Em
meio a guerras, terrorismo, violência e exclusão social,
a noção de direitos civis alcança cada vez
mais pessoas, nos mais diversos mundos. Mais do que nunca, o homem
questiona seu direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à propriedade, à democracia, à saúde,
à educação, a um salário justo, a uma
velhice tranqüila – ou seja, seu direito à
cidadania. Mais antiga do que muitos crêem ou sabem, a idéia
de cidadania permeia a humanidade desde os tempos dos profetas sociais,
que há quase 30 séculos já falavam em proteção
aos despossuídos.
Como
a conhecemos, a cidadania nasceu de acontecimentos históricos
mais recentes, com as revoluções burguesas e a separação
de Poderes. Para buscar sua historicidade, demarcar as diferentes
interpretações ao longo do tempo e identificar os
elementos comuns presentes desde os seus primórdios até
os dias atuais, o historiador Jaime Pinsky e a esposa, Carla Bassanezi
Pinsky, incumbiram 24 autores de uma missão: escrever ensaios
exclusivos sobre o tema, o que resultou nas 591 páginas do
livro História da cidadania, que acaba de sair pela Editora
Contexto.
Não
se trata, portanto, de uma compilação de estudos previamente
produzidos, o que já distingue História da cidadania
e o torna um trabalho único. “Pode-se dizer que foi
uma obra escrita a 48 mãos. Nunca existiu um livro sobre
a história da cidadania que fosse de referência como
esse nosso”, garante Pinsky, organizador desta que é
a 20a obra que leva sua assinatura. Ex-livre-docente na USP e atualmente
professor titular de História Antiga na Unicamp, o historiador
conta que desde a concepção até sua conclusão
o livro levou dois anos para ficar pronto. “Partimos de um
projeto predefinido. A partir disso, pautamos os autores, ou seja,
já os convidamos com um tema previamente estabelecido.”
Interessado
pelo assunto há vários anos – já
lançou, também pela Contexto, Cidadania e educação
–, Pinsky diz se preocupar com o lugar-comum que a definição
de cidadania vem adquirindo nos últimos tempos, daí
a idéia de lançar um livro a respeito. “O termo
cidadania se espalhou a ponto de esvaziar seu conceito. Quando você
vê anúncios publicitários identificando os mais
diversos produtos com cidadania ou encontra uma escola em que a
disciplina chamada cidadania ensina, na verdade, boas maneiras,
é porque algo está errado. Se
um conceito serve para tudo, ele não serve para nada. A minha
preocupação foi resgatar a historicidade do conceito,
traçar a sua teoria geral e sua prática concreta.
Estudar a sua base, sua evolução no tempo e seus significados
atuais”, diz o historiador, que já lançou, entre
outros, Origem do nacionalismo judaico, As primeiras civilizações
e A escravidão no Brasil.
Os
textos inéditos assinados por grandes nomes da intelectualidade
brasileira já receberam elogios rasgados das mais distintas
autoridades políticas e jurídicas, garante Pinsky,
que é também diretor editorial da Contexto. O livro
está até sendo negociado para ser lançado em
outras línguas, segundo o historiador. Além disso,
do total de 6 mil exemplares colocados à venda nesta primeira
edição, já saíram quatro mil. “Tudo
isso só confirma o altíssimo nível dos intelectuais
brasileiros”, avalia Pinsky, que sonha com a segunda edição
do livro.
Idéia
tão antiga e tão atual – Dividido em quatro
“momentos”, como classifica Pinsky, o livro inicia com
a fase intitulada “Pré-história da cidadania”,
que traz textos de Norberto Luiz Guarinello, Pedro Paulo Funari,
Eduardo Hoornaert e Carlos Zeron, além do próprio
Jaime Pinsky, que abre a série com “Os profetas sociais
e o deus da cidadania”, abordando o surgimento do deus ético
entre os hebreus. Desde a Antigüidade, os profetas sociais
já falavam em exclusão social. Mesmo
que essa definição pudesse ser menos abrangente e
envolvesse outros valores, só essa caracterização
já remete ao discurso de cidadania. “Isso é
uma novidade histórica total”, diz Pinsky.
