em 1975 e começou as atividades científicas na região seis anos depois, quando foi criado o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Este ano, o Proantar realizou a sua 21ª expedição, da qual também participaram vários pesquisadores da USP. E, embora a maioria desses pesquisadores esteja aguardando os resultados da análise minuciosa das amostras recolhidas lá, muitas novidades sobre a Antártica já podem ser reveladas.

“A impressão que nós temos é que existe um registro fantástico da variação climática que ocorreu há 20 milhões de anos. A massa de gelo que cobre a Antártica não apareceu de repente: ela foi crescendo à medida que o clima mudou. E ora esse gelo expandia, quando havia uma refrigeração muito intensa, ora ele encolhia e expunha terra. A Antártica tem um efeito enorme no sistema climático mundial e nós queremos saber o que aconteceu no passado, em que épocas ocorreram glaciações e quantos foram os períodos intermediários”, explica o professor Antonio Carlos Rocha Campos, docente do Instituto de Geociências (IGc) da USP, coordenador do grupo de assessoramento do Proantar e coordenador-científico do Centro de Pesquisas Antárticas (CPA) da USP. Junto com o professor Paulo Roberto dos Santos, também do IGc, ele criou o projeto “Mudanças Paleoclimáticas na Antártica durante o Cenozóico: o Registro Geológico Terrestre”, que foi submetido ao Proantar em 1992.

“Nós estamos estudando diversos locais para tentar reconstituir as condições climáticas e ambientais de milhões de anos atrás. Na Antártica, estamos estudando uma glaciação que ocorreu por volta de 20 milhões ou 30 milhões de anos”, diz Santos, coordenador do projeto. Além dele, nesta última expedição foram ao continente gelado o professor Rocha Campos, o paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, do IGc, o doutorando Alexandre Tomio, aluno do Programa de Geologia Sedimentar do IGc, o geólogo José Alexandre Perinotto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e dois alpinistas do Clube Alpino Paulista, Rosita Belinky e Camilo Rebouças.

Para entender o sistema climático de 20 milhões de anos atrás, esses pesquisadores estão examinando determinadas rochas dispersas na Península Melville, na Ilha Rei George, onde está localizada a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), do Brasil. Elas são de fundamental importância para esses geólogos porque são rochas da era cenozóica, de um período que começou há 65 milhões de anos, quando os dinossauros se extinguiram, e terminou há 1,7 milhão de anos. O período que interessa a esses pesquisadores está entre 20 milhões e 40 milhões de anos. Essas rochas estão totalmente expostas sobre o gelo e conservam as suas características originais. A explicação é simples: ao contrário dos outros continentes, na Antártica não há intemperismo e, ao invés de se ter solo, tem-se gelo e, quando este derrete, as rochas aparecem.

Para os pesquisadores, esse é fato extremamente favorável, mas nem por isso pode-se dizer que trabalhar na Antártica é algo tranqüilo. Não é tão simples assim enfrentar tempestades de 40 horas e um vento de, aproximadamente, 100 quilômetros por hora, quando se está hospedado em barracas no gelo. “Estivemos nesse local agora pela terceira vez. Ele é muito difícil porque é muito alto e as rochas que nós queremos ver estão justamente nas escarpas, que têm cerca de 150 metros de altura. Então, desta vez fizemos um planejamento diferente: voltamos tentando usar técnicas de alpinismo para descer ao longo da escarpa”, conta Rocha Campos.
Adrenalina pura – Sem medo de arriscar, os geólogos se aventuraram em um rapel feito numa escarpa de tamanho semelhante ao do Edifício Itália, no centro de São Paulo. “Descer pelas paredes, para mim, foi uma experiência fantástica. Quando se está preocupado com a geologia, esquece-se de uma porção de outras coisas”, diz Santos, que desceu oito vezes ao longo das escarpas para fazer observações.

As dificuldades mesmo surgiram antes da escalada. Para chegar até o local, os geólogos precisaram atravessar a geleira seguros por cordas, em grupos de três, por causa das inúmeras fendas encobertas. Mas os pesquisadores conseguiram driblar as barreiras impostas pelo gelo. Para amarrar as cordas do rapel, a equipe levou para a Antártica uma série de blocos de cimento de 50 quilos, que foram enterrados em determinados lugares e, a partir daí, deu-se início à operação de descida. Para isso, cada geólogo, além de vestir uma roupa especial, tinha de levar consigo seu equipamento: radiotransmissor, martelo, trena, lupa, bússola, vidro de ácido, saco plástico, fita crepe e caneta. Santos relata sua experiência: “Eu descia com o alpinista e depois ia subindo e descrevendo a seqüência de rochas. Para não ter que fazer anotações pendurado, levamos um rádio. Eu mantinha contato com meu colega lá em cima, descrevia o que ia vendo e ele anotava”.

Mas essa não foi a única descoberta feita pelos pesquisadores da USP. Ao lado desses corajosos cientistas, Luiz Eduardo Anelli, que estuda a origem das concentrações fósseis, trabalhou em pequenos rios de degelo, onde ele se deparou com inúmeras conchas de 25 milhões de anos ainda conservadas pelo tempo. E o que ele pôde concluir, até então, é que, naquela região, há cinco camadas com milhares de conchas que foram soterradas vivas, pois estão com as valvas articuladas fechadas. “Não se sabe se elas foram trazidas vivas por um sedimento ou se estavam lá mesmo e uma grande camada de sedimentos soterrou a fauna”, diz o paleontólogo. Segundo ele, existem camadas de conchas que vão de 50 centímetros a 10 metros. O pesquisador também encontrou conservados tubos de caranguejos que hoje estão extintos. Anelli acredita que, embora a maioria dos fósseis da região já seja conhecida, provavelmente eles ainda não foram descritos cientificamente, trabalho que ele pretende fazer a partir da análise das amostras que coletou no local.


Composição clara, Wassily Kandinsky, 1942

 

 

 

 

A USP no continente gelado

 

Além do projeto coordenado pelo professor Paulo Roberto dos Santos, do Instituto de Geociências (IGc), a USP possui outros sete projetos inscritos no Programa Antártico Brasileiro (Proantar), sendo que seis deles foram criados por pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) e um por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública (FSP). Ao contrário dos anos anteriores, os cientistas brasileiros organizaram seu trabalho em duas redes de pesquisa, ligadas a um grande tema – Mudanças Ambientais na Antártica. A Rede 1, coordenada pelo professor do Instituto de Geociências da Universidade do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Jefferson Cardia Simões, chama-se “Antártica: mudanças globais, meio ambiente e teleconexões com o continente sul-americano” e estudará as mudanças ambientais na Antártica em âmbito global. Ela compreende sete projetos, dentre eles o projeto coordenado por Santos. A Rede 2, chamada “Gerenciamento ambiental da Baía do Almirantado e da Ilha Rei George”, é coordenada pelo professor Rolf Roland Weber, do Instituto Oceanográfico da USP e possui 15 projetos. Ela enfoca problemas de mudanças ambientais em toda a região próxima à Baía do Almirantado, onde estão as estações do Brasil, Peru e Polônia. Nessa rede se encontram os demais projetos da USP.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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