Para
o historiador, o grande legado dos antecessores dos judeus modernos
foi a concepção de um deus “que não se
satisfazia em ajudar os exércitos, mas que exigia um comportamento
ético por parte de seus seguidores. Um deus pouco preocupado
em ser o objeto da idolatria, mas muito comprometido com problemas
vinculados à exclusão social, à fome, à
solidariedade”. Segundo o autor, o conceito de cidadania está
presente não só nas bases do judaísmo, mas
também do cristianismo e do islamismo.
O historiador
Norberto Luiz Guarinello, da USP, faz uma reflexão no mínimo
polêmica sobre o legado do mundo clássico para o conceito
e a prática de cidadania que hoje vivenciamos. “A imagem
que faziam (os primeiros pensadores) da cidadania antiga, no entanto,
era idealizada e falsa. A cidadania nos Estados nacionais contemporâneos
é um fenômeno único na história. Não
podemos falar de continuidade do mundo antigo, de repetição
de uma experiência passada nem mesmo de um desenvolvimento
progressivo que unisse o mundo contemporâneo ao antigo. São
mundos diferentes, com sociedades distintas, nas quais pertencimento,
participação e direitos têm sentidos diversos”,
afirma, logo no início de sua fundamentação.
A segunda
parte do livro, intitulada “Alicerces da cidadania”,
estuda as bases da definição moderna de cidadania.
O texto “O respeito aos direitos dos indivíduos”,
do historiador Marco Mondaini, da Universidade Federal Fluminense,
analisa a Revolução Inglesa de 1640 e a separação
dos Poderes. Na seqüência, o historiador Leandro Karnal,
da Unicamp, assina “Estados Unidos, liberdade e cidadania”,
em que avalia que os americanos foram os primeiros a colocar em
prática o discurso democrático da cidadania, através
da Constituição daquele país. Sobre a Revolução
Francesa, em 1789, quem escreve é o filósofo Nilo
Odalia, da Unesp, no ensaio “A liberdade como meta coletiva”.
Os
estudos da série “O desenvolvimento da cidadania”
relacionam temas diversos, como socialismo, luta por direitos sociais
e igualdade das mulheres, das minorias religiosas, étnicas
e nacionais, além de ambiente e qualidade de vida. São
textos do filósofo Leandro Konder, da PUC do Rio de Janeiro,
do economista Paul Singer, da USP, e dos historiadores Joana Maria
Pedro, da Universidade Federal de Santa Catarina, Carla Bassanezi
Pinsky, Peter Demand e Osvaldo Coggiola, da USP, além do
jornalista e escritor Rodolfo Konder e do geógrafo Wagner
Costa Ribeiro.
Por
fim, em “Cidadania no Brasil”, os autores estudam os
diversos caminhos para a conquista dos direitos civis entre os brasileiros.
O antropólogo Mércio Pereira Gomes, da Universidade
Federal Fluminense, debruça-se sobre a cidadania entre os
povos indígenas. O historiador Flávio dos Santos Gomes,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa o caso dos negros
fugidos dos quilombos. Tânia de Luca, historiadora da Unesp,
mostra as conquistas sociais dos trabalhadores brasileiros e a socióloga
Maria Lygia Quartim de Moraes, da Unicamp, apresenta a luta das
mulheres brasileiras pela conquista dos seus direitos. Outra socióloga
da Unicamp, Letícia Bicalho Canedo, investiga os limites
e possibilidades da prática do voto e o que de fato essa
atitude significa em termos de cidadania. O geógrafo Maurício
Waldman discorre sobre cidadania ambiental e o advogado Rubens Naves
aborda as novas possibilidades de exercício da cidadania
através do terceiro setor.
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História
da cidadania
Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (organizadores)
Editora Contexto
591 páginas
R$ 59,90
